Desindustrialização mudou perfil demográfico do país. Sem oportunidades, 2,4% dos brasileiros estão no exterior. População deixa metrópoles e incha cidades médias, dinamizadas pelos serviços aos ruralistas e constituindo sua base sociopolítica
O Brasil do primeiro quarto do século XXI se apresenta profundamente diferente daquele que existia antes do ingresso na globalização dos anos 1990. Sinteticamente, a nação vergou.
De acordo com o Fundo Monetário Internacional, a participação do Brasil no PIB mundial (em preços correntes e em poder de paridade de compra) declinou de 4,3%, em 1980, para 1,7%, em 2022. Da sexta maior economia do mundo, retrocedeu à nona posição global.
Para as Nações Unidas, a presença do Brasil na população mundial decresceu de 2,7%, em 1980, para 2,5%, em 2022. Da quinta maior população, regrediu para a sétima. A se manter essa trajetória demográfica, o Brasil pode deixar de estar entre os dez países mais populosos do mundo no final do século XXI.
Considerando as informações do Censo de 2022, chamam a atenção três grandes mudanças identificadas no Brasil desde o início do século XXI.
A primeira diz respeito à longa estagnação da renda per capita nacional, que terminou por impactar direta e indiretamente nas decisões dos brasileiros, especialmente no que diz respeito à trajetória da natalidade. A aceleração na queda dos nascimentos em relação ao total da população se mostrou decisiva para que a transição demográfica se aprofundasse muito rapidamente.
Assim, o Brasil, que tinha o seu passado de forte crescimento populacional, inverteu o sinal ao longo do início do século XXI. Caso não seja alterada a política demográfica, por exemplo, a população do país se manterá estabilizada, podendo ainda diminuir em termos absolutos, enquanto no século XX, o número de brasileiros foi multiplicado por dez vezes e, no século XIX, multiplicado por cinco vezes.
A segunda grande alteração é o inédito processo da desmetropolização populacional, com a mudança do sistema industrial, outrora complexo, diversificado e integrado regionalmente, para o modelo econômico primário-exportador acompanhado pela desindustrialização nacional.
No ano de 2022, por exemplo, o conjunto das grandes cidades constituídas por 500 mil e mais habitantes reduziu a participação relativa no total da população para 29%.
Em 2010, as metrópoles brasileiras responderam por 29,3% do total da população, bem acima do ano 2000, quando era de 27,6%. Em contrapartida, o conjunto das cidades médias constituídas por 100 mil a 500 mil habitantes cresceu a presença relativa no total da população para 28%, enquanto em 2010 era de 25,4% e, em 2000, de 23,2%.
Destaca-se que as regiões metropolitanas, em sua maioria situadas nas áreas litorâneas do país, exerciam até os anos 1980 uma forte centralidade no progresso da industrialização nacional. Atualmente, após o longo percurso da desindustrialização, as bases da moderna sociedade urbana e industrial encontram-se arruinadas, com as metrópoles do país concentrando atrasos da pobreza, desemprego e violência.
Uma verdadeira síntese da cara do Brasil forjado pelo novo sistema jagunço a dominar pelo fanatismo religioso e pelo banditismo social as multidões de sobrantes sem destino que vagueiam nas periferias dos centros urbanos desmetropolizados. Em contrapartida, avança a modernidade na forma de enclaves econômicos cada vez mais conectados ao exterior com o turismo e, sobretudo, o agrarismo exportador.
Neste contexto do enriquecimento interiorizado nas cidades médias, crescendo no ritmo “chinês”, o vazamento da riqueza atrai um segmento crescente e variado de ocupações “servis”, indispensáveis à reprodução do modelo consumista copiado do american way of life e situado na “cobertura aberta no andar de cima” da sociedade brasileira. Assim, a dinâmica contida do emprego na atividade econômica primário-exportadora termina por ser “compensada” pela difusão de serviços de atenção à reprodução dos novos-ricos do país.
Por fim, mas não menos importante, os múltiplos impactos decorrentes da inclusão da população brasileira na Era Digital – em grande medida, a defasagem dos atuais padrões tributário e federalista, próprios do passado da sociedade industrial que ficou para trás. Neste sentido, o decréscimo da população e o seu deslocamento geográfico no território nacional revelam a reconfiguração social do país.
A nova cara do Brasil rebate direta e indiretamente nos municípios, especialmente naqueles que perdem e nos que convivem com a estagnação dos seus habitantes. Na Era Digital, o motor dos negócios não mais se assenta na exclusividade do dinamismo tradicional exercido pela ocupação realizada fora do local de moradia.
Sem condições de oferecer condições de vida e trabalho decentes, o país passou a conviver com o ineditismo da diáspora de brasileiros que emigraram para outros países. No ano de 2022, as estimativas apontam 2,4% da população nacional vivendo fora, enquanto em 1980 era menos de 1%.
(*) Por Marcio Pochmann, economista, pesquisador e político brasileiro. Professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi presidente da Fundação Perseu Abramo de 2012 a 2020, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, entre 2007 e 2012, e secretário municipal de São Paulo de 2001 a 2004. Concorreu duas vezes a prefeitura de Campinas-SP (2012 e 2016). Publicou dezenas de livros sobre Economia, sendo agraciado três vezes com o Prêmio Jabuti.
Artigo reproduzido da coluna de Marcio Pochmann do site Outras Palavras.
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