Lançada há 43 anos, a PNMA mostra-se inepta. Região amazônica sequer tem rede de monitoramento da qualidade do ar e da água. As razões: orçamento exíguo, falta de servidores e órgão públicos reduzidos a cartórios de licenças ambientais
A Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), criada em 1981, estabeleceu os instrumentos da política ambiental, com destaque para os padrões de qualidade ambiental. Estes padrões são limites toleráveis das condições do meio ambiente, sendo que ultrapassados colocam em risco a saúde da população.
A qualidade do ar e da água deve ser monitorada e informada à população, principalmente diante de situações de poluição ambiental, como acontece com a fumaça das queimadas e despejo de poluentes e contaminantes nos cursos d’água. O monitoramento ambiental é essencial para prevenir doenças e permitir que o poder público tome as providências cabíveis para evitar ou mitigar os impactos ambientais das atividades humanas.
A rede de monitoramento da qualidade do ar e da água é restrita a estados da região Sudeste e inexiste nos estados da Amazônia. Os estados da Amazônia não monitoram a qualidade do ar e da água, mesmo em casos de reincidência de impactos ambientais, como acontece com as queimadas e com a poluição química dos cursos d’água. Esta situação se agrava pelos efeitos das mudanças climáticas, que têm alterado o ciclo hidrológico e a sazonalidade do clima na região, potencializando os efeitos sobre o meio ambiente.
O monitoramento da qualidade do ar e da água é questão de saúde pública e não é admissível que, passados mais de 40 anos da PNMA, o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) não consiga colocar em prática um dos mais importantes instrumentos da política ambiental. Esta condição é inerente ao retrocesso da política ambiental no Brasil, que não pode ser depositada somente na conta do governo Bolsonaro e de sua boiada.
A PNMA e seus instrumentos não funcionam como um sistema nacional integrado. Os biomas estão queimando em todo o país e o governo Federal convoca os estados e municípios apenas para combater o fogo, negligenciando ações para o fortalecimento do SISNAMA ou mesmo a possível condição de calamidade climática pública pela dimensão dos impactos das queimadas ao meio ambiente e à saúde da população. A responsabilidade compartilhada é um dos princípios da política ambiental.
Na quase totalidade do território brasileiro, o ar que respiramos se encontra em condições de não conformidade, com fumaça e material particulado muito acima dos padrões de qualidade ambiental estabelecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Na maioria das cidades, sobretudo na Amazônia, não existem redes de monitoramento que possam informar a população sobre os níveis de poluição do ar decorrente da fumaça das queimadas e os consequentes riscos à saúde.
O verão amazônico acontece de julho a dezembro e as projeções de cientistas indicam que a região apresenta alta vulnerabilidade as mudanças climáticas. As fumaças das queimadas se acentuarão e tornarão o clima da região amazônica incompatível com a sadia qualidade de vida humana, implicando no comprometimento da saúde mental e do trabalho, no agravamento das doenças respiratórias, oculares, entre outras. O monitoramento do ar é questão de saúde pública e não se faz necessária série histórica de monitoramento para se ter evidências da gravidade da situação.
A rede de monitoramento da água também é inexistente na Amazônia. Para citar um exemplo de um caso negligenciado pela política ambiental, o arquipélago do Bailique, localizado na região costeira do estado do Amapá, onde vivem cerca de 13 mil pessoas, passa por uma condição de tragédia ambiental anunciada pela percepção de seus moradores e denunciada pelo ex-governador do Amapá, João Alberto Capiberibe. “O Bailique está desaparecendo pelos impactos ambientais cumulativos e pelas mudanças climáticas. A erosão é intensa e o avanço do mar sobre a zona costeira estuarina tem provocado o aumento da salinidade da água, com previsão de extensão acelerada deste efeito para Macapá, onde está instalada a principal estação de captação de água que abastece a cidade”, alerta Capiberibe.
Por que a qualidade do ar das cidades da Amazônia impactadas com as queimadas não é monitorada e comunicada em tempo real a população? Por que a erosão e a salinidade do Bailique não são monitoradas ou não é dada a devida atenção à percepção ambiental dos moradores? Por que não se cumpre a PNMA? Algumas hipóteses são aqui anunciadas.
A primeira é que os Órgãos Estaduais e Municipais de Meio Ambiente se tornaram cartórios de licenças ambientais negociadas politicamente e o monitoramento ambiental passou a “condicionante não cumpridos” das licenças emitidas. Uma segunda hipótese é que estes órgãos ambientais são inoperantes, sem servidores efetivos e sem dotação orçamentária adequada para o monitoramento ambiental, que requer equipamentos e pessoal altamente qualificado. Uma terceira hipótese está relacionada ao academicismo das evidências, que desqualifica as percepções dos saberes da população para validar somente aquilo que é publicável em artigos científicos.
O monitoramento da qualidade do ar e da água deve ser prioridade para as políticas ambientais dos estados e municípios em tempos de mudanças climáticas. Fortalecer o Sistema Nacional de Meio Ambiente é determinante para o selo “desenvolvimento sustentável” e acima de tudo para cumprir o que determina o artigo 225 da Constituição Federal: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações”.