Absolutismo, vinganças e os outros perigos no segundo mandato de Donald Trump
Os Estados Unidos nunca mais serão os mesmos depois da vitória ampla de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas. Sua marca já estava profundamente cravada na desconfiança nas instituições e na divisão social, alimentando uma radicalização que se espalha como um vírus global. Com a sua volta à Casa Branca, as consequências podem ser ainda mais sombrias.
O triunfo de Trump no colégio eleitoral, confirmado de maneira rápida, ainda na madrugada desta segunda-feira, e com maioria no Senado, colocam a democracia americana diante do abismo. Muitos enxergam o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021 como uma tentativa de golpe frustrada, que, embora tenha deixado cinco mortos, mais de uma centena de feridos e prejuízos milionários, acabou sem êxito. Mas ele não acaba ali. É importante lembrar que o simbolismo do evento não está apenas na violência e na destruição, como no caso do 8 de janeiro em Brasília, mas na escolha do momento: era o dia em que o legislativo norte-americano exercia uma função equivalente à do Tribunal Superior Eleitoral no Brasil, certificando o vencedor das eleições presidenciais.
Um dos poucos freios à anulação das eleições foi a recusa de Mike Pence, então vice-presidente do país e presidente do Senado, em se dobrar às exigências de Trump para que ignorasse os votos do Colégio Eleitoral. O que teria acontecido se, em vez de Pence, o cargo fosse ocupado por alguém de lealdade ideológica inabalável a Trump, como J.D., Vance, seu companheiro de chapa em 2024, que, apesar de seu tom mais polido, possui posicionamentos tão radicais quanto os de Trump?
Outro ponto a considerar é o que poderia ter ocorrido caso Trump tivesse contado com um apoio ainda maior de deputados e senadores para rejeitar a certificação dos votos, além dos 139 deputados e oito senadores que já haviam votado para subverter os resultados eleitorais. Foi por pouco que ele não cravou sua permanência no poder.
As preocupações com o novo mandato de Trump vão muito além das atribuições normais de um Presidente dos Estados Unidos. Não se trata apenas da possibilidade de nomear mais dois juízes à Suprema Corte, consolidando uma maioria conservadora ainda mais rígida que ameaça direitos civis e sociais – afinal, em seu primeiro mandato, ele já nomeou três juízes que foram essenciais para revogar o caso Roe versus Wade e reduzir os direitos ao aborto. A inquietação real está no poder que ele parece ansioso para concentrar em benefício próprio.
Trump deu indícios claros de que voltará à Casa Branca com uma missão pessoal de vingança. Ele declarou que “limparia” órgãos federais, colocando-os sob seu controle direto e ameaçando a independência do Departamento de Justiça. Para ele, o departamento não passa de uma ferramenta “armada” contra ele e seus aliados. Prometendo reformá-lo para agir em sintonia direta com sua administração, Trump não disfarça que quer transformá-lo num escudo para bloquear investigações e proteger seus interesses.
A situação se agrava com seu apoio declarado aos manifestantes presos pelo ataque de 6 de janeiro, a quem ele chama de “patriotas”, insinuando que lhes concederá o perdão. Essa postura demonstra como ele enxerga a Presidência: um instrumento pessoal para blindar-se judicialmente ao mesmo tempo em que recompensa seus apoiadores, mesmo aqueles que ameaçam a ordem democrática. Esse plano está alinhado com a “Bíblia” do trumpismo 2.0, o Project 2025, que traça um roteiro para uma administração sem freios, preparada para garantir que as instituições sirvam aos caprichos de um líder e não aos interesses do país.
(*) Uriã Fancelli é mestre em relações internacionais pelas Universidades de Groningen (Países Baixos) e Estrasburgo (França) e autor do livro Populismo e Negacionismo
As opiniões dos autores de artigos não refletem, necessariamente, o pensamento do Jornal Brasil Popular, sendo de total responsabilidade do próprio autor as informações, os juízos de valor e os conceitos descritos no texto.