Estamos tratando aqui, desde os nossos últimos 2 artigos, de um importante documento da ONU que, para enfrentar a escassez e a falta de professores no mundo todo, produziu um diagnóstico amplo desse problema e que, para enfrentar tal desafio, indicou propostas concretas aos países. Como já falamos, é o documento da ONU mais importante, desde pelo menos o ano de 1966, sobre a questão da profissão de professores que, praticamente em todos os países do mundo, enfrenta uma crise sem precedentes na história da humanidade. Nele, a ONU, a partir de um Grupo de Trabalho criado ainda em 2022, produziu uma lista extensa de ricas recomendações para que as nações consigam superar essa questão com medidas concretas.
Como falamos no último artigo do primeiro dos 11 eixos de ações lá propostas, vamos falar hoje do segundo eixo que tem, entre as suas recomendações indicadas, 3 importantes linhas de ações concretas. Esse segundo eixo se refere ao investimento na profissão docente e, logo no início do texto dessas Recomendações, a ONU indica que uma educação de qualidade não existirá se ela não contar com um financiamento adequado. Trata-se da 7º Recomendação. Para isso, o documento retoma as metas pactuadas no Marco de Ação Educação 2030, quando lá é explicitada a necessidade de os países investirem, no mínimo, 6% de seu PIB e 20% do total de seu gasto públicocom o financiamento na educação.
No Brasil sabemos que a trajetória do investimento público na educação sofreu um revés dos mais impactantes no orçamento da educação nos últimos anos, só recentemente esse quadro tendosido, mesmo que parcialmente, revertido. Isso não somos nós do movimento sindical que estamos dizendo. O Relatório “EducationandGlance 2024”, divulgado no último dia 10 de setembro pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE, indica que o gasto público com educação no Brasil caiu 2,5% ao ano entre 2015 e 2021. No mesmo período, o investimento público em educação em relação ao total gasto pelo governo diminuiu de 11,2% em 2015 para 10,6% em 2021. Muito longe, portanto dos 20% indicado pela Agenda 2030 da ONU.
A redução no financiamento público coloca o país em uma direção oposta à maioria dos 48 países avaliados pela OCDE, que registraram um aumento médio de 2,1% ao ano nos gastos públicos com educação entre 2015 e 2021. Nesse período, apenas a Argentina apresentou uma diminuição maior que a verificada no Brasil.Para parte expressiva e majoritária das organizações educacionais brasileiras, inclusive o nosso movimento sindical de trabalhadores em educação,não temos dúvidas de que as restrições impostas pelo teto de gastos (Emenda Constitucional nº 95/2016, só muito recentemente revogada) e outras tantas medidas implementadas durante os governos Temer e Bolsonaro, que seguiram agendas contrárias às políticas sociais, são as grandes e principais responsáveis pela redução do orçamento da educação no período.
Sabemos que o novo Plano Nacional de Educação (PNE 2024-2034) visa restabelecer a meta de investimento público em educação para 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Além disso, o novo PNE só será efetivo se vier acompanhado da criação de um Sistema Nacional de Educação (SNE), hátempos defendido por nós e pela maioria dos especialistas educacionais. O projeto do Poder Executivo para o novo Plano Nacional de Educação – PNE (PL 2.614/2024), que é fruto da nossa Conferência Nacional de Educação (CONAE) de 2024, está atualmente em discussão na Câmara dos Deputados. Este novo PNE inclui 10 diretrizes, 18 objetivos, 58 metas e 253 estratégias a serem cumpridas até 2034. O PNE 2014-2024, que ainda está em vigor, previa atingir 10% do PIB em investimentos no setor educacional até o final de sua vigência. No entanto, atualmente, esse investimento está em 5,5%. O novo projeto de PNE propõe uma aplicação progressiva que varia de 7% a 10%. Como se vê, estamos longe de cumprir o que pactuamos.
E tudo isso é necessário, para além das metas que serão novamente pactuadas no novo PNE, para darmos conta também das Recomendações desse documento da ONU, que indica como sua 8ª Recomendação que esse financiamento em educação seja de longo prazo. Assim poderemos ter salários competitivos aos docentes e incentivos para que esses profissionais se dediquem a essa profissão, com carreiras vantajosas, formação permanente e materiais pedagógicos à altura do exigido para um bom processo de ensino-aprendizagem.
A 9ª Recomendação desse documento, e última desse segundo eixo, fala da necessidade de termos um monitoramento adequado da política educacional, de modo que seja possível termos critérios objetivos de avaliação e supervisão desses recursos investidos no financiamento educacional dos países. Trata-se mesmo de uma etapa básica do ciclo das políticas públicas: a avaliação dos recursos aplicados na educação deve mesmo ser rigorosa para evitarmos, o tanto quanto for possível, todo e qualquer desvio do dinheiro público que deve ir para o atendimento na ponta. Em nosso país, tão marcado por práticas históricas de corrupção e malversação do dinheiro público, essa Recomendação é mais do que importante e necessária.
Seguiremos falando e comentado sobre essas Recomendações do Documento da ONU nos nossos próximos artigos. Cuidar bem da educação e da profissão docente, além do conjunto de todos os profissionais da educação que estão envolvidos nesse grande projeto que defendemos chamado escola pública, exige de nós conhecimento dos imensos desafios que temos que enfrentar. Que bom que agora podemos contar com o respaldo internacional de um documento das Nações Unidas. Até nosso próximo artigo!
(*) Por Heleno Araújo, professor, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e atual coordenador do Fórum Nacional da Educação (FNE).
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