Nesse 17 de abril de 2020, a memória do massacre de Eldorado dos Carajás bate à nossa porta para cobrar nosso compromisso com nossos mortos-sementes.
Em homenagem a eles, o Jornal Brasil Popular publica o poema de Pedro Tierra.
A pedagogia dos aços
Candelária,
Carandiru,
Corumbiara,
Eldorado dos Carajás…
A pedagogia dos aços
golpeia no corpo
essa atroz geografia…
Há cem anos
Canudos,
Contestado,
Caldeirão…
A pedagogia dos aços
golpeia no corpo
essa atroz geografia…
Há uma nação de homens
excluídos da nação.
Há uma nação de homens
excluídos da vida.
Há uma nação de homens
calados,
excluídos de toda palavra.
Há uma nação de homens
combatendo depois das cercas.
Há uma nação de homens
sem rosto,
soterrado na lama,
sem nome,
soterrados pelo silêncio.
Eles rondam o arame
das cercas
alumiados pela fogueira
dos acampamentos.
Eles rondam o muro das leis
e ataram no peito
uma bomba que pulsa:
o sonho da terra livre.
O sonho vale uma vida?
Não sei. Mas aprendi
da escassa vida que gastei:
a morte não sonha.
A vida vale um sonho?
A vida vale tão pouco
do lado de fora da cerca…
A terra vale um sonho?
A terra vale infinitas
reservas de crueldade,
do lado de dentro da cerca.
Hoje, o silêncio pesa
como os olhos de uma criança
depois da fuzilaria.
Candelária,
Carandiru,
Corumbiara,
Eldorado dos Carajás
não cabem na frágil vasilha das palavras…
Se calarmos,
as pedras gritarão…
Brasília, 25/04/96