Enquanto a direção do PT festejava, considerando indiscutível a vitória de Maduro na eleição venezuelana, Lula, a maior figura do PT, adotava outra posição e sugeria a Biden que os Estados Unidos e o Brasil aguardassem a conferência das atas de todas as seções eleitorais para verificar se o resultado anunciado pelas autoridades eleitorais estava certo ou errado.
Embora não houvesse qualquer reação pública de Maduro, é evidente que ele não gostou, pois a proposta de Lula punha em dúvida o resultado oficialmente anunciado pelo Conselho Eleitoral da Venezuela e a legitimidade do novo mandato de Maduro.
Lula, em resposta, poderia dizer que ao tomar essa posição, divergente da do PT, agia como chefe de um governo de coalizão, em que muitos integrantes de sua base de apoio e até integrantes do primeiro escalão de seu governo não aceitaram a reeleição de Maduro nas circunstâncias em que aconteceu. Foi o caso da Ministra do Meio Ambiente Marina Silva, do partido Rede, e do líder do governo no Senado, Randolfe Rodrigues, que é do PT, e pode ser o do Vice-Presidente e Ministro do Desenvolvimento Geraldo Alckmin, do PSB, e da Ministra do Planejamento Simone Tebet, que é do PMDB.
Além disso, Lula poderia sustentar que se situou, com apoio do México e da Colombia, como intermediário entre Maduro e os Estados Unidos, hoje os Estados Unidos de Biden, não os do governo de Donald Trump, que patrocinou anos a aventura golpista e intervencionista de Juan Guaidó.
O governo Biden, que mantém a Venezuela sob sanções das mais cruéis, deve ter aceito a sugestão de Lula porque ela oferecia uma alternativa ou pelo menos uma trégua aos Estados Unidos, num momento de sua campanha presidencial em que Trump e a extrema direita estão ávidos de um pretexto para se entrincheirarem em alguma batalha passional de política externa, já que em todas as questões de política interna estão afundando cada vez mais.
O ex-Ministro do Exterior Celso Amorim, hoje assessor de Lula para assuntos internacionais, foi a Caracas como observador do governo brasileiro, com muito mais liberdade de movimentos do que teria como ministro, e lá conversou tanto com Maduro quanto com o candidato de oposição Edmundo Gonzales.
Deve ter sido de Amorim a ideia do exame das atas eleitorais e em entrevista à CNN ele fez um diagnóstico realista da situação, dizendo que nas circunstancias caberia ao governo Maduro o ônus da prova de que a eleição não foi fraudada.
Essa inversão do ônus da prova podia ser absurda e injusta, mas parecia inevitável no momento em que a América Latina se dividiu, com os presidentes da Argentina, Javier Milei, do Perú, Dina Boluarte, e até o do Chile, Gabriel Boric, apoiando o candidato de oposição, enquanto o Brasil, o México e a Colômbia tentavam a alternativa das atas eleitorais.
Mas os fatos andaram mais depressa e o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, anunciou que examirara documentação oferecida pela oposição e que com base nela os Estados Unidos reconheceriam a vitória dos oposicionistas.
Amorim, de novo falando à CNN, respondeu com uma declaração que pode antecipar os próximos passos de Lula:
— Acho difícil que o Brasil vá seguir o caminho dos Estados Unidos, [de reconhecer a vitória de Edmundo González]. Acho que um estudo mais próximo, não sei exatamente como, o nosso chanceler Mauro Vieira também
está muito ativo nessas conversas… eu acho que essas conversas podem nos indicar o caminho certo para encontrar a solução…
— Acho – acrescentou – que as interferências extrarregionais, e quando digo extrarregionais, eu incluo o hemisfério, acho que isso é uma coisa latino-americana, que os latino-americanos têm que resolver.
A linguagem foi diplomática, mas Amorim incluiu “o hemisfério” nas interferências extrarregionais inaceitáveis no caso da Venezuela. Se o caso da Venezuela tem de ser conduzido pelos latino-americanos, a interferência hemisférica inaceitável e a ser excluída é naturalmente a dos Estados Unidos. Como, aliás, queria no século XIX o libertador Simon Bolivar.
(*) Por José Augusto Ribeiro – jornalista e escritor, é colunista do Jornal Brasil Popular com a coluna semanal “De olho no mundo”. Publicou a trilogia A Era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993); A História da Petrobrás (2023). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.