A salvação do mandato do senador Sérgio Moro (Avança Brasil-PR) começou, para valer, com a decisão do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) de entrar com um “Embargo Auricular”, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), junto ao ministro Alexandre Moraes.
Os dois entabularam entendimentos de pé de ouvido para determinar o placar final da votação unanimemente favorável – 7×0 – favorável ao ex-juiz protagonista da Operação Lava jato, salvando-o da cassação por inelegibilidade durante oito anos.
O ato simbólico e determinante de Pacheco evitou que o Senado perdesse um dos seus pares e deixasse em aberto o exemplo referencial aos demais senadores quanto à possibilidade de serem, também, cassados, se praticassem o mesmo crime, isto é, manipulação de verbas públicas do fundo partidário para se beneficiar em eleições – moderna forma de compra de mandato, historicamente, conhecida no Brasil desde sempre.
O relator do processo no TSE, Floriano de Azevedo, disse que não achou nada de concreto no procedimento do parlamentar que justificasse sua cassação e os seus pares o seguiram no seu voto.
A esquerda, ingenuamente, cogitou que seria pedra cantada a punição de Moro, mas esqueceu do essencial: a direita e a ultradireita é que estão mandando majoritariamente no país, no Congresso e no Judiciário, desde o golpe neoliberal de 2016, articulado graças à Operação Lava Jato conduzida por Moro e a equipe de procuradores que o assessorou.
Finalmente, alcançaram seu objetivo: derrubaram mediante impeachment sem crime de responsabilidade para caracterizá-lo a presidenta Dilma Rousseff e na sequência prenderam o então ex-presidente Lula, acusado de crime sem provas concretas, de modo a abrir espaço ao novo poder: primeiro, com Michel Temer, vice de Dilma, e, em seguida, eleição da ultradireita com Bolsonaro.
O desfecho do caso Moro, portanto, deixa no ar que a direita e a ultradireita, amplamente majoritária pode muito bem salvar de eventual prisão o ex-presidente fascista.
No final, fica no ar a indagação: ocorreu um Acórdão ou um Acordão, marca registrada das decisões de cúpula da elite do poder em Terra Brazilis?
CONCRETIZAÇÃO DE GOLPE INTERNACIONAL
A salvação do mandato de Moro pelo judiciário é a confirmação prática, concreta, do golpe jurídico, parlamentar e midiático de 2016 dominado pela direita que manda no poder.
A esquerda exercitou sua ingenuidade em achar que daria o contrário, a desgraça de Moro; se isso acontecesse, a direita estaria confirmando sua culpa golpista.
Do golpe participaram os poderes republicanos em sintonia uníssona: legislativo e judiciário, para derrubar um executivo que estava dessintonizado com o status quo golpista ao qual serviu e serve Moro, legítimo agente do Império de Tio Sam.
Qual o interesse maior do imperialismo?
Desarticular o poder executivo então, democraticamente eleito, nas mãos da esquerda que praticava governabilidade nacionalista por meio da maior arma disponível: a estatal Petrobrás, que havia, em 2006, descoberto o pre sal, uma das maiores reservas de petróleo do mundo.
A trama ficou clara: o império, com seus agentes internos, mobilizou suas forças no judiciário para criminalizar a Petrobrás e destruir suas principais fornecedoras, as empreiteiras nacionais.
A petroleira e as empreiteiras haviam, historicamente, constituído em organismo econômico poderoso em forma de monopólio para conquistar o mercado, não apenas, nacional, mas internacional.
O poder criativo da Petrobras, graças aos investimentos em ciência, pesquisa e tecnologia, conquistou os píncaros da competência em explorar petróleo em águas profundas e criar poder econômico e financeiro capaz de produzir barato com capacidade competitiva.
Deslocou, por isso, concorrentes interna e externamente, se transformando em poderoso oligopólio.
Quem pode derrotar um oligopólio?
Só outro oligopólio maior e mais poderoso.
As petroleiras internacionais, especialmente, as sete irmãs, com forte participação dos Estados Unidos, miraram o oligopólio nacional e se articularam para destruí-lo, com ajuda decisiva da Operação Lava Jato.
OLIGOPÓLIO PRIVADO X OLIGOPÓLIO PÚBLICO
Lançaram mão das artimanhas jurídicas para incriminar a empresa e os seus agentes parceiros internos.
Instalaram meios de espionagem na empresa, para ter acesso às fontes do seu poder e sua inteligência, de modo a destruí-la por dentro.
Dessa tarefa, participaram o poder judiciário americano, em parceria com o judiciário brasileiro, por meio de acordos de cooperação, capazes de abrir espaço à ampla ação investigatória.
A Operação Lava Jato, que teve como protagonista o juiz Sérgio Moro e sua equipe colaboradora de procuradores, ávidos de colaborarem com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, fizeram o serviço de forma competente.
O objetivo foi alcançado: a Petrobrás foi desarticulada em sua estratégia de ter empresas nacionais a seu serviço, atuando em escala nacional e internacional, bem como multada, em proporções bilionárias, no centro do Império pelos acionistas estrangeiros na Bolsa de Nova York.
ESPIONAGEM PARA DESTRUIR A ESQUERDA
Ao mesmo tempo, a espionagem imperialista trabalhou, politicamente, buscando e conseguindo atingir a meta maior: destronar o PT e o governo que o partido comandava.
Primeiro, foi defenestrada a ex-presidente Dilma Rousseff, depois, aprisionado, o ex-presidente Lula da Silva.
Sérgio Moro e sua turma executaram, satisfatoriamente, o serviço para levar ao poder o vice-presidente Michel Temer, que colocou em prática programa de governo entreguista.
A tarefa do presidente Temer, em conjunto com o judiciário e o legislativo, ambos decisivos na derrubada de Dilma, fora alcançada: retalhar o monopólio do petróleo, para vender suas partes.
O judiciário – STF – cuidou de proibir o legislativo de contestar a venda das subsidiárias da Petrobrás sob argumento de que o fundamental seria preservação da empresa mãe, enquanto suas filhas e afilhadas poderiam ser prostituídas em negociatas privatistas.
Em seguida, em prejuízo dos consumidores, mudou-se a política de preços da empresa: dolarizou-se a cotação dos derivados, exigência das petroleiras internacionais, que, de forma oligopolizada, impuseram sua vontade.
Simultaneamente, depois de garantir o controle da nova política, o Congresso votou isenção fiscal por três décadas de imposto sobre petróleo cru exportado, e a prioridade deixou de ser investir na produção para favorecer a distribuição de dividendos comandada por Conselho de Administração subordinado aos fundos de investimentos internacionais.
POR QUE DESTRUIR O HERÓI?
O juiz-senador Moro conquistou, para a elite financeira, o triunfo maior que ela almejava, embora a justiça acabaria anistiando os injustiçados pela Operação Lava Jato.
Lula pode conquistar seu terceiro mandato em 2022, sob uma nova correlação de forças em que o poder presidencialista daria lugar ao poder parlamentarista ou semipresidencialista do qual se encontra prisioneiro.
Por que a direita e a ultradireita, que estão dando as cartas, deixariam aquele que os beneficiou, ou seja, o hoje senador Moro, ser, simbolicamente, engolfado pelas enchentes do Guaíba?
Foto: Agência Brasil
(*) Por César Fonseca, jornalista, atua no programa Tecendo o Amanhã, da TV Comunitária do Rio, é conselheiro da TVCOMDF e edita o site Independência Sul Americana.