Gestão pública eficaz pode ser uma alternativa viável e mais sustentável do que a reestatização de serviços
Um serviço público é uma atividade prestada ou coordenada pelo Estado com o objetivo de atender às necessidades básicas da sociedade, como saúde, educação, segurança e transporte. O principal objetivo de um serviço público é garantir o bem-estar coletivo e assegurar direitos fundamentais, independentemente da condição financeira dos usuários.
Um serviço privado é oferecido por empresas que têm a liberdade de decidir a quem e como vender seus produtos ou serviços, baseados em contratos individuais entre as partes. Os serviços públicos, entretanto, são regulados por normas que visam a garantir o interesse social, obedecendo a parâmetros, tais como:
- Universalidade – atende a todos, sem discriminação e com tarifa módica ou zero
- Continuidade e qualidade – serviço prestado de forma estável e com excelência
- Eficiência e transparência – uso dos recursos públicos visando ao benefício maior que o custo, submetido ao controle social, com dados públicos e auditáveis.
A prestação de serviços públicos pode ser de três maneiras: gerido e executado pelo poder público; gerido pelo poder público, executado pela iniciativa privada; e gerido e executado pela iniciativa privada
Este último modo, defendido como solução para a ineficiência estatal, apresenta alguns problemas, como:
- – aumento periódico de tarifas, para maximizar ganhos, com exclusão dos usuários mais pobres;
- – redução de investimentos e queda da qualidade dos serviços, para, com a mesma receita, maximizar o lucro; desigualdade de acesso, priorizando áreas mais rentáveis, deixando as demais sem atendimento adequado;
- – transparência zero, dificultando a participação da sociedade no controle dos serviços;
- – desalinhamento com o interesse público, especialmente em atender metas sociais ou ambientais, como a sustentabilidade.
Esse problema, não ocorre apenas no Brasil. Na Europa e nos Estados Unidos, tem-se vários exemplos de privatizações malsucedidas. Entre elas:
Água em Paris (França) – A privatização do serviço de abastecimento de água na capital francesa levou a aumentos significativos nas tarifas e à insatisfação popular. Em 2010, o município reestatizou o serviço, reduzindo os preços e aumentando a transparência.
Energia em Hamburgo (Alemanha) – Após anos de privatização, Hamburgo optou por reestatizar sua rede elétrica em 2013, para alinhar o serviço com seus objetivos de sustentabilidade e energia renovável.
Água em Atlanta (EUA) – A cidade de Atlanta privatizou o abastecimento de água em 1999, mas a má prestação de serviços e os custos elevados levaram à rescisão do contrato em 2003, com o controle retornando ao setor público.
O que fazer para superar os problemas da privatização no Brasil?
Uma gestão pública eficaz, com operação pública ou privada, mas sob controle social, pode ser uma alternativa viável e mais sustentável do que a reestatização de serviços, sob controle estatal pleno – gestão e operação – que apresenta problemas políticos, fiscais e jurídicos, com baixa governabilidade para superá-los.
Defendi, em artigo anterior, para o sistema metroferroviário do Rio, a gestão pública compartilhada entre União, estado e municípios, por esse modelo permitir maior capilaridade, atendendo a todos os espaços metropolitanos, de forma mais eficiente, como demonstrou o SUS – exemplo de gestão pública compartilhada – durante a pandemia do Covid.
Acredito que este modelo de gestão, sob rígido controle social, é essencial para assegurar o interesse público, com a participação da sociedade civil organizada na fiscalização e auditoria dos serviços.
Enquanto a aprovação da PEC 25/2023, que visa à criação do Sistema Único de Mobilidade (SUM), não ocorre, os consórcios públicos, com dois ou mais entes federativos, podem ser uma solução, de curto e médio prazos, provisória e eficiente, ao garantir transporte público de qualidade e com tarifas acessíveis em todas as regiões do país.
Acredito que essa proposta poderá ser uma alternativa eficaz para superar os problemas trazidos pela privatização de serviços públicos. Enquanto a reestatização pode ser complexa e custosa, especialmente em termos de segurança jurídica, a gestão pública compartilhada – União, Estados e Municípios – associada a mecanismos de controle social e uso de consórcios públicos, surge como uma solução potencialmente viável para garantir a qualidade e a continuidade dos serviços essenciais.
(*) José Augusto Valente é membro da Divisão Técnica de Transporte e Logística do Clube de Engenharia. Foi secretário de Política Nacional de Transportes e presidente do DER-RJ.