No Brasil, Carrefour foi palco de casos de violência em seus supermercados
O presidente-executivo do Carrefour na França, Alexandre Bompard, pediu desculpas ao governo brasileiro por afirmar, sem provas, que a carne importada do Mercosul, do qual o Brasil faz parte, não atende a exigências e normas sanitárias da União Europeia.
“Sabemos que a agricultura brasileira fornece carne de alta qualidade, respeito às normas e sabor. Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpa”, diz trecho do documento enviado nesta terça-feira (26) ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
Na semana passada, Bompard apresentou uma carta a agricultores franceses contrários ao acordo comercial entre União Europeia e Mercosul que pode facilitar a importação de produtos brasileiros e de outros países da América do Sul.
O representante da empresa se comprometeu a não comprar carnes dos países do Mercosul e falou em “risco de inundação do mercado francês com carne que não atende às suas exigências e normas”, sem, no entanto, apresentar provas.
A declaração, feita em 20 de novembro, fez com que frigoríferos brasileiros deixassem de fornecer carne para o Carrefour desde o fim de semana e instalou uma onda de insatisfação entre autoridades. O fornecimento só foi retomado após o pedido de desculpas.
Antes de se indispor com o agronegócio brasileiro, o Carrefour já foi palco de episódios de violência, racismo e descaso em seus supermercados. Em novembro de 2020, um homem negro foi espancado até a morte em uma loja localizada em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi agredido por um policial militar e por um segurança terceirizado do supermercado. Após uma série de socos e chutes, o homem, desacordado, foi socorrido por uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que tentou reanimá-lo sem sucesso. Ambos foram presos em flagrante e são investigados por homicídio qualificado.
Em nota enviada à imprensa na época, o Carrefour declarou que iniciou rigorosa apuração interna do caso. “Para nós, nenhum tipo de violência e intolerância é admissível, e não aceitamos que situações como estas aconteçam. Estamos profundamente consternados com tudo que aconteceu e acompanharemos os desdobramentos do caso, oferecendo todo suporte para as autoridades locais”, diz trecho do comunicado.
Morte ignorada
Em 14 de agosto do mesmo ano, um promotor de vendas do Carrefour faleceu enquanto trabalhava em uma unidade do grupo, no Recife (PE). O corpo de Moisés Santos, de 53 anos, foi coberto com guarda-sóis e cercado por caixas, para que a loja seguisse em funcionamento e permaneceu no local entre 8h e 12h, até ser retirado pelo Instituto Médico Legal (IML).
À época, o Carrefour pediu desculpas “em relação à forma inadequada que tratou o triste e inesperado falecimento do Sr. Moisés Santos, vítima de um ataque cardíaco” e afirmou que errou ao não fechar a loja imediatamente após o ocorrido. A atitude da loja foi considerada desumana e amplamente criticada.
Controle de idas ao banheiro
Em maio de 2019, a Justiça do Trabalho de São Paulo concedeu liminar pedida pelo Sindicato dos Comerciários de Osasco e Região contra o Carrefour, que estaria controlando a ida dos empregados ao banheiro. A juíza Ivana Meller Santana, da 5ª Vara do Trabalho de Osasco, identificou condições consideradas degradantes para os trabalhadores.
De acordo com o Sindicato dos Comerciários, nas sedes de sete cidades (Barueri, Carapicuíba, Embu, Itapevi, Jandira, Osasco e Taboão da Serra), operadores de atendimento e de telemarketing são obrigados a utilizar “filas eletrônicas” para o uso do banheiro. Além disso, devem manifestar necessidade do uso, registrando o nome no sistema eletrônico de fila e avisar ao supervisor em caso de urgência.
“Este tempo de espera pode acarretar prejuízos à saúde do trabalhador. Isto sem relatar o constrangimento de precisar explicar ao monitor/supervisor as suas necessidades fisiológicas, eventuais problemas intestinais ou estomacais, os relativos ao ciclo feminino”, disse a juíza na decisão.
Cachorro envenenado e espancado
Em dezembro de 2018, um cão que estava no estacionamento de uma das lojas da empresa, em Osasco, morreu após ser envenenado e espancado por um funcionário. “Um segurança do Carrefour que matou o cachorro. Ia ter uma visita de supervisores da matriz e o dono do mercado, da filial de Osasco, pediu para o funcionário dar um fim no cachorro. Ele deu chumbinho no meio de mortadela, e agrediu o cachorro”, afirmou ao portal G1 Rafael Leal, da ONG Cão Leal, na ocasião.
A rede de hipermercados também não socorreu o animal. “O cachorro foi resgatado com vida todo ensanguentado por uma pessoa que estava perto e socorreu. Ele foi levado para uma clínica veterinária particular, mas morreu em atendimento.”
Mais um caso de racismo
Em outubro de 2018, funcionários da empresa, em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, agrediram Luís Carlos Gomes, porque ele abriu uma lata de cerveja dentro da loja. Surpreendido pelos funcionários do supermercado, o cliente reiterou que pagaria pelo item. Mesmo assim, ele foi perseguido pelo gerente da unidade e por um segurança e depois encurralado em um banheiro, onde recebeu um mata-leão.
Gomes, que é deficiente físico, teve múltiplas fraturas e, como sequela de uma cirurgia, ficou com uma perna mais curta que a outra. Ele acusou o supermercado de racismo e discriminação e pediu uma indenização de R$ 200 mil.
Na época, o Carrefour disse, em nota, que “a rede repudia veementemente qualquer tipo de violência e reforça que, constantemente, realiza treinamentos e reorienta suas equipes, a partir da prática do respeito que exige dos seus colaboradores e prestadores de serviço”.
Demissão como retaliação
Em dezembro de 2017, trabalhadores do Carrefour que reivindicaram benefício de remuneração por trabalho em feriados foram demitidos da empresa, com a justificativa de corte de gastos. Os funcionários, no entanto, garantiram que os nomes que receberam a demissão estavam envolvidos em movimentos grevistas.
“Na verdade, a empresa nunca teve cortes às vésperas do Natal e Ano Novo. Em 12 anos de casa, nunca vi isso acontecer. Como sempre bati minhas metas, portanto, gerava lucros, fica explícito o motivo de retaliação a fim de desestabilizar o movimento, sim”, contou um ex-funcionário ao The Intercept, na época.
Os funcionários que trabalharam durante os feriados de novembro de 2017 receberam apenas R$ 30 por dia trabalhado, menos da metade do que recebiam antes. Um empregado que recebe R$ 1.290 por mês, ou R$43 por dia, deveria receber R$ 86 por feriado, já que a diária era dobrada nesses dias.
Caso Januário Alves de Santana
Em 2009, seguranças da rede de hipermercados agrediram o vigia e técnico em eletrônica Januário Alves de Santana, de 39 anos, no estacionamento de uma unidade em Osasco. Ele teria sido confundido com um ladrão e foi acusado de roubar o próprio carro, um EcoSport.
Após o caso, manifestantes protestaram no estacionamento da unidade, onde estenderam uma faixa de 30 metros com a frase: “Onde estão os negros?”. Carros também exibiram protetores de para-brisa com a frase “Carrefour racista”. O caso foi reportado pelo portal Geledés.