Após um mês de atuação, a CPI do MST – que insisto, é uma CPI contra os povos do campo, das águas e das florestas – só confirma o propósito para que foi instalada: criminalizar a luta pela terra e territórios. Convenhamos, uma CPI que tem Ricardo Salles como relator, aquele que foi o ministro do desmatamento do Governo Bolsonaro, e convida para falar Ronaldo Caiado, um latifundiário e outrora presidente da UDR, não teria outro objetivo.
Mas chamou atenção numa das audiências da CPI a participação do professor José Geraldo de Sousa Júnior, ex-reitor da UnB . Nas quase quatro horas de conversa e embates, o que se viu foi um depoimento consistente e embasado, técnica e politicamente, que honrou todos os estudiosos da Questão Agrária Brasileira. O que se viu foi um depoimento contra o terraplanismo agrário que permeia a cosmovisão da maioria dos membros da CPI.
O professor lembrou aos membros da CPI que a democracia e a própria existência do Parlamento são frutos das lutas sociais que irromperam o Brasil no processo de redemocratização dos anos de 1980 e foi naquele contexto que MST se tornou um dos maiores e mais destacados movimentos do País. Explicitou que a questão agrária brasileira é marcada pela violência e pelos conflitos, que parte daqueles que temem uma reforma agrária ampla e popular, e, por isso, a questão agrária continua sendo um caso de polícia.
Lembrou a todos que o termo invasão não pode ser atribuído ao MST, pois o Movimento ocupa para fazer cumprir a Constituição e exigir a Reforma Agrária. E, como já disse neste espaço outras vezes: alguma reforma agrária só tem sido feita no País quando os movimentos sociais ousaram lutar e ocuparam áreas improdutivas e em desacordo com a legislação ambiental e trabalhista. Observou que o MST luta contra os cinco séculos de latifúndio, fonte contínua da nossa desigualdade socioterritorial. Lembrou que foi a luta do MST que permitiu a milhares de pessoas acesso à terra, educação e cidadania. Recordou que o MST, e outros movimentos, que durante a pandemia prestaram solidariedade à sociedade, distribuíram alimentos a quem tinha fome e, por este ato, foram lembrados e saudados pelo Papa Francisco. Lembrou a todos que nos países democráticos a reforma agrária se tornou fundamento da justiça social e da própria democracia, sobretudo da democracia participativa.
O depoimento do professor José Geraldo lavou a alma dos pesquisadores e grupos de pesquisa vinculados às causas populares, como o GeografAR-UFBA e o LaPPa/CERES/UNICAMP. Assim como o professor, estes e tantos outros grupos não desvinculam as ações acadêmicas do compromisso com o povo e da esperança de uma terra sem males e sem latifúndios.
(*) Por Tiago Rodrigues Santos, professor do PPGEDUCAMPO/CFP/UFRB, pesquisador do GeografAR-UFBA, do NUCAMPO/UFRB e do LaPPa/CERES/UNICAMP. E-mail: tiago.rodrigues@ufrb.edu.br
Artigo publicado, originalmente, no jornal A Tarde.
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