“Uma notícia tá chegando lá do Maranhão, não deu no rádio, no jornal ou na televisão. Ficar frente para o mar e de costas para o Brasil, não vai fazer deste lugar um bom país”. Notícias do Brasil – Milton Nascimento e Fernando Brant
“Uma notícia tá chegando lá do Maranhão, não deu no rádio, no jornal ou na televisão. Ficar frente para o mar e de costas para o Brasil, não vai fazer deste lugar um bom país”. Notícias do Brasil – Milton Nascimento e Fernando Brant
Há poucos dias, em seu programa Conversa com o Presidente, Lula defendeu a necessidade de que seja montada um novo canal de tv internacional para o Brasil, sustentando que se alguém quiser obter informações verdadeiras sobre o Brasil hoje, é preciso assistir a Telesur, a tv multi estatal de integração da América Latina, sediada na Venezuela e que conta com a participação de Cuba, Nicarágua e Bolívia.
De fato, a mídia empresarial internacional revela-se inepta para trazer uma cobertura real e objetiva sobre Brasil, destacando apenas aspectos secundários e, sobretudo, distorcendo as principais políticas e mudanças que nosso país vem registrando, seja internamente, em benefício da maioria de seu povo, seja no âmbito internacional, quando se apresenta como protagonista na luta por um mundo multipolar, com relações econômicas mais justas e sem a atuação discricionária de uma única moeda, como é o caso do dólar.
A ausência de tv internacional brasileira é uma lacuna altamente prejudicial aos interesses do pais e de seu povo. Afinal, sendo o Brasil um dos fundadores do bloco BRICS, um dos principais articuladores para a integração sul americana e a reconstrução da Unasur, sendo também um decidido fator para consolidar a CELAC (Confederação dos Estados da América Latina e Caribe), e, também, país dotado de envergadura industrial capaz de reduzir prazos e ritmos históricos para alavancar o desenvolvimento soberano regional. Assim, é um contra senso que um ator deste porte não disponha de seu próprio canal televisivo internacional.
Essa ferramenta comunicativa é essencial, ainda mais em um mundo globalizado, sem a qual uma enorme gama de informações sobre a economia, o comércio, a cultura e a dinâmica política brasileiras, terminam soterradas ou incompreendidas, face a notória manipulação com que mídia empresarial, porta voz de interesses de hegemonia ou rapina sobre as imensas riquezas brasileiras, opera sobre a nossa realidade. Ou seja, o presidente Lula está coberto de razão: mesmo com o edificante papel informativo desempenhado pela Telesur, reconhecido por Lula, o Brasil carece de televisão própria, muito embora também pudesse fortalecer e ampliar o alcance do jornalismo de integração soberana irradiado pela Telesur em espanhol e inglês. Tendo em vista que o Brasil produz uma massa de informações de relevância geopolítica inconteste, e com capacidade interessar enormemente a população mundial, hoje frustrada em seu afã de conhecer a vida brasileira, nada justifica o descompasso entre o Brasil pretender ser um ator global de primeira linha, exibindo, porém, ao mesmo tempo, pobreza informativa que contradiz o protagonismo que o próprio Presidente Lula vem desempenhando no cenário internacional.
A Rádio Nacional já foi a terceira mais potente do mundo
Vale lembrar que o governo Getúlio Vargas, que tomou várias iniciativas para alavancar um jornalismo independente dos interesses estrangeiros e oligárquicos que hostilizavam e sabotavam suas políticas de industrialização acelerada com expansão corajosa de direitos sociais e trabalhistas, preocupou-se em fazer com que a Rádio Nacional do Rio de Janeiro (vivíamos então a Era do Rádio) se transformasse na terceira emissora mais potente do mundo, emitindo em 3 idiomas, além do português. Além disso, a política de comunicação varguista montou e distribuiu a Revista Pensamento Americano, publicação bilíngue, com o enfoque voltado para o diálogo e a integração do mundo acadêmico e intelectual regional. Lembremo-nos que, pressionado pelos EUA a ingressar na Guerra da Coréia, Getúlio Vargas recusou a pressão, tal como, anos depois, o presidente Lula também refutou a pressão do presidente dos EUA, George W Bush, para que o Brasil também participasse da indefensável guerra/invasão do Iraque.
É um significativo descompasso que o Brasil seja, ao mesmo tempo, um dos fundadores do Brics, com capacidade para exercer a presidência do Novo Banco de Desenvolvimento do Brics, e, simultaneamente, apresentar-se ao mundo sem uma comunicação televisiva própria. É contraditório que o Brasil seja ativo questionador da hegemonia do dólar, mas, também, incapaz de produzir uma informação soberana sobre a audácia de suas próprias proposições em escala internacional.
De que televisão o Brasil precisa?
O próprio presidente Lula deu a partida neste debate sempre atual, quando, além de questionar por que precisamos depender do dólar, indaga por que não temos nossa própria televisão e precisamos da Telesur para informar ao mundo sobre o que somos e o que queremos como povo e como país? O próprio presidente esclarece que tentou montar um canal de tv internacional no governo anterior, mas não conseguiu. Também não foi possível montar o Banco do Sul, proposta lançada pelo Presidente Hugo Chávez, acompanhando as propostas da Petrosur e da Telesur, sendo esta, hoje, uma realidade com 18 anos de idade e uma história conquistada. Na verdade, essas revelações do presidente e a falta que sente de um canal televisivo internacional, são uma espécie de convite que faz à sociedade brasileira para o debate sobre a soberania informativo-cultural de um povo.
Não se trata, como sugerem alguns jornalistas, de apenas um novo canal de tv para mostrar o Pantanal espetacular, o exotismo da Amazônia ou as ensolaradas praias do Nordeste brasileiro ao mundo.
Precisamos de TV que informe ao mundo que somos vanguarda em tecnologia de prospecção de petróleo em águas profundas, com tecnologia rigorosamente nacional, graças à fundação, há 70 anos, de uma empresa estatal como o Petrobras, sem que um desastre ambiental de porte tenha sido causado. Além disso, mostrar que essa ferramenta estatal de desenvolvimento, a Petrobras, foi capaz de gerar uma das empresas mais eficientes do mundo, com o que, não se justificam as tenebrosas transações de que foi vítima, visando apresenta-la como quebrada, para mais facilmente operar sua privatização e entrega. Uma tv, portanto, capaz de comunicar ao mundo ser falso o mantra que identifica estatal com ineficiência. A Petrobrás provou o contrário. E de modo exuberante!
Sim, precisamos de um canal de TV que explique ao mundo que um dos mais eficientes modelos energéticos do mundo foi montado no Brasil, graças a uma sistemática intervenção estatal, interligando todo um país continental, com energia hídrica renovável na contramão da tendência mundial, cuja produtividade e performance é uma mensagem gritante de que não existe qualquer justificativa razoável, técnica ou econômica, muito menos ambiental, que recomendasse sua privatização e internacionalização, tal como vem ocorrendo, sendo os capítulos mais recentes desta alienação inaceitável de patrimônio público, as privatização da Eletrobrás, rotulada pelo próprio presidente Lula como crime de lesa pátria, e, no caminho, a da Copel, o que pode também estimular a privatização da Cemig. Em recente encontro internacional de estadistas na França, o Presidente destacou que o Brasil sim foi capaz de construir este modelo energético exemplar, mas, também precisamos comunicar internacional, que este modelo está em vias de demolição, pois a privatização da Eletrobrás é capaz de inviabilizar, por exemplo, a integração energética da América do Sul, tornando-se em fator que afronta o discurso sul americano em favor da integração e pelo fortalecimento do protagonismo dos estados na região.
Há tantas informações relevantes que um novo canal público poderá apresentar ao mundo. Um fenômeno, que a Telesur já divulgou, mas que o mundo inteiro precisa saber, é que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é o maior produtor de arroz orgânico de toda a América Latina, uma conquista da agricultura ecológica, que dispensa, em benefício da vida, o desastroso uso de agrotóxicos, comprovadamente maléficos à saúde, e, apesar disto, ainda praticado em larga escala no Brasil. A nova televisão que o governo Lula3 poderá criar, revelaria ao mundo que há soluções práticas, comprovadas pela Agricultura Familiar, para a responder à aflição internacional sobre alternativas à contaminação da agricultura, dos alimentos e do meio ambiente.
O Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU, mas o mundo não soube
Quando a presidenta Dilma foi derrubada por um golpe de estado organizado no estrangeiro, com a participação de setores do Judiciário, do Parlamento e da Mídia empresarial, o Brasil havia alcançado a façanha de sair do Mapa da Fome da ONU. Mas, isso nunca foi manchete na mídia brasileira, sequer na internacional, exatamente porque o País não dispunha, como não dispõe até hoje, de instrumento nos moldes da Telesur, e nem a ela estava associado, para divulgar com a amplitude e a relevância que este fato significa. Afinal, o Brasil e o país que deu um Josué de Castro, autor do célebre clássico “Geografia da Fome”.
Precisamos, sim, de uma TV que mostre que o Brasil foi capaz de se industrializar, de montar fábricas de aviões, de registrar um salto monumental na tecnologia agropecuária com base nas pesquisas da estatal Embrapa. Mostrar que possuímos uma indústria naval que, com base na indução das encomendas estatais, resiste às renovadas sabotagens dos segmentos antinacionais que a asfixiaram. Temos tudo para dar um novo salto, inclusive na esfera da informação soberana, edificante e cooperativa com os países parceiros que constroem um mundo multipolar, no qual a informação tem valor estratégico. Não por acaso o presidente Vladimir Putin, da Rússia, – parceiro de Lula no Brics – também mencionou a necessidade do Brics montar sua própria internet.
Instalação já dos Canais da Cidadania, previstos em lei!
Acostumado a levantar temas e debates sobre ações imprescindíveis e urgentes, como agora sobre a desdolarização e também sobre uma nova tv internacional para o Brasil, o Presidente nos convoca a todos para opinar sobre estas e outras questões delas derivadas. Por exemplo, não faz sentido que também não sejamos capazes, como brasileiros, de construir um novo sistema de televisão, como o previsto no Decreto Lei 5820, que cria os Canais da Cidadania, a serem instalados como tvs digitais em sinal aberto, com espaço definido para a participação da sociedade civil organizada, como está na regulamentação deste instrumento normativo aprovado pelo Congresso Nacional, mas ainda hoje engavetado no Ministério das Comunicações. Este engavetamento está impedindo o surgimento de uma nova tv municipal, em escala nacional, que faça fluir a informação interna travada e sonegada pelos grandes meios corporativos, mais interessados no desgaste e na desestabilização do governo Lula3.
Eis aí uma novidade democrática que o Governo Lula pode apresentar à Nação. O Decreto Lei 5820 é de autoria do próprio Presidente Lula, datado de 2006, em seu primeiro governo. A instalação de tvs municipais, os chamados Canais da Cidadania, possibilitaria a expressão informativo-cultural das cidades, estimulando a educação cidadã de nosso povo, elevando sua capacidade informativa para a saúde, para o meio ambiente, para o trânsito etc. Além de representar impulso para expandir, a indústria de equipamentos, tonificando a industrialização reivindicada por Lula3, e, também, para a expansão do mercado de trabalho de jornalistas, técnicos, artistas, engenheiros, projetistas etc. Aqui dentro, e o presidente está ciente disto, também há carência de informação qualificada e educativa para um povo vítima de manipulação sofisticada e maléfica, tal como agora se configura a tentativa de apresentar um personagem de escassa representatividade cultural, a Xuxa, como se fosse uma espécie de heroína da nação brasileira. Enquanto isso, a grandeza da epopeia de construção, pelos brasileiros, de sua imensa riqueza patrimonial, energética, tecnológica, social, produtiva, nos é rigorosamente sonegada por uma mídia prisioneira da ditadura do mercado. Nem lá fora, nem aqui dentro, estamos, como povo, verdadeiramente informados do que somos capazes, do que já construímos e do que estamos ameaçados de perder. O presidente Lula faz muito bem em abrir este grande debate sobre soberania informativo-cultural.
“Eu sou da América do Sul, e sei vocês não vão saber”. Para Lennon e McCartney – Milton Nascimento e Fernando Brant
(*) Por Beto Almeida, jornalista, presidente do Jornal Brasil Popular e diretor da TV Comunitária de Brasília.
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