Bolsa é positiva, mas se o mercado de créditos de carbono está subindo é porque tem mais gente poluindo. Por Gilmara Santos
Na semana em que as maiores lideranças mundiais discutiam as mudanças climáticas na COP 29, o Senado Federal votava o Projeto de Lei 184 de 2024, que pretende instituir o mercado regulado de carbono no Brasil, o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE).
Aprovado pelo Senado, o PL agora precisa voltar para a tramitação na Câmara dos Deputados, porque teve alterações e agora os deputados precisam fazer uma nova análise, podendo, inclusive mudar tudo de novo. Apesar de o texto atual estar longe de ser uma unanimidade, especialistas concordam que é importante ter uma regulação.
“É importante regular, porque tínhamos diversas metodologias, agora a gente vai procurar ter uma padronização metodológica. Várias metodologias com falhas, sim, mas todas elas desenvolvidas com seriedade para desenvolver o levantamento do carbono correto, seja de sequestro ou seja de não poluição. Então acho que a gente tem que ter uma uniformidade, e acredito que estamos caminhando para isso”, afirma Roberto Gonzalez, consultor de governança corporativa e ESG e conselheiro independente de empresas.
Para a advogada Aline Bauermeister, do escritório FM/Derraik Advogados, a regulamentação do mercado regulado de carbono é essencial para a redução de custos com a transição energética para combustíveis limpos e renováveis, bem como a redução das emissões de Gases do Efeito Estufa (GEEs), compromissos então assumidos pelo Brasil, desde o Acordo de Paris.
“Em países que já possuem um mercado regulado de carbono consolidado, o mercado de comercialização de emissões (ETS) é baseado no sistema cap&trade onde, em linhas gerais, serão negociados direitos de emissão de carbono ‘allowances’ e créditos de carbono. Atualmente, o cap&trade talvez seja a forma mais comumente utilizada para precificar o crédito de carbono hoje”, diz Aline ao explicar que, nos termos do PL 184/24, o Brasil pretende adotar seu ETS também baseado no sistema cap&trade, o que trará mais segurança e efetividade para a comercialização de créditos de carbono no Brasil.
Críticas ao mercado de carbono
Gonzalez é um dos críticos nesta discussão sobre a ascensão do mercado de carbono. Apesar de ser crítico, ele considera ótimo que exista o mercado de carbono, o que pode parecer antagônico. “A crítica mais fácil de fazer é a seguinte: se o mercado de carbono está subindo é porque tem mais gente poluindo, então isso é ruim para o meio ambiente. Isso é meio óbvio, não é? É a grande dicotomia do mercado de carbono. Porque a Bolsa subindo todo mundo quer, pois todo mundo ganha dinheiro. A Bolsa de carbono subindo significa que tem mais gente poluindo, porque tem mais gente comprando crédito, então o pessoal está poluindo. Esse é um ponto negativo na visão ambiental da coisa”, comenta Gonzalez.
“Porém, eu tenho de dizer o seguinte: ainda bem que tem a Bolsa, porque se não tivesse a Bolsa, a gente teria mais organizações poluindo, e quem está despoluindo talvez não estivesse despoluindo. Quem quer ser carbono zero, talvez não tivesse na metade das metas necessárias para ser carbono zero. Então a gente tem que agradecer o fato de ter a Bolsa, das pessoas procurarem ter créditos para oferecer no mercado, porque isso faz com que, na soma, a poluição seja menor”, complementa.
Para ele, sem Bolsa teríamos um índice de poluição muito mais alto. “Se a gente for olhar só do ponto de vista ambiental, se eu fosse um ambientalista xiita, eu diria que o pessoal está poluindo demais. E se pararmos para pensar, se todo mundo for carbono zero, não há necessidade de bolsa de carbono. Esse seria o mundo ideal, mas para chegarmos ao mundo ideal tem vários passos. E acho que a Bolsa de carbono contribui para que, na somatória, a gente tenha um índice de poluição menor.”
O mercado e a vitória de Trump
O que preocupa, afirma Gonzalez, é como é que vai ser esse mercado nos próximos quatro anos. “Porque vamos ter uma virada de tendência na principal potência mundial. E não sabemos como é que os Estados Unidos vão se posicionar a partir de quando Donald Trump toma posse. Há dúvidas sobre como será, embora uma coisa seja clara, Donald Trump é ‘petrolista’. Ele é a favor do combustível fóssil. Essa é a principal questão.”
“Voltando à questão do projeto de Lei aprovado pelo Senado, acho que a gente tem que regular, é importante regular. E por quê? Porque tÍnhamos diversas metodologias, agora a gente vai procurar ter uma padronização metodológica. Várias metodologias com falhas, sim, mas todas elas desenvolvidas com seriedade para desenvolver o levantamento do carbono correto, seja de sequestro ou seja de não poluição.”
“Então acho que a gente tem que ter uma uniformidade, e acredito que estamos caminhando para isso. É uma pena que a gente não tenha uma maior uniformidade internacional. Mas é fato que normas sobre crédito de carbono, leva muito em consideração a peculiaridade de cada país. No Brasil, temos muitos rios, temos florestas, uma realidade que outros países não têm, por exemplo, o Japão. Assim, é importante que cada legislação nacional leve em consideração a sua peculiaridade local”, explica Gonzalez.
Para ele, se não tem a Bolsa, a pessoa vai poluir do mesmo jeito. “Tendo a Bolsa, facilita para que alguém desenvolva um projeto de sequestro para emitir os créditos. Então, é lógico que não dá, assim, para pequenos negócios emitirem créditos, porque vai ter certificação, auditoria, vai gastar um dinheiro que não vale a pena.”
“Um ponto interessante é que se trata de um mercado variável, porém com travas. Então, se a empresa, usando um número hipotético, atingir uma tonelada de emissões, ela poderá comprar créditos de carbono para compensar. Mas se ela ultrapassar essa tonelada, há multa e o valor do crédito se torna maior para ela adquirir, de forma que não compensa a ninguém ter como estratégia não investir em meios de redução de emissões de carbono. Caso contrário seria fácil, eu não invisto nada e depois eu compro crédito e tudo bem. Mas a finalidade é gerar menos impacto ao meio ambiente,não se trata de algo apenas financeiro. Então, essa trava é uma forma de incentivar. ‘Será que eu posso fazer algo para não comprar três toneladas e sim comprar só uma? A ideia é incentivar ele a também fazer algo para diminuir a poluição. Esse é o objetivo’”, finaliza Gonzalez.
O que vem por aí no mercado de carbono
A advogada Deisy Vanessa Novais Granado, do escritório Luchesi Advogados, explica que o texto cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), dividindo o mercado em dois setores: regulado, para grandes emissores e o poder público; e voluntário, para a iniciativa privada.
Empresas que emitem acima de 10 mil toneladas de CO₂ equivalente por ano serão obrigadas a participar do mercado regulado, devendo compensar o excesso de emissões pela compra de créditos ou comercializando o excedente caso consigam reduzir suas emissões.
A métrica de CO₂ equivalente será utilizada para comparar diferentes gases de efeito estufa, buscando maior precisão na contabilização. Um órgão gestor será responsável pela regulamentação, fiscalização e aplicação de sanções, visando a transparência e a eficácia do sistema.
“A proposta exclui o agronegócio da obrigatoriedade, pois existem poucas metodologias desenvolvidas, o que poderia onerar o setor inicialmente, devido ao custo da operação de mensuração do carbono, mas permite sua participação no mercado voluntário. As regras de compensação, consideradas excessivas por alguns setores, como as termelétricas, e a complexidade de implementação do SBCE são pontos que geram debate”, afirma Deisy.
“A distribuição dos benefícios financeiros com comunidades indígenas e tradicionais e o funcionamento do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima também são temas sensíveis em discussão. A busca por segurança jurídica, especialmente na titularidade dos créditos de carbono, é crucial para a viabilidade do projeto. A votação no Senado que deve ocorrer essa semana, marcará um momento decisivo para o futuro da legislação e o compromisso do Brasil com a agenda climática”, acrescenta.
Natureza e tecnologia
Para Deisy, o mercado regulado de carbono, apesar de sua complexidade, surge como uma importante ferramenta para impulsionar a descarbonização da economia e o desenvolvimento sustentável. Ao estabelecer limites de emissão e incentivar a redução de gases de efeito estufa, o sistema cria um ambiente propício para investimentos em tecnologias limpas e inovação.
“A necessidade de monitoramento, relatórios e conciliação das emissões com as metas estabelecidas estimula a transparência e a responsabilidade ambiental por parte das empresas. No entanto, a eficácia do mercado regulado dependerá da clareza das regras, da capacidade de fiscalização do órgão gestor e da participação ativa da sociedade na construção de um sistema justo e equilibrado.”
A advogada Isabela Morbach, cofundadora da CCS Brasil, considera que esse é um PL muito importante, que tem sido amadurecido por todos os segmentos da sociedade, que está sendo muito esperado, porque isso vai dar previsibilidade para a indústria brasileira.
“Um ponto muito sensível do projeto, ao meu ver, é que é um projeto que pensa e foca muito em soluções baseadas na natureza, deixando de focar e deixando um pouco de lado os potenciais de soluções de descarbonização baseada em tecnologia. No fim do dia, a conta disso pode ser cobrada porque é muito focado em soluções baseadas na natureza e na vontade de viabilizar as soluções baseadas na natureza, que são, sem dúvida, muito importantes para o Brasil. Mas o Brasil tem outras rotas frutíferas de descarbonizar que precisariam ter sido melhor refletidas no projeto, ao menos na versão que temos até o momento”, comenta Isabela.
Por Gilmara Santos, especial para o Monitor