É preciso unir forças para enfrentar as desigualdades; escolher um bom candidato em outubro é um caminho para começar
As desigualdades são injustiças que bloqueiam o desenvolvimento, o bem comum e a qualidade de vida. Combatê-las é o objetivo do Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades, um movimento que reúne mais de duas centenas de entidades da sociedade civil.
Há um fundamento ético que sustenta essa iniciativa: o inconformismo e a repulsa à produção e reprodução das desigualdades que formam um sistema articulado de injustiças. Como se trata de uma criação genuinamente humana, a desigualdade e a injustiça demandam, para sua superação, um posicionamento político ativo e, por isso, essencialmente ético, que resulta em uma atitude coletiva em busca de igualdade e da justiça.
O Observatório Brasileiro das Desigualdades é um instrumento técnico do pacto, responsável por monitorar 42 indicadores relevantes das diversas dimensões das desigualdades no Brasil. Na semana do dia 30 de agosto, ocorreu o lançamento do Relatório do Observatório Brasileiro das Desigualdades 2024 (PDF – 2 MB).
A desigualdade, em todas as suas formas, é um problema estrutural que se reproduz nas dinâmicas cotidianas da produção econômica, da atividade política e das relações sociais. Superá-la é uma tarefa difícil, mas necessária, como revela o relatório. Políticas públicas bem direcionadas e desenhadas, além de um crescimento econômico orientado pelo investimento e pelo consumo interno, têm impactos positivos significativos.
Em 2023, o relatório indicou uma redução de 40% na extrema pobreza, com uma queda ainda maior entre as mulheres negras, de 45,2%. A dinâmica econômica de crescimento reduziu o desemprego em 20%, acompanhada por um aumento salarial de mais de 8%, sendo o maior crescimento entre as mulheres, 9,6%. Observou-se também um aumento de mais de 12% no número de mulheres negras no ensino superior, bem como uma redução de 14% na maternidade entre mães de até 19 anos.
Esses e outros dados apresentados no documento refletem os impactos positivos que o crescimento econômico, criador de empregos de qualidade, tem sobre as situações de desigualdade. Do mesmo modo, revelam que políticas públicas que valorizam o salário mínimo, incentivam a presença de negros nas escolas por meio de cotas e combatem a fome e a pobreza com renda básica, entre outros instrumentos, têm efeitos significativos no combate às desigualdades.
Por outro lado, a máquina produtora de desigualdades continua ativa e poderosa. Os ricos e muito ricos detêm renda e riqueza em quantidades que lhes conferem poder econômico e político para aumentar ainda mais seu patrimônio. As regras os favorecem, seja porque pagam menos impostos, seja porque têm segurança e facilidade para expandir seu patrimônio.
O relatório indica que, no último ano, aumentou a diferença entre o rendimento médio do 1% mais rico e os 50% mais pobres, passando de 30,8 para 31,2 vezes. Mesmo com os bons resultados observados no crescimento dos salários, da massa salarial e do aumento do salário mínimo, a renda dos mais ricos cresceu mais.
Os dados também revelam problemas como o deficit habitacional de 6,4 milhões de domicílios, com um grave impacto sobre aqueles que vivem de aluguel. Houve um aumento de 22% nas mortes por causas evitáveis e de 16% na desnutrição de crianças indígenas.
Na cooperação entre o pacto e o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável, o Conselhão, os trabalhos continuarão com reuniões junto a ministérios e órgãos públicos para apresentar os resultados setoriais e discutir medidas para aprimorar políticas públicas ou criar iniciativas para enfrentar esses desafios.
Em outubro, teremos eleições municipais. O documento atualiza dados que revelam as desigualdades na representação política. Só 12% das prefeituras são comandadas por mulheres e apenas 4% por mulheres negras. Nas câmaras municipais, só 16% dos cargos de vereança são ocupados por mulheres, 6% são negras e, em todo o país, apenas uma vereadora se declarou indígena. Em breve, teremos uma nova oportunidade de mudar esse cenário.
Assumir a luta pela redução das desigualdades deve preceder qualquer posicionamento político-ideológico, filiação partidária ou agenda temática. Não se trata de uma pauta exclusivamente brasileira, visto que a desigualdade persiste ao redor do mundo. Isso exige respostas coordenadas internacionalmente, como a taxação de bilionários ou a promoção da segunda etapa da reforma tributária no Brasil, que abordará a renda e a riqueza.
Muitos combates nos aguardam. Há bons instrumentos à disposição. Reunir forças e aumentar a capacidade de transformação estrutural é tarefa de todos.
(*) Clemente Ganz Lúcio, 65 anos, é sociólogo e professor universitário. Foi diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) e integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Escreve para o Poder360 mensalmente aos sábados.