Um próspero morador de Anápolis, em Goiás, chamado Francismar Fernandes d Silva, de 36 anos e com idade bastante para saber de seus atos, mas não necessariamente bem informado para estar de olho no mundo e em suas modas. alugou uma casa de sua propriedade para uma família composta de duas irmãs adultas e da filha de 16 e do filho de 8 anos de uma delas.
A mãe da adolescente e do menino era separada do marido e, não morando na casa nenhum homem adulto, Francismar deve ter aproveitado para pôr em prática uma ideia de jerico. No dia imediato à mudança, ele esteve na casa e pediu licença para desinstalar uma câmera de segurança existente na garagem. Era um pedido meio estranho – se queria tirar a câmera da garagem, por que não o tinha feito antes da entrega das chaves às inquilinas? Mesmo estranhando, as irmãs autorizaram a desinstalação e depois dela Francismar pediu licença para usar o banheiro.
Duas semanas depois, a adolescente estava sozinha em casa e pelos latidos do cachorro da família percebeu que alguém estranho entrara no banheiro. De fato, lá estava Francismar, que saiu correndo. Num interruptor no banheiro, que chamou sua atenção por estar em posição incorreta, a menina notou a existência de uma câmera, entrou em pânico e ligou para o pai, gritando que devia ter sido filmada nua no banho.
Essa foi a narrativa´do noticiário, bem trôpega mas suficiente para dar a entender que o proprietário aproveitara a visita a pretexto da desinstalação na garagem e instalara uma câmera escondida no banheiro. Duas semana depois, ele voltou à casa, sorrateiramente, talvez para posicionar melhor a câmera ou para alguma outra providência que garantisse as imagens das duas irmãs e principalmente da adolescente nuas debaixo do chuveiro.
Francismar foi preso e talvez tenha de ser investigado pela suspeita de um crime muito mais sério e punido com muito mmais rigor que o de filmar suas inquilinas no chuveiro.
Em vários países, organizações de proteção à infância e adolescência na internet vêm descobrindo e denunciando redes de múltipla chantagem contra meninas e adolescentes – chantagem também financeira, a partir de fotos transformadas por mecanismos de inteligência artificial.
O golpe começa com a obtenção aparentemente de boa fé de uma foto da adolescente, de biquíni, short ou outra vestimenta sumária. . A foto é processada para fazer desaparecer a roupa e devolvida pela internet com a adolescente agora nua. Para que o golpista não torne pública essa imagem ou a repasse aos pais da garota, ela pode ser obrigada a produzir e mandar outras fotos suas, de novo nua e agora em posição ou situação mais constrangedoras. De posse desse material, o chantagista exige dinheiro.
Até um manual de mais de duzentas páginas foi descoberto na deep web, ensinando como planejar e executar todas as etapas e variações da chantagem. Pela incompetência e amadorismo de seu procedimento, o senhorio de Anápolis não parece ter sequer conhecimento desse manual e das redes internacionais que estão operando com ele. Mas seu caso é um aviso de que a internet e recursos até elementares de inteligência artificial já podem estar sendo usados e espalhados no Brasil. Essas modas pegam rápido.
(*) Por José Augusto Ribeiro – jornalista e escritor, é colunista do Jornal Brasil Popular com a coluna semanal “De olho no mundo”. Publicou a trilogia A Era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993); A História da Petrobrás (2023). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.