A História ensina; e muito. A Revolta da Vacina foi um grave distúrbio social, ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, entre 10 e 18 de novembro de 1904. Uma parte da população da cidade pegou em armas contra os agentes sanitários e as tropas governamentais, para resistir a um decreto governamental que instituía, como obrigatória, a vacina contra a varíola.
José Murilo de Carvalho, em “Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que não foi” (Cia das Letras, 1987), conta este episódio em detalhes, mas antes faz uma genial contextualização da capital brasileira, na época com cerca de 500 mil habitantes, sendo que apenas 2,7% deles tinham direito a votar. De sua parte, a ampla maioria da população carioca desconhecia os direitos e deveres da cidadania, e via o Estado como um agente externo, ameaçador.
Rodrigues Alves se elegera Presidente da República, em 1902, e designara o Engenheiro Pereira Passos como Interventor, para realizar um programa de reformas urbanas europeizantes, com a abertura, das amplas vias e boulevards, que ainda hoje articulam as vias centrais da Cidade Maravilhosa. Oswaldo Cruz, já renomado cientista, designado Ministro da Saúde, recebera poderes de polícia para erradicar, na capital do país, os recorrentes surtos de doenças infecciosas, como a malária e a febre amarela.
Um dos estopins da revolta popular foi uma “fake news”, explorada por uma oposição política golpista, que dizia que os agentes de saúde entrariam à força nos lares das pessoas, imobilizariam as filhas e esposas, para aplicarem-lhes a vacina nas nádegas. O verdadeiro estopim foi o desastre de comunicação social. E degenerou em um conflito sangrento, que durou 9 dias, gerou mortos e feridos, além de imensa destruição material (o reduto dos rebeldes foi bombardeado pelo Couraçado Deodoro, ancorado na Bahia de Guanabara).
O julgamento da História sempre termina dando razão à ciência, à cultura, à arte e à vida. Vitorioso na guerra sanitária, Oswaldo Cruz, 4 anos depois, foi reconhecido como herói nacional. Rodrigues Alves foi reeleito presidente em 1918, mas não chegou a tomar posse, vitimado pela Gripe Espanhola, que matou entre 40 e 55 milhões de pessoas, no mundo, 13 milhões somente na Índia. A Pandemia iniciou-se na cidade de Étaples, no litoral norte da França, em um gigantesco acampamento e hospital militar inglês, que recebia até 100 mil soldados por dia, no processo de desmobilização de tropas, após o encerramento da I Guerra Mundial.
Tratavam-se ali, dezenas de milhares de combatentes subnutridos, feridos, infectados por gases tóxicos. O vírus Influenza H1N1, de rápido contágio, encontrou nas aglomerações de soldados enfraquecidos e cheios de comorbidades, o ambiente ideal para proliferar, pegando carona nos navios e trens de regresso. Uma tempestade perfeita. Foi a segunda onda da doença, que matou o maior número de pessoas. No Brasil, oficialmente, morreram 35 mil pessoas, a maior parte, na capital da República. Era então, um país agrário, o que reduziu a circulação do patógeno. Muito diferente do que ocorre hoje.
A pandemia do novo coronavírus pega as periferias do Brasil empobrecidas, sem acesso a saneamento básico, em casas apinhadas, com super-ocupação, pessoas mal alimentadas, com gargalos na saúde pública e com desastre na comunicação social. A baixa adesão ao isolamento social, nas periferias de várias grandes cidades, deverá provocar, em breve, um recrudescimento da taxa de infestações e de mortes por covid-19, aprofundando a crise política.
Os governadores dos estados brasileiros, ao priorizar, neste momento, a discussão da saída do isolamento social (ainda que relevante), estão sendo pautados pelo bolsonarismo. Teremos, provavelmente, dentro de 2 ou 3 semanas, o aparecimento de uma série de crises simultâneas, no Maranhão e em vários outros estados, quando um previsível fluxo ampliado, de novos pacientes graves, precisando de tratamento intensivo, não poderão ser admitidos nos hospitais. Haverá, previsivelmente, episódios de pânico e violência, aprofundando a crise política.
A prioridade de curtíssimo prazo, é realizar uma busca ativa daqueles que estão sem renda e invisíveis aos programas de auxílios federais, assim como capilarizar remédios, material de limpeza, equipamentos hospitalares, EPI’s e máscaras, alimentos e dinheiro, para ajudar a proteger a vida, a saúde, os empregos, e evitar o aumento do extermínio de empresas. Assim como na Europa, devemos priorizar a luta pela renda mínima ou permanente, no maior valor que for possível, pois é muito provável que duplique o número de desempregados, desalentados e subutilizados, nos Brasil. Sem esquecer que a testagem em massa, é o verdadeiro teste das políticas públicas, em todos os níveis de governo.
Felipe de Holanda @felipedeholanda (DECON/UFMA)