Nos inícios dos anos 70s eu, recém-saído da adolescência, era um assíduo frequentador dos Pingo de Ouro e D’Água, os mais conceituados bregas de Santa Maria na época. Havia outros com menos “estrelas”, lato sensu.
A mim não me interessava praça do Jacaré, nem os bares do centro da cidade.
Toda noite lá ia eu disparado me encontrar com “as meninas”, como a gente carinhosamente chamava as profissionais do sexo, oriundas na grande maioria dos povoados santa-marienses e de cidades vizinhas. Jaborandi era um grande celeiro e exportava muitas jovens que, mesmo não sendo ave-marias, eram cheinhas de graça.
A partir da última década do século XX começou a importação de algumas dezenas delas oriundas de Janaúba e Montes Claros, as minas das Minas.
Farreava eu num sábado no Pingo D’Água e de repente me lembrei que era sábado, dia em que normalmente tinha baile no Clube 2 de Julho, frequentado pela, com o perdão da má palavra, fina flor da sociedade local.
Num bate-papo com duas garotas fiz o convite para que viessem comigo curtir no clube.
Reagiram negativamente.
— Quem somos nós, duas putas, pra ir em baile da sociedade?
Insisti tanto que elas toparam a parada. Colocaram uma saia menos mini, decote menos ousado, maneiraram na maquilagem, e lá fomos ladeira abaixo.
Ingressos na mão, quando fomos entrar o porteiro nos barrou, alegando que ali não era lugar pra mulheres daquele tipo.
Contestei, finquei pé, disse que iríamos entrar de qualquer jeito.
Pedi ao cara pra chamar o presidente do clube, nessa época era o saudoso Wander Barros.
Ele chegou, mirou as meninas da cabeça aos pés, as quais ele já conhecia nas suas escapulidas ao bordel.
— Elas não podem entrar porque são incubadas!
Eu emendei no ato: “incubadas são muitas das que estão aí dentro, essas aqui são escancaradas mesmo, putas, tá escrito na testa!”.
Chegamos a um acordo.
Combinamos que elas e eu ficaríamos numa mesa bem recuada, na penumbra, sem direito a saracotear sequer boleros.
Tudo bem.
Com menos de um quarto de hora percebemos que alguns casais iam se retirando, à francesa, depois outros, mais outros…
O clube ficou praticamente vazio, a festa que ia tão animada acabou antes da hora.
Para as madames era uma afronta insuportável dividirem o mesmo teto com aquelas mulheres de vida “fácil”, as mesmas que davam tanto prazer aos só aparentemente fiéis maridos das senhoras da “alta” sociedade.
Acabamos com o baile.
E voltamos pro brega…
Biblioteca Campesina, 15 março 2025
(*) Joaquim Lisboa Neto, colunista do Jornal Brasil Popular, coordenador na Biblioteca Campesina, em Santa Maria da Vitória, Bahia; ativista político de esquerda, militante em prol da soberania nacional.
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