O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, no blog Tutaméia, lembra que o economista inglês, John Maynards Keynes, deu razão ao também economista alemão, Hjalmar Schacht, considerado mago das finanças de Hitler, quando considerou impossível à Alemanha, sob violento ajuste fiscal e monetário, pagar reparações de guerra, por conta do Tratado de Versailles, dado que os trabalhadores alemães perderam poder de compra e o país não poderia jamais liquidar seus compromissos com os vencedores da Primeira Guerra Mundial.
Schacht, como destacam os professores Joaquim Miguel Couto e Gilberto Hackl, em “Hjalmar Schacht e a Economia Alemã (1920-1950)”, disse que somente poderia dispor de 20 bilhões de marcos/ano para passar aos credores, mas os banqueiros ingleses e franceses exigiam 120 bilhões, 5,1 vezes mais.
Impossível.
Keynes, então representante do tesouro inglês, revoltado, abandonou Versailles, em 1919, e escreveu “As Consequências Econômicas da Paz”, imediato sucesso mundial, prevendo que os alemães iriam novamente à guerra.
Nasceria Hitler e o fascismo em 1933.
Belluzzo, ex-secretário de política econômica do ministro Dilson Funaro, do governo Sarney, que lança, nesta terça feira, 26, seu novo livro “Avenças e Desavenças da Economia”, em SP, lembrou Schacht – autor de “Sessenta e seis anos de minha vida”, editora 34, a propósito do ajuste fiscal que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, discute, hoje, com o presidente Lula, prevendo que o tiro pode sair pela culatra.
Por quê?
Simples.
A equipe econômica da Fazenda, de viés neoliberal, para atender os rentistas/financistas/especuladores da Faria Lima, ataca os trabalhadores, cortando seu poder de compra, para em nome do combate à inflação, reduzir gastos sociais que são o motor da demanda global da economia nacional.
Belluzzo lembra, ainda, que economistas liberais ortodoxos americanos, para enfrentar dificuldades econômicas americanas, às vésperas do crash de 1929, propuseram duras restrições fiscais.
Ao serem aplicadas, tais ajustes resultaram em seu contrário e aceleraram a crise.
PERIGO PROTECIONISTA PARA 2026
A queda do consumo interno, diz, diminuirá arrecadação, nos próximos dois anos, quando o presidente Lula se preparará para disputar reeleição, em 2026, sonhando, é claro, com melhoria significativa da economia, que poderá frustrar-se se os salários não se recuperarem na maré do arrocho fiscal imposto pelos credores da Faria Lima.
Isso dificulta a realização de novos investimentos, num cenário internacional que será marcado pela incerteza decorrente da subida ao poder de Donald Trump, nos Estados Unidos, com promessa de protecionismo, para tentar enfrentar a concorrência da China.
O coice protecionista trumpiano contra Xi Jinping poderá acertar em Lula, fazendo estragos, também, nos demais países latino americanos que exportam produtos industrializados para o mercado americano, como o México.
Haveria necessidade, como compensação por possível redução das exportações brasileiras para os Estados Unidos, de fortalecer o mercado interno para absorver o excedente exportável.
Ou seja, seria fundamental fortalecer o poder de compra da população para consumir esse excedente, sob perigo de ocorrer excesso de oferta de industrializados, levando, por exemplo, à deflação, o “erro eterno”, segundo Keynes.
Se Haddad, com o pacote fiscal exigido pelo mercado financeiro, cortar gastos sociais, que puxam a demanda, de modo a sobrar recursos fiscais para pagar dívida pública a juro escorchante, o resultado será, também, corte nos investimentos.
Os bons resultados na arrecadação, verificados nos últimos meses, poderão sofrer baques com diminuição dos salários por conta do ajuste fiscal, conforme nova regra de que somente podem ser utilizados 70% da arrecadação, quando os gastos deverão crescer, apenas, 2,5% acima da inflação.
PANCADA NOS SALÁRIOS
Ademais, prevê, também, o pacote haddadiano, desvinculação do salário-mínimo da regra desenvolvimentista concebida por Lula de reajustá-lo pela inflação, mais crescimento médio do PIB nos últimos dois anos.
As cadeias salariais diversas – incluindo os aposentados – sofrerão o baque, de modo que haverá, consequentemente, redução adicional da demanda global.
A nova regra que se cogita é a de permitir reajuste de, apenas, 2,5% acima da inflação para o salário-mínimo, de modo a adequá-lo ao arcabouço fiscal, que fixa déficit zero, arrochado pela regra segundo a qual o governo poderá utilizar, somente, 70% do total da arrecadação para realizar investimentos.
Se não alcançar o déficit zero, no ano seguinte, o governo em vez de utilizar os 70%, terá direito de lançar mão de apenas 50%.
A lógica do arcabouço, portanto, é incompatível com a Constituição que estabelece piso constitucional para educação e saúde, permitindo crescimento de 15% e 18%, respectivamente, da receita corrente líquida.
A pancada recessiva baterá sobre os trabalhadores, porque sobre os capitalistas isso estará fora de cogitação diante da reação do Congresso conservador, expressa, hoje, pelo presidente da Câmara, deputado Arthur Lira(PP-AL), de criar maiores dificuldades para taxação do capital, conforme deseja o presidente Lula.
O propósito do governo de atacar simultaneamente o andar de baixo e de cima da economia, para que capital e trabalho sejam atingidos, proporcionalmente, na formatação do ajuste fiscal, pode virar sonho de noite de verão.
Somente os trabalhadores levariam a pancada.
Desse modo, o perfil progressista da Constituição de 1988, articulado para sinalizar compromisso dos constituintes com justiça social via melhor distribuição de renda, vai para o ralo, sob pressão da Faria Lima.
O efeito cascata do arrocho no arcabouço fiscal sinaliza, portanto, a lógica que Belluzzo teme: as restrições fiscais jogarão o governo Lula na armadilha do que já vigora, ou seja, baixo crescimento econômico, debaixo das exigências do mercado financeiro, contra as quais, reagiram, por exemplo, o mago das finanças de Hitler, Hjalmar Schacht.
(*) Por César Fonseca, jornalista, atua no programa Tecendo o Amanhã, da TV Comunitária do Rio, é conselheiro da TVCOMDF e edita o site Independência Sul Americana.
As opiniões dos autores de artigos não refletem, necessariamente, o pensamento do Jornal Brasil Popular, sendo de total responsabilidade do próprio autor as informações, os juízos de valor e os conceitos descritos no texto.