Se tivessem esperado mais 24 horas, os signatários do super-pedido de impeachment de Bolsonaro teriam mais um crime de responsabilidade a acrescentar aos elencados no documento. Na quinta-feira à noite, em sua live da semana, na qual sempre faz questão de oferecer alguma coisa nova em relação às invectivas da manhã no cercadinho do Alvorada, Bolsonaro voltou a falar na possibilidade de fraude na eleição presidencial de 2022 e acrescentou, imitando a recusa de Trump nos Estados Unidos seis meses depois:
— Eu entrego a faixa presidencial a qualquer um que ganhar de forma limpa. Na fraude, não.
Em sua arrogante ignorância, que parece crescer a cada dia, Bolsonaro ainda não sabe que a entrega da faixa presidencial é apenas um ato cerimonial sem qualquer consequência ou eficácia. Quem dá posse ao novo Presidente não é o Presidente em fim de mandato: é o Congresso Nacional, no momento em que esse Presidente conclui a leitura do compromisso constitucional.
Já houve um Presidente que se recusou a passar a faixa ao sucessor: foi o General Figueiredo, um homem sempre zangado e nesse dia enfurecido porque quem tinha tomado posse no Congresso não era o eleito, Tancredo Neves, então no hospital depois de uma cirurgia, e sim o Vice José Sarney.
A consequência única da zanga de Figueiredo foi ter de sair do Palácio do Planalto pela porta dos fundos, horas depois da tentativa de ordenar a seu Ministro do Exército que fechasse o Congresso para impedir a posse de Sarney. Esse ministro, o General Walter Pires, era absolutamente leal a Figueiredo, mas acima disso era obediente aos estatutos da disciplina militar e por isso, se não por outra razão, era também obediente à Constituição da época.
Quando Figueiredo tentou das a ordem de fechamento do Congresso, o então Chefe do Gabinete Civil da Presidência, Ministro Leitão de Abreu, ex-ministro do Supremo, lembrou ao General Walter Pires que ambos já não eram ministros e que os decretos de sua exoneração, assinados por Figueiredo para deixar os cargos à disposição do novo Presidente, já tinham sido publicados no Diário Oficial. Diante disso, o próprio Figueiredo não insistiu.
Se Figueiredo decidisse permanecer fechado no Paalácio do Planalto para não entregar a faixa, bastaria Sarney assinar no Congresso os atos de nomeação dos ministros e dali mesmo determinar aos novos ministros da Justiça e do Exército que providenciassem a desocupação do Planalto para que o governo lá se instalasse.
Será isso que Bolsonaro vai viver se for candidato e vier a ser derrotado na eleição? Ou vai pedir a seu ministro da Defesa que tente fechar o Congresso? O Ministro, General Braga Neto, militar da reserva, tentará atender a esse pedido? E o comandante do Exército, um general da ativa?
Nos Estados Unidos em janeiro, Trump quis evitar a posse do Presidente Joe Biden, mas nem pensou na via militar, incitou a invasão do Capitólio, onde o Senado ultimava a contagem dos votos no colégio eleitoral, por uma turba de arruaceiros num ataque que teve mortos e feridos mas foi dominado.
No dia da posse, Trump não foi ao Capitólio para assistir ao juramento de Biden e a única alternativa que lhe restou, seu último ato de poder, foi embarcar no Air Force One, o avião presidencial, para um voo solitário rumo à Florida, sua nova residência.
No Brasil, a única alternativa para Bolsonaro será voar para o Rio ou, se preferir, para Miami, perto de Trump, e menos longe de seus gurus Olavo de Carvalho e Steve Bannon, tendo aprendido que quem dá posse a um novo Presidente é o Congresso, não o Presidente em fim de mandato.
(*) José Augusto Ribeiro – Jornalista e escritor. Publicou a trilogia A era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.