Em homenagem ao mês da consciência negra, o jornal Brasil Popular traz nestes dias 18, 19 e 20 de novembro uma série sobre o tema. A primeira é esta, publicada a seguir, uma apresentação sobre populações negras e quilombolas, com informações sobre suas lutas por territórios tradicionais. A segunda traz matéria assinada pela fotojornalista Ana Mendes sobre o município onde vive a maior população quilombola em território oficialmente reconhecido, Alcântara, no Maranhão. Uma galeria de imagens traz a história de Borjes, um negro coptado por militares que se tornou recruta da Aeronáutica e ajudou na remoção de sua própria comunidade, em função de projetos do Brasil e Estadios Unidos para lançamentos de foguetes. Depois, este personagem caiu na real e acabou se tornando a mais importante liderança quilombola local, fundador do Movimento de Atingidos pela Base (MAB), denunciando sua própria história e reivindicando o reconhecimento de territórios negros históricos. A série vai se encerrar no dia 20 de novembro com a publicação de um artigo do professor, escritor e bacharel de direito, Adeli Sell, intitulado “O negro no Rio Grande do Sul”. Esta homenagem é uma pequena mostra para conscientização de que os povos originários da África são o próprio Brasil e as suas lutas em todo o território nacional.
PRIMEIRAS LUTAS PELO RECONHECIMENTO
As primeiras comunidades remanescentes de quilombos foram identificadas no Maranhão. Em 1988, a Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos fundou o Projeto Vida de Negro, que realizou levantamentos históricos e antropológicos para a criação da jurisprudência que regulamentaria a Constituição Federal. Tomando como estudo de caso a comunidade de Frechal, no município de Mirinzal, outras tornaram-se passíveis de reconhecimento.
Muito pouco foi feito depois da homologação da Constituição em 1988. As terras quilombolas são cobiçadas e grande parte está invadida, inclusive a maioria daquelas que foram tituladas. Os motivos são diversos: fertilidade do solo, riquezas naturais, especulação imobiliária, localização geográfica estratégica para a construção de hidrelétricas, instalação de projetos militares, agroindustriais e até para a criação de unidades de conservação ambiental.
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA OS QUILOMBOLAS
No primeiro governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) passou a ter a atribuição de regularizar as terras das comunidades remanescentes de quilombos — tarefa até hoje em sua maior parte inconclusa e que é objeto de luta permanente dos quilombolas. A determinação foi do Decreto 4.887, editado em novembro de 2003, a ser cumprida pelas Superintendências Regionais do Incra nos estados, em parceria com governos estaduais e municipais. Mas é a Constituição Federal que assegura essa regularização.
Os habitantes das comunidades remanescentes de quilombos se autodenominam quilombolas. Eles têm em comum a ancestralidade africana, o parentesco por laços de sangue ou matrimônio, tradições, práticas culturais, memória, identidade e referência histórica. Os vínculos familiares extrapolam as noções de cosangüinidade, e se consolidam pelas atitudes de cuidado com os velhos, com a terra e pela lealdade às regras sociais.
Com o desenvolvimento nacional, as cidades cresceram e atingiram os limites dos aldeamentos que sobreviveram a massacres e repressão. Hoje, as comunidades remanescentes de quilombos se localizam em áreas rurais e urbanas.
1,32 MILHÃO DE QUILOMBOLAS
Em 2022, o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) investigou que a população quilombola é de 1,32 milhão de pessoas ou 0,65% do total de habitantes do país. Mas, é importante ressaltar como se tipifica legalmente o que é ser quilombola:
— De acordo com o Artigo 2º do Decreto 4.887/2003, quilombolas são grupos étnicos, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão historicamente sofrida.
Quilombolas não são o total da população negra, que no Brasil é composta de pessoas que se declaram pretas ou pardas. De acordo com o censo demográfico de 2022, 55% da população brasileira se identifica como preta ou parda.
Portanto, em 2022, pela primeira vez na história, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) investigou integrantes dos povos e comunidades tradicionais. Dos 5.568 municípios do Brasil, 1.696 possuem população quilombola. Pesquisas são importantes para orientar políticas públicas necessárias a essas comunidades.
A população brasileira foi pela primeira vez contada a partir de 1० de agosto de 1872, no dia em que as paróquias do Império pesquisaram suas redondezas, solicitando aos “chefes de famílias” o preenchimento de formulários impressos, para posterior tabulação.
O censo daquele ano encontrou 9 milhões 930 mil 478 de “almas” no país, com 1,5 milhão de escravizados (15% da população). Esse foi o único recenseamento feito no período da escravidão. Do total contado, 58% foram declarados pardos ou pretos, 38% eram brancos e 4% indígenas, embora o próprio IBGE reconheça que no século XVI o país era habitado por pelo menos 2 milhões de indígenas, número que chega a 5 milhões por meio de outras fontes — realidade que não pode ser validada; sabe-se com certeza apenas o bárbaro despovoamento dos povos originários. Enfim, a Igreja concluiu que dos habitantes do Brasil, 99,7% com mais de 6 anos de idade eram católicos e quase todo mundo era também analfabeto, 82%.
Quilombolas no Brasil
- No Nordeste residem 68,19% dos quilombolas do país. A Bahia concentra 29,90% desta população e o Maranhão vem a seguir, com 20,26%. Juntos, os dois estados abrigam 50,16% da população quilombola do país.
- O Censo 2022 encontrou 473.970 domicílios com pelo menos um morador quilombola.
- Dos 5.568 municípios do Brasil, 1.696 tinham moradores quilombolas. Senhor do Bonfim/BA tinha o maior número de pessoas quilombolas (15.999), com Salvador/BA (15.897), Alcântara/MA (15.616) e Januária/MG (15.000) em seguida.
- Foram identificados 494 Territórios Quilombolas oficialmente delimitados no país, que abrigavam 167.202 quilombolas. Assim, apenas 12,6% da população quilombola residia em territórios oficialmente reconhecidos.
- Entre estes territórios, o de Alcântara/MA tinha a maior população quilombola residente (9.344), seguido por Alto Itacuruçá, Baixo Itacuruçá, Bom Remédio/PA (5.638) e Lagoas/PI (5.042).
- Na Amazônia Legal, o Censo 2022 encontrou 426.449 pessoas quilombolas, o que representa 1,6% da população desta região e quase um terço (32,1%) dos quilombolas do país.
Fonte: Agência de Notícias IBGE (27/07/2023)