A invasão das finanças, a partir de 1980, em países das Américas, da Europa, da Oceania e, em parte, da África e da Ásia, gerou perplexidades inimagináveis até as denominadas crises do petróleo, na década de 1970. Isso devido ao posicionamento do mercado financeiro, então designado tão somente por “mercado”, objetivando dar-lhe a característica de único poder e, assim, suplantar o poder dos Estados Nacionais.
Examinemos o caso da Rússia, país que integrava a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), até 1991. Era uma república socialista e defendê-la significava defender uma ideologia, no caso o marxismo-leninismo. Porém após 1991 passou a ser uma República da Comunidade de Estados Independentes (CEI), juntamente com a Armênia, Azerbaijão, Bielorrússia, Estônia, Geórgia, Cazaquistão, Quirguistão, Letônia, Lituânia, Moldávia, Tadjiquistão, Turcomenistão, Ucrânia e Uzbequistão, tomando cada um deles seu destino.
A Rússia passou, então, a ser um estado dominado pelas finanças, dele participando diversos poderes, inclusive ilegais, porém todos respeitando os dez pontos estabelecidos pelo Consenso de Washington (1989), entre os quais se destacam a disciplina fiscal, evitando déficits, a privatização de empresas estatais, liberalização do investimento direto e interno para capital estrangeiro, taxas de juros determinadas pelo “mercado”, abolição das regulamentações que impedissem a entrada no mercado ou restringem a concorrência, e mais outras tantas.
O resultado desta mudança acelerou a decadência econômica e social da antiga Rússia socialista. Em apenas 18 anos deixaria de ser a potência com Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 887 bilhões. Na mesma época os Estados Unidos da América (EUA) tinham US$ 12.574 bilhões, o México US$ 206 bilhões e o Brasil, após o governo do general Ernesto Geisel, atingiu US$ 495 bilhões.
Em 2000, a Rússia tinha PIB de US$ 292 bilhões, os EUA US$ 10.250 bilhões, o México US$ 1.199 bilhões e o Brasil US$ 604 bilhões.
A Rússia mudou o governante eleito em 1991, para quem iria defender o Estado Nacional ao invés das “leis do mercado”, Vladimir Putin, que, como Presidente e Primeiro Ministro, conduz a Rússia, desde 09/08/1999 até hoje.
Em 2023, a Rússia atingiu US$ 2.021 bilhões, os EUA US$ 27.361 bilhões, o México US$ 1.789 bilhões e o Brasil US$ 2.174 bilhões.
Os atuais embaixadores da Rússia não têm qualquer dúvida que sua missão é defender o Estado Nacional Russo.
Teriam os embaixadores brasileiros a mesma convicção? Ou poderiam ser levados pela hesitação dos poderes nacionais, dando-lhes insegurança ou algum outro tipo de receio?
“O objetivo do assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) não pode ter o preço da soberania nacional”, afirma com clareza o jornalista Beto Almeida, fundador da TeleSur e conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
A CARREIRA DE UM EMBAIXADOR
Breno de Souza Brasil Dias da Costa (RJ, 1958) ingressou no Ministério das Relações Exteriores em 1988, quando era Ministro o ex-governador de São Paulo, Roberto Costa de Abreu Sodré (1917-1999). Sua primeira missão no exterior foi na Nigéria, entre 1991 e 1993, sendo presidente Fernando Collor e ministros Francisco Rezek, Celso Lafer e Fernando Henrique Cardoso, este último já no governo de Itamar Franco.
Sua primeira embaixada foi em Honduras, designado em 2016, lá permanecendo até ser designado, pelo Ministro Carlos França, no Governo de Jair Bolsonaro, para Nicarágua, em 2022.
No plenário do Senado, entre votos contrários e abstenções, somou nove rejeições ao relatório da senadora Soraya Thronicke, número superior ao que habitualmente recebem os candidatos de carreira às embaixadas.
A posição, que se chamaria conservadora de Breno de Souza Brasil Dias da Costa, certamente chamou a atenção do Governo Bolsonaro para enviá-lo como agressão ao exemplar movimento que derrubou a ditadura de Anastasio Somoza Debayle (1925-1980) em 19 de julho de 1979.
À época da rebelião, a Nicarágua tinha cerca de três milhões de habitantes, em 2022, o Banco Mundial computava quase sete milhões. Matilde Zimmermann (“A Revolução Nicaraguense”, Editora UNESP, SP, 2002) escreve que “um bando de guerrilheiros esquerdistas maltrapilhos, marchando pela capital, lembrava outra vitória revolucionária ocorrida vinte anos antes”.
E acrescenta, “como Fidel Castro e demais líderes da revolução cubana de 1959, os combatentes nicaraguenses, em uniformes verde-oliva imundos, alguns até rasgados, agitavam ao alto suas bandeiras”. Eram verdadeiras revoluções populares que combinavam guerrilha rural com levantes urbanos. E, como Fulgêncio Batista fugiu na passagem do ano para Miami, Somoza tomou o mesmo destino com tudo que pôde levar do Tesouro Nacional.
Há semelhanças e também muitas especificidades nestas duas Revoluções. A Nicarágua passou 300 anos de dominação colonial sem qualquer iniciativa desenvolvimentista. Não formou a elite nacionalista e progressista, como também ocorreu com o Brasil até a Revolução Getulista de 1930. E, ainda pior para nós, fomos escravistas por quatro séculos.
Da antiga Nova Espanha, excluindo a separação de Honduras e Guatemala, em 1859, a Nicarágua foi a última província a se tornar independente (25/07/1850), já sofrendo a agressão colonizadora da Doutrina Monroe (02/12/1823).
Como ocorria no México, os nacionais tinham distintas perspectivas de suas gestões e se denominavam, servindo das ideologias europeias então dominantes, liberais e conservadores. Na Nicarágua, os EUA se auto nomeavam supervisores das eleições. Corre que Franklin Delano Roosevelt disse em tom de blague que “Somoza pode ser um filho da puta, mas é o nosso filho da puta”.
A América Latina sempre encontrou estes tipos de governantes e ainda os têm em abundância no século XXI.
Sempre será oportuno recordar a frase de José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838): “a soberania é valor permanente e inegociável, sendo o critério de corte entre os patriotas e os traidores” (in “Obra Seleta de José Bonifácio de Andrada e Silva”, organizada e coordenada por Felipe Maruf Quintas, Biblioteca Digital da AEPET, 2024).
José Daniel Ortega Saavedra (1945) é membro da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) desde 1962. E foi presidente da Nicarágua entre 1979 e 1990, tendo sido eleito e reeleito em 2011, 2016 e 2021.
Como acontece com todos que não se submetem ao decálogo do Consenso de Washington e às vontades estadunidenses, como seu coator e coativo, os dirigentes, mesmo nas mais transparentes eleições, como a venezuelana, ou por imensa maioria de votos, como Vladimir Putin, são tratados pela imprensa antinacional e entreguista como “ditadores”.
UM NOVO MUNDO SURGE E HÁ GOVERNANTES QUE NÃO LEVAM SEUS PAÍSES A SE BENEFICIAR
Os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) surgem como “países de mercado emergente”, em junho de 2009. Em 2011 é agregada a África do Sul, incorporando o S à sigla: BRICS. Estava Luiz Inácio Lula da Silva em seu segundo mandato na Presidência do Brasil.
A criação dos BRICS, embora não tenha sido união inovadora, já existia a Organização para Cooperação de Xangai (OCX, 15/06/2001), congregou quatro países continentais, em ritmo de crescimento acelerado, antevendo-se um novo contexto político internacional.
Como seria de esperar, o poder decadente da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) buscou obstar este crescimento fora de seu controle. Fez surgir na Ucrânia, em 21 de novembro de 2013, a Primavera Euromaidan, para OTAN atacar militarmente a Rússia. No Brasil, a “Operação Lava Jato” (17 de março de 2014), coordenada e instruída pela Secretaria de Justiça dos EUA, que levou ao golpe parlamentar de 2016. No Governo de Barack Obama (2009 a 2017), tem início a série de medidas coercitivas unilaterais, em nítida afronta aos Direitos Humanos, visando impedir o desenvolvimento do país detentor da maior reserva de petróleo, de minas de ouro e de ferro, com sanções e embargos ao povo venezuelano, ainda vigentes. E incrementa com a chegada de Benjamin Netanyahu ao poder como Primeiro-ministro
de Israel, em dezembro de 2022, o genocídio de palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, que se espalha por todo Oriente Médio, sob pretexto de luta ao terrorismo, quando verdadeiros terroristas são o Estado de Israel e os EUA, com 742 bases militares espalhadas pelo mundo.
O provocador embaixador que Bolsonaro enviou para Nicarágua tomou a iniciativa de sair da Nicarágua, alegando ter sido expulso do País. Levando o Brasil, que hesita em suas políticas externa e interna, a expulsar a embaixadora da Nicarágua por inexistente reciprocidade, pois ela cumpria seu papel sem qualquer agressão ao Brasil e suas instituições, o que não consistia a ação hostil de Breno de Souza Brasil Dias da Costa.
Não fica só nessa falácia de “reciprocidade”, o Brasil se afasta da Venezuela, da Bolívia, e após financiar e promover a construção do Porto de Mariel, em 2010, afasta-se de Cuba e minimiza sua ação no BRICS e, até 2024, ainda não solicitou ingresso na OCX nem na Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR) que já agregou 150 países.
É a fragilidade deste governo que retrocede, mantém o escândalo das taxas de juros, o analfabetismo, que não existe na Venezuela nem em Cuba e na Bolívia, a ausência de sistema de comunicação de massa que conscientize os brasileiros e as privatizações que enfraquecem o Estado Nacional Brasileiro.
(*) Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, pertenceu na década de 1990 ao Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG), do Estado Maior das Forças Armadas (EMFA).
Fonte: Pátria Latina
Acesse: https://patrialatina.com.br/cabe-ao-embaixador-defender-o-estado-nacional-ou-uma-ideologia/