Iván Márquez e Jesús Santrich abandonaram o processo de paz em 2017.
Um informe da Comissão da Verdade demonstra que a captura de Jesús Santrich foi uma operação encoberta da DEA, com apoio da Promotoria de Néstor Humberto Martínez, para induzir Iván Márquez a reincidir no delito.
Uma das maiores revelações da Comissão da Verdade passou quase despercebida nesta semana. Um anexo de 56 páginas, intitulado “Os obstáculos para a continuidade dos processos de paz em Colômbia”, revela detalhes inéditos da operação de sabotagem que terminou com a captura de Jesús Santrich e o rompimento de um setor das Farc, liderado por Iván Márquez. A Comissão pôde documentar o papel que Marlon Marín, sobrinho do ex-chefe negociador das Farc, jogou, em sua intenção de conduzir a seu tio ou, falhando esta, a Jesús Santrich a que se envolvessem num negócio ilícito que deslegitimasse o processo. Ademais, o documento deixa claro que a DEA projetou a operação, executada por Marín e pelo coronel reformado do Exército.
O informe tem três seções: a primeira se centra nos efeitos que teve a captura do ex-negociador das Farc Jesús Santrich; a segunda revela como se planejou e executou esta operação, assim como o papel que Marlon Marín e um oficial reformado do Exército cumpriram, que pôde ser identificado como o tenente-coronel Gustavo Adolfo Calvache Prado. E a número três aborda o debate jurídico que produziu a captura do comandante guerrilheiro, que levou a Jurisdição Especial para a Paz a uma das situações mais difíceis que enfrentou desde seu nascimento. O informe expõe ademais as transcrições das chamadas interceptadas e deixa em evidência que o promotor Néstor Humberto Martínez pôs o ente investigador a serviço desta operação, a ponto de haver autorizado usar cocaína apreendida para a montagem.
Para a Comissão da Verdade se tornou importante esclarecer as motivações políticas por trás da captura de Santrich por parte da Promotoria. Segundo o informe, a armadilha redundou num novo ciclo de violência e pôs em risco a implementação do Acordo de Paz. Ao mesmo tempo, empurrou centenas de ex-guerrilheiros a retornarem às armas e enviou à cidadania a mensagem de que o Acordo de Paz tinha fracassado.
Um dos achados mais valiosos sobre esta operação está relacionado com outros dois intentos para estraçalhar o acordo. Um, realizado contra Giovanny Álvarez Santoyo, promotor da Unidade de Investigação e Acusação [UIA] da JEP, que envolveu ao ex-promotor Julián Bermeo; e outro contra Pilar Rueda, então assessora de gabinete do diretor da UIA e esposa do senador Iván Cepeda. O coronel Calvache foi protagonista das duas tentativas por provocar uma crise que desacreditasse o Acordo de Paz.
A Comissão da Verdade também revela uma carta de 2017 que foi entregue a Iván Cepeda na qual lhe alertam [acerca] de uma operação de desprestígio: “estão sendo objeto de seguimentos e de interceptações técnicas por parte de um grupo especial composto por funcionários do CTI da Promotoria Geral da Nação e coordenados sob a supervisão da DEA em Colômbia, esta unidade se chama Grupo SIU [Special Investigative Unit], cuja missão é a de coletar provas para relacioná-los com a atividade de narcotráfico e lavagem de ativos dos bandos criminais que operam no país”.
A carta acrescenta que “possivelmente lhes vão aprontar montagens para relacioná-los em condutas de crime organizado e planos para delinqüir. Este grupo está sendo dirigido por Mauricio Nieto, quem é funcionário do CTI e irmão do general Nieto, diretor da Polícia Nacional. Este grupo opera por fora da Promotoria Geral da Nação, têm plena autonomia operativa e os equipamentos de interceptação e técnicos são móveis e contam com imunidade e proteção do governo dos Estados Unidos”.
A Comissão da Verdade monitorou ao coronel reformado e por cinco fontes ratificou sua participação na conspiração contra a JEP e também no caso Santrich. “Sobre seu papel na operação encoberta de Santrich, as versões assinaladas pelas fontes apontam a que este ex-tenente-coronel tem uma relação de velha data com a DEA e com membros do CTI da Promotoria aos quais lhes vende informação. Segundo uma destas fontes, após sua saída do Exército, se fez contratar pela DEA para apoiar operações especiais ao próprio Exército e um ano depois participaria na operação contra Santrich”, revela o informe.
Outro dos depoimentos recolhidos pela Comissão da Verdade sustenta que o militar reformado “foi quem gravou o vídeo de Bermeo” e o define como “um tipo deformado, informante médio da DEA, que, para se livrar dos problemas na Promotoria, ajuda com as voltas. Expulsaram-no do Exército por narco[tráfico], depois se vai como informante da DEA”. Mais adiante o informe o apresenta como “um tipo que trabalhou em inteligência do Exército, vem de um grupo que saiu enfurecido com o ex-presidente Santos, tem vínculos com a Promotoria e tem um escritório com um grupo de pessoas do qual transmitem informação a várias agências norte-americanas sobre temas de narcotráfico”.
Segundo os dados de Migração Colômbia que foram entregues à Comissão da Verdade, o coronel reformado viajou 51 vezes aos Estados Unidos entre 2017 e 2021. A Comissão da Verdade não registra no informe o nome desse ex-militar pela impossibilidade de ter acesso a ele para que desse sua versão. No entanto, CAMBIO estabeleceu claramente sua identidade a partir dos documentos da investigação.
Calvache é um oficial de inteligência militar de larga trajetória. Ingressou na Escola José María Córdova, esteve na Regional de Inteligência Militar 7. Em fins de 2012 passou à IV Brigada com sede em Medellín, sendo comandante da unidade o general Nicasio Martínez, quem chegou a ser comandante do Exército e saiu do serviço em meio a um escândalo [ocasionado] pelos documentos revelados por The New York Times sobre o regresso dos falsos positivos. Em 2013 foi comandante do Batalhão de Inteligência Estratégica [BINTE]. Apesar de sua trajetória, em 2017, Calvache não foi convocado a curso de ascensão e, pelo contrário, foi chamado a prestar serviços, apesar de que, segundo algumas fontes, o próprio promotor Néstor Humberto Martínez teria intercedido por ele.
Gustavo Calvache é irmão de Jaime Enrique Calvache Prado, capitão do Exército condenado por falsos positivos que depois se integrou aos grupos paramilitares e foi detido em Florencia, Caquetá, no ano de 2002. E, segundo fontes que dão conta de sua trajetória, o coronel Calvache foi um dos implicados no caso da sala de interceptações Andrómeda, onde se lhes fez monitoramento ilícito aos negociadores do governo e as Farc que se encontravam em Havana.
O tenente-coronel também figura em alguns problemas judiciais, como nas denúncias do condenado ex-senador Otto Bula, quem declarou que Calvache e o promotor Rodrigo Aldana o estavam pressionando para modificar seu depoimento no caso da Odebrecht.
Calvache teve quatro processos na Promotoria porém hoje todos aparecem como inativos.
“Mais além da participação desse ex-coronel, assunto sobre o qual falta muito por esclarecer, o personagem sobre o qual se sustenta todo o processo judicial contra Santrich é Marlon Marín, sobrinho de Iván Márquez”, conclui o documento.
Marlon Marín
Segundo o anexo, a operação de sabotagem se valeu de uma histórica ruptura entre Timochenko e Iván Márquez. Esta fissura entre o comandante da guerrilha e o chefe negociador do Acordo de Paz foi vista como uma oportunidade pelas agências de inteligência estadunidenses que, desde antes de 2016, já tinham focado seu objetivo: Luciano Marín, mais conhecido como Iván Márquez.
A via para chegar a ele foi seu sobrinho Marlon Marín, quem era conhecido como “pirulo” [pirulito] nas Farc porém nunca pertenceu à organização. Marín era um negociante inescrupuloso que basicamente traficava favores se valendo de seu laço familiar com o comandante guerrilheiro. Segundo os depoimentos recolhidos pela Comissão da Verdade, Marlon Marín servia de apoio em algumas tarefas e, aparentemente, teria colaborado com a DEA desde 2015, quando recebeu o visto americano.]
O primeiro elo da armadilha se registra em 2016, quando a Unidade de Delitos contra a Saúde Pública da Promotoria interceptou o celular de Guillermo Grosso, presidente de Cafésalud processado por supostos atos de corrupção. Numa dessas chamadas Grosso fala com outra pessoa de quem requer um encontro com Márquez. O interlocutor da diretoria da EPS menciona a Marlon Marín como o conduto para chegar ao ex-chefe guerrilheiro.
O seguinte aparecimento de Marín é em novembro de 2016. O sobrinho de Márquez buscava garimpar alguns projetos nas zonas veredais onde se concentraram os guerrilheiros. A proposta tinha um valor de um milhão de dólares mensais e Grosso já figurava na operação. Com estes elementos se ordena interceptar o telefone de Marín. A Promotoria registra então que Marín faz parte de uma estrutura de corrupção para desviar recursos da paz. E aqui entra em cena o então promotor geral da nação.
“Segundo relata um ex-alto funcionário, Néstor Humberto Martínez, promotor geral, solicitou reunião com o presidente durante o segundo semestre de 2017 para lhe falar sobre interceptações nas quais Marín estava fazendo tráfico de influências com o dinheiro da paz. Como se tratava de verba internacional, [o caso] era muito delicado porque envolvia recursos da Comunidade Internacional que apoiou o processo. À parte do acima escrito, Néstor Humberto Martínez menciona, tanto em seu livro como numa carta dirigida ao presidente Juan Manuel Santos de 19 de outubro de 2017 que estavam investigando a Marín”, cita o informe.
Desde este momento, a Promotoria começa a ouvir chamadas em que Marín fala com “empresários estrangeiros de negócios raros”. “Uma voz masculina de sotaque estrangeiro [possivelmente do México ou da América Central] […] faz referência a uma aparente negociação ilícita consistente em movimentos de dinheiro [“documentos”] desde os Estados Unidos para Colômbia, para a transferência ou entrega de 5.000 pacotes ou “televisores” [poderia se tratar de elementos ilícitos ou dinheiro] desde a Colômbia para o exterior, possivelmente para o México ou Estados Unidos. Para tais efeitos falam de realizar uma negociação inicial por 300 com o objetivo de obter confiança e em seguida se efetuar outras mais vultosas [mencionam 1, 2, 3, 4 ou 5]; poderiam ser milhares ou milhões de dólares]”, expressa o documento.
Uma promotora alertou a Néstor Humberto Martínez que “em seu critério, se poderia tratar de uma atuação judicial internacional porque nas conversações eram demasiado explícitas, como se deliberadamente quisessem deixar rastro do que acontecia”.
Outro depoimento adverte que Marlon Marín apareceu em Caquetá um mês depois da captura de Santrich “cheio da grana. A mim me deu 500.000 pesos, a outros familiares migalhas”, acrescentou. “A Marlon lhe deram depois da captura de Santrich um delegado estadunidense aqui em Colômbia para lhe oferecer proteção e nós outros nos comunicamos com ele”, detalha o informe, que, ademais, retoma um trabalho de El Espectador que coincide com o depoimento, pois ao que aparece os mexicanos que se apresentaram como investidores eram agentes da DEA, a droga que se utilizou como adiantamento do “negócio” foi entregue pela promotora 14 especializada Bertha Neira e recebeu $22.500.000 para a compra de 5 quilos de cocaína. As explicações de Marín a respeito [disso] são contraditórias e pouco confiáveis.
“De acordo com informação oficial de Migração Colômbia, Marlon Marín saiu do país a 16 de abril de 2018, sete dias depois de sua captura, com destino a Montreal no Canadá e nesse mesmo dia aterrissou em Nassau, a capital das Bahamas. Marín viajou aos Estados Unidos com homens de uma agência federal desse país para colaborar com a justiça. O governo gringo desistiu de uma petição de extradição contra ele e isso levou a que se apresentasse voluntariamente ante os agentes desse país. Marín terminou oferecendo colaboração no processo contra Santrich em troca de benefícios judiciais”.
No final, o informe da Comissão da Verdade conclui que o país ainda não conhece o que na realidade ocorreu por trás das cortinas na captura de Jesús Santrich. Deixa em evidência que a DEA e a Promotoria Geral da Nação se associaram para dar um golpe no coração do Acordo de Paz. Assinala que depois da operação de sabotagem se multiplicaram as dissidências, que passaram de 7 para 20; 338 signatários do acordo foram assassinados, pelo menos a metade por seus ex-companheiros de armas que se retiraram do processo.
Por: Alfredo Molano Jimeno. Tradução > Joaquim Lisboa Neto
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