Esse é o cenário analisado por Barbara Motta, professora de Relações Internacionais da UFS e coordenadora da Opeb
A promessa do republicano Donald Trump de “acabar com as guerras” em Gaza e na Ucrânia pode significar, na prática, o avanço da ocupação israelense sobre a Faixa de Gaza e outros territórios palestinos, o esfacelamento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a aliança dos EUA com a Europa Ocidental de uma forma geral, união que ainda sustenta a hegemonia do país no cenário global.
Esse é o cenário analisado por Barbara Motta, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de Segipe (UFS) e coordenadora do Observatório de Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil (Opeb).
Faixa de Gaza
Sobre o massacre ao qual Israel submete a população palestina há mais de um ano e se estende para o Líbano e outros países do Oriente Médio, Trump declarou durante sua campanha que é favorável a Israel “terminar logo o que começou e acabar com a guerra”.
O fim da guerra, nesse sentido, significaria para o republicano a vitória de Israel, com a expulsão da população palestina da Faixa de Gaza. “A gente pode esperar que haja uma maior disposição dos EUA de manter o auxílio militar para que Israel se sobressaia nesse conflito, no sentido de aniquilar o Hamas e qualquer outro grupo que esteja no caminho, mas também avançar na ocupação dos territórios na Palestina”.
Motta também acredita que outra frente do governo Trump no Oriente Médio será o isolamento do Irã, que apoia a resistência na Faixa de Gaza e no Líbano contra o avanço da ocupação israelense.
“Desde o primeiro mandato, Trump vê o Irã como uma das principais fontes de terrorismo e de instabilidade para o Oriente Médio. Ele não só autorizou o assassinato do general iraniano Qassem Soleimani, como intensificou a venda de armas para a Arábia Saudita e retirou os Estados Unidos do acordo nuclear com o Irã. Não me surpreenderia se se o Trump colocasse uma pressão máxima para uma guerra econômica e para o isolamento diplomático do Irã.”
Atuando nessas duas frentes, a política externa dos Estados Unidos sob o comando de Trump busca fragilizar a causa Palestina e o programa nuclear iraniano, alcançando objetivos políticos no Oriente Médio “sem precisar sujar muito as mãos”, uma vez que o trabalho sujo será feito pelo governo do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. “Estabelece uma animosidade com o Oriente Médio como um todo, mas via Israel e não necessariamente atuando com intervenções específicas nessa região.”
Ucrânia
Em seus discursos de campanha, Trump sinalizou que sua estratégia em relação à guerra seria utilizar a oferta ou retirada de ajuda militar dos Estados Unidos para a Ucrânia como forma de alavancar o processo de paz.
“Durante seus últimos discursos, ele questionou esse montante de ajuda militar que os EUA vem oferencendo para a Ucrânia, sinalizando que poderia reduzir ou retirar os apoios econômicos, logísticos e militares”, diz Motta.
A retórica do republicano também se volta para a aceitação de um acordo por parte do governo de Vladimir Putin: “Se a Rússia não fizer um acordo, os Estados Unidos estariam dispostos a dar muito mais auxílio pra Ucrânia, fornecer armas muito mais avançadas, com menos restrições de uso pra então pender a balança da guerra pra uma possível vitória da Ucrânia.”
Em uma postagem nesta quarta-feira (6) na plataforma X, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky sinalizou seu apoio à proposta da “paz por meio da força” de Trump, e indicou que essa medida poderia contribuir para o fim da guerra. “Este é exatamente o princípio que pode praticamente aproximar a paz justa na Ucrânia”, disse.
Com as projeções de um Congresso com maioria republicana, Trump deve sofrer menos resistência para aprovar as mudanças no apoio financeiro e militar dispendido pelos EUA nesse conflito – o que pode resultar em “uma vantagem irrefutável para a Ucrânia ou contribuir para uma guerra mais sangrenta e extensa, com a possível ampliação do conflito para outros países”, avalia Motta.
Ela aponta que o desdobramento dessa mudança na política externa da Casa Branca pode gerar “um atrito significativo” com os países da Otan e com a Europa Ocidental de uma forma geral,, que considera “inadmissível” a Rússia conquistar mais uma parte do território ucraniano.
Os discursos do Trump, nesse sentido, apontam “uma certa leniência” em relação a uma possível anexação de território da Ucrânia pela Rússia, assim como ocorreu em relação à Criméia.
“Se essa imagem de leniência do Trump se consolidar, pode passar uma imagem de que os EUA estão abandonando a segurança dos membros da Otan como prioridade e gerar um contexto favorável para uma cisão da Otan e também uma cisão dessa aliança tão estreita entre Europa e EUA. É em cima desse pacto, dessa união, que se funda a hegemonia dos Estados Unidos.”