Novas normas dizem respeito aos países que buscam compensar suas emissões comprando créditos; analistas pedem prudência
Os países que participam da 29ª Conferência Anual do Clima (COP29) da ONU, que começou nesta segunda-feira (11), em Baku, capital do Azerbaijão, aprovaram, por unanimidade, as regras estabelecidas pela ONU sobre mercados internacionais de carbono.
Esta medida visa facilitar o cumprimento das metas climáticas mediante a comercialização de créditos de emissões de gases de efeito estufa pelos países.
As normativas estavam em fase de aprovação desde o Acordo de Paris sobre o clima, de 2015, e, nesta segunda, foram aprovada por todos os 200 países presentes.
Regras ainda turvas
Os critérios adotados regulam a metodologia para calcular o número de créditos que um projeto determinado pode gerar, assim como o que acontece se o carbono armazenado se perde, por exemplo, se a floresta que lhes servia como uma segurança pega fogo.
Um crédito vendido equivale a uma tonelada de dióxido de carbono que se evita liberar na atmosfera ou que é liberada dela.
As novas normas dizem respeito sobretudo aos países – especialmente os poluentes ricos, como Estados Unidos e China -, que buscam compensar suas emissões comprando créditos de países que reduziram os gases de efeito estufa para além do que tinham prometido.
Trata-se de uma medida “extremamente importante”, que “abrirá o caminho” para um mercado de carbono mais estabelecido, com normas apoiadas pela ONU, disse Erika Lennon, especialista no tema do Centro de Direito Internacional do Meio Ambiente (CIEL) para a agência de notícias AFP.
Mas, assim como várias ONGs, a especialista também criticou a falta de transparência com que os textos foram aprovados. Um negociador europeu presente na conferência pediu prudência, afirmando que “não se pode festejar” antes do tempo, porque o texto aprovado deixa sem solução vários aspectos de funcionamento do novo mecanismo recém aprovado.
Desastres naturais pelo mundo
A COP29 acontece no momento em que o mundo segue em uma trajetória para bater outro recorde de temperatura. A reunião já se mostrou um ambiente de negociações tensas entre os países, que atrasam a aprovação da agenda, como o próprio regramento do mercado de créditos de carbono.
Neste ano, o principal ponto de discussão é a aprovação de um novo financiamento em favor dos países mais vulneráveis. A COP29 deve demonstrar que a cooperação mundial “não está em ponto morto”, declarou o secretário executivo da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas, Simon Stiell.
Os efeitos desastrosos causados pelas mudanças climáticas já são plenamente visíveis em 2024, com a chegada de furacões por todo o mundo, além de diversas ondas de calor e inundações. Por isso a urgência da discussão, que já se mostrou catastrófica nos diferentes cenários divulgados por pesquisas científicas.
“Estamos nos encaminhando para a ruína. E não se trata de problemas futuros. A mudança climática já está aqui”, alertou na cerimônia de abertura o presidente da COP29, o ministro da Ecologia do Azerbaijão, Mukhtar Babaiev. “Chegou o momento da verdade”, acrescentou.
Provável saída dos EUA do acordo
Menos de uma semana após a vitória do republicano Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos, o ambiente diplomático em Baku se mostra tenso, e a previsão é que poucos líderes compareçam à tradicional cúpula climática de dois dias das COPs. Após o início da conferência, os quase 200 países presentes em Baku deveriam aprovar sua agenda de trabalho, mas as diferenças persistiam sobre vários pontos, de acordo com fontes.
O governo dos Estados Unidos, por exemplo, que é o segundo maior emissor mundial de gases do efeito estufa, pode abandonar mais uma vez o Acordo de Paris, que é a base de todas as negociações sobre o clima. Trump abandonou o acordo durante o seu primeiro mandato presidencial. O republicano, um declarado cético do fenômeno da mudança climática, pode anunciar a saída do Acordo de Paris ao assumir o poder em janeiro, decisão que seria formalizada um ano depois.
“Quero dizer-lhes que, embora o governo federal dos Estados Unidos, sob Donald Trump, possa colocar a ação climática em segundo plano, o trabalho continuará, com paixão e compromisso”, garantiu o atual enviado especial para o clima do governo Joe Biden, John Podesta.
“Os Estados Unidos são uma democracia” que, há menos de uma semana, escolheu um presidente “cuja relação com as mudanças climáticas é dominada pelas palavras ‘fraude’ e ‘combustíveis fósseis'”, acrescentou Podesta.
“Trump prometeu desmantelar nossas salvaguardas ambientais e retirar o país novamente do Acordo de Paris”, assinado por praticamente toda a comunidade internacional em 2015; “foi o que ele disse, e temos que acreditar”, finalizou.
Metas ambiciosas, mas necessárias
A COP29 de Baku é chamada informalmente de “COP do financiamento”, porque precisa debater o tema essencial das ajudas que os países que mais contribuem para o problema devem conceder às nações mais afetadas pelas mudanças climáticas.
A ajuda deve servir tanto para mitigar a emissão de gases do efeito estufa, principalmente por meio de uma gigantesca conversão energética mundial, assim como com a adaptação, ou seja, a construção de barragens, a adaptação das residências às temperaturas extremas, entre outras medidas.
Durante meses, quase 200 países do Acordo de Paris negociaram um rascunho que previa uma nova meta de ajuda. O financiamento da luta climática não é “caridade, e sim do interesse de todos, incluindo as nações mais ricas e maiores”, insistiu Stiell, que pediu um acordo “ambicioso”.
Em 2009, na COP15 de Copenhague, um acordo estabeleceu que as nações industrializadas concederiam US$ 100 bilhões (cerca de R$ 576 bilhões) por ano, em ajuda direta ou empréstimos multilaterais. O volume de ajuda foi alcançado com dois anos de atraso, em 2022, e agora os especialistas afirmam que é necessária uma quantia pelo menos 10 vezes superior.
Uma região como a América Latina, por exemplo, emite menos de 10% de gases do efeito estufa, mas é uma das que mais sofre impacto com o aquecimento do planeta.
Quem financiará
Além do valor da ajuda e do calendário, as nações devem chegar a um acordo sobre quem paga. Em 2009, pouco mais de 30 países assumiram a missão dos 100 bilhões de dólares. E a China ficou de fora. Agora, diversos países – entre eles União Europeia e a gestão atual dos Estados Unidos, querem que Pequim assuma parte da conta, o que promete ser difícil.
A China, principal emissora de gases do efeito estufa, tem sua própria agenda de ajuda climática. Além disso, o país domina grandes setores da conversão de energia, como os metais raros. No ano passado, em Dubai, os países conseguiram um acordo com muitas dificuldades para uma declaração final da COP28. O texto assumia, pela primeira vez, que os países deveriam empreender uma “transição” para o fim das energias fósseis (carvão, petróleo, gás natural).
No entanto, a Agência Internacional de Energia (AIE) recordou em seu relatório anual mais recente que 80% da energia mundial ainda provém dessas fontes.