Uma breve análise socioeconômica sobre a crise. Quem são os mais de 40 mil garimpeiros que acossam a região? Como o desemprego e alta do mercado do ouro alavancam ações predatórias? Quais os vazios legais que o Brasil precisa superar na área?
Há um ano tomamos conhecimento da grave crise humanitária que viviam os povos yanomami, principalmente na parte norte do Território Indígena (TIY). O governo Bolsonaro havia os deixado no mesmo local que o colonialismo os colocou: no silêncio sepulcral. Aquele governo ignorou os quase 40 mil garimpeiros no território, ignorou o crescimento de quase 20% no número de mortes por malária (segundo dados da DSEI), ignorou o crescimento da fome e da desnutrição. E esses problemas são todos decorrentes do garimpo ilegal. Uma omissão que é uma ação (uma conduta comissiva por omissão, dizem os penalistas) apta a ensejar um crime de genocídio, o que já foi denunciado perante o TPI (Tribunal Penal Internacional).
Há um ano, Lula e um grupo de ministros foram até Boa Vista para anunciar um plano para combater a crise humanitária. Uma força-tarefa (digamos assim, apesar de não gostar desse nome) foi montada envolvendo forças-armadas, polícia federal, Ibama e boa parte dos garimpeiros foram expulsos ou deixaram o território yanomami.
Um ano após, e já tendo gastos mais de 1 bilhão de reais, a crise persiste. Hoje apenas uma queda sútil é registrada na mortandade dos indígenas (cerca de 10%), e os garimpeiros expulsos retornaram ao TIY. Diante disso o governo elaborou um novo plano de ação, com o anúncio de um centro de governo em Roraima e três bases de vigilância no território, o que se estima um gasto de 1,2 bilhão de reais.
Há várias explicações circunstanciais para o pouco sucesso do plano de ação do governo Lula: que os gastos deveriam ter sido maiores, que faltou expertise aos agentes políticos (lembremos que o MPI tem apenas um ano de criação e um orçamento diminuto – 515 milhões, aproximadamente), até mesmo o “pouco caso” das Forças Armadas que alegando dificuldades operacionais encerraram ou suspenderam as operações na TIY.
Essas explicações circunstanciais são verdadeiras, mas não explicam a totalidade do fenômeno. O problema não é só político, é um problema de economia política. Por que há milhares de garimpeiros no TIY? A falta de fiscalização e repressão é parte da explicação, mas não dá conta da causa do fenômeno.
Nas últimas décadas o Brasil se assentou, dentro da divisão internacional do trabalho, como um exportador de matéria-prima (commodities e minérios). E, em decorrência disso, o capital internacional vem ao país em busca desses produtos primários.
Nos últimos anos o preço do ouro teve um forte aumento no mercado internacional (por ser considerado um ativo seguro frente as flutuações do dólar). Nos últimos doze meses, por exemplo, o produto teve valorização de 13%. O aumento do preço atrai os investidores, que querem mais ouro – e mandam buscar o metal onde quer que esteja, até mesmo nos territórios indígenas.
Surge desse processo econômico, uma burguesia que se serve de um largo exército industrial de reserva. No norte do país, o desemprego elevado e a baixa renda permite que um número elevado de trabalhadores sejam cooptados e explorados pela indústria da mineração (ilegal).
O garimpo ilegal é facilitado por baixa regulamentação jurídica. As cadeias de rastreabilidade do ouro são deficientes, e só recentemente o STF (na ADI 7345) suspendeu o chamado “princípio da boa-fé” da Lei nº 12.844/2013, que permitia que origem do ouro fosse atestada apenas pela declaração do próprio vendedor.
Todavia, as medidas jurídicas são insuficientes. A forma jurídica, nas sociedades burguesas, não se opõe ao capital, como aprendemos com Pachukanis.
O garimpo (ilegal) na TIY ocorre porque ainda vivemos sob a égide do (neo)colonialismo. Como ainda somos uma economia dependente, nosso território e o nosso povo continuará a ser devastado pelo Capital, enquanto isso for necessário para sua reprodução. A autonomia dos territórios indígenas só será conquistada definitivamente como rompermos os grilhões coloniais. Essa é a própria lição que Davi Kopenawa deixa aos näpe (os brancos, na língua yanomami) como seu poderoso manifesto cosmológico – o livro A queda do céu.
(*) por Pedro Henrique Corrêa Guimarães