Em 1986, responsável pela matança do Araguaia manifestou apreço por um jovem capitão
Morreu Sebastião Curió, um dos mais notórios carrascos da ditadura militar. Em 1973, ele foi destacado para reprimir a Guerrilha do Araguaia. Comandou o sequestro e o assassinato de dezenas de militantes na floresta.
A operação pode ser resumida como um massacre. A ordem do Exército era não fazer prisioneiros. Os guerrilheiros eram capturados, levados para centros de tortura e executados.
Documentos militares mostram que os superiores do major o elogiavam pela “coragem e arrojo” na “árdua tarefa de combate à subversão”. Sem a proteção da ditadura, Curió não se mostrou tão destemido assim. Convocado pela Comissão da Verdade, apresentou três atestados médicos para não depor. Também se esquivou de ser ouvido em casa ou num hospital.
A rigor, seu depoimento nem seria necessário. Em 2009, Curió confirmou ao jornal O Estado de S. Paulo a execução de 41 militantes presos e desarmados. Com frieza, comparou o extermínio à limpeza de uma lavoura. “Quando se capina, não se corta a erva daninha só pelo caule. É preciso arrancá-la pela raiz”, afirmou.
O Ministério Público Federal apresentou sete denúncias criminais contra Curió. Todas foram arquivadas sem julgamento. Se tivesse nascido na Argentina ou no Chile, o major teria terminado seus dias na cadeia. Como nasceu no Brasil, morreu impune, aos 87 anos. Foi beneficiado por uma interpretação controversa da Lei da Anistia, que blinda os militares que praticaram terrorismo de Estado.
Protegido da Justiça, Curió ainda se aventurou na política. Depois de chefiar o garimpo em Serra Pelada, elegeu-se deputado e prefeito. Em maio de 2020, foi recebido com honras por Jair Bolsonaro. Num ato de escárnio com as famílias dos desaparecidos, a Secretaria de Comunicação da Presidência o chamou de “herói do Brasil”.
A relação entre o major e o capitão vinha de longe. Em 1986, Curió enviou uma carta a Bolsonaro, que ainda sonhava disputar sua primeira eleição para vereador. Em papel timbrado da Câmara, manifestou o desejo de “passar o bastão” ao “jovem companheiro”.
O documento foi localizado no Arquivo Nacional pelo historiador Lucas Pedretti. No texto, Curió se revela um visionário: foi o primeiro a identificar Bolsonaro como o legítimo herdeiro dos porões.
(*) Por Bernardo Mello Franco, em O Globo
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