A Defensoria Pública do Rio de Janeiro e a Defensoria Pública da União enviaram, às secretarias de estado da Polícia Militar e da Polícia Civil do Rio de Janeiro, recomendação para adoção de procedimentos que evitem violações ao direito de manifestação, confrontos, uso desproporcional da força e prisões ou detenções em atos populares. A recomendação prevê que os comandos passem a enviar às Defensorias, em até 48 horas após o fim de cada ato público, informações pormenorizadas sobre a ação policial antes, durante e ao término do evento.
O relatório circunstanciado deverá conter dados sobre o emprego de armas e munições letais e não-letais; o trajeto percorrido pelas viaturas policiais; as detenções e apreensões efetuadas; a justificativa e os meios usados para eventualmente dispersar os manifestantes; a razão que tenha suscitado revista e busca em cada pessoa presente; e comunicação sobre presença eventual de agentes infiltrados entre os manifestantes.
O documento, expedido na última segunda-feira, 15, pretende prevenir discriminação nos protestos antirracistas ou exercidos majoritariamente por pessoas negras. As Defensorias requisitaram às polícias, inclusive, esclarecimentos sobre a atividade da PM nas manifestações ocorridas no Centro, contra o racismo, e em Copacabana, a favor do governo federal, no último dia 7.
– Gera preocupação à Defensoria Pública a diferença de tratamento dispensada pelas corporações da segurança aos grupos de manifestantes que saíram às ruas em 7 de junho para exercer o direito à manifestação. É urgente apurar o policiamento desproporcional e o emprego desnecessário da força nos protestos antirracistas, que contaram com uma maioria de jovens negros e negras e foram protagonizados por organizações antirracistas. A Constituição condições igualitárias para que toda e qualquer pessoa tenha liberdade de se manifestar — explica a coordenadora do Núcleo Contra a Desigualdade Racial da Defensoria do Rio (Nucora), Lívia Casseres, uma das autoras do texto.
Assinam o documento também os defensores Rita Oliveira e Thales Treiger, respectivamente coordenadora e membro do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União.
– Importante salientar a importância de um policiamento e de uma segurança pública que estejam atentas à preservação da vida e da integridade física e psíquica da população. Em momentos de protestos e mobilizações populares é dever do poder público não apenas garantir a segurança das pessoas, como também estimular que esses encontros existam ao invés de atuar pela desmobilização de movimentos sociais — afirma Thales Treiger.
Revistas e detenções
Na manifestação “Vidas Negras Importam”, realizada na Avenida Presidente Vargas, no dia 7, pelo menos 23 pessoas foram detidas e conduzidas a três delegacias policiais diferentes. Quatro defensores públicos do estado fizeram plantão para prestar assistência jurídica a quem precisasse e identificaram abusos e violações de direitos.
“A Defensoria Pública constatou desde revistas generalizadas nos participantes, detenções e apreensões arbitrárias, cerco e policiamento desproporcional ao número de pessoas presentes, até situações de violenta repressão, como bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo para a dispersão”, salienta a recomendação.
O documento endereçado às polícias menciona que a manifestação foi acompanhada por homens do Batalhão de Choque e da Cavalaria; que antes e durante o protesto houve revistas em pessoas que não portavam nenhum objeto proibido; que os participantes tiveram a movimentação limitada por “cordão de isolamento”; e que não puderam usar megafones e carros de som. Além disso, os agentes de segurança pública não ostentavam identificação ou nada que permitisse reconhecê-los, o que é ainda mais difícil devido ao uso de máscaras.
— A recomendação expressa nossa preocupação com o fato de que participantes de manifestações antirracistas tenham sido alvo de tratamento repressivo e discriminatório em relação aos procedimentos de policiamento nas manifestações autointituladas “pró-governo” e de cunho antidemocrático, contexto que evidencia uma ação seletiva e de grave violação ao direito de livre manifestação – destacou a defensora pública da União Rita Oliveira.
Providências recomendadas
Dentre as providências recomendadas pelas Defensorias à Polícia Militar estão também a indicação de especialista em negociação e mediação no local dos protestos; identificação de nome e patente de todos os agentes públicos enviados ao local; presença de policiais femininas para eventualidade de busca em mulheres; e comunicação prévia à Defensoria de telefone de contato entre o comando da corporação e defensores públicos de plantão bem como de informação sobre para quais delegacias serão encaminhados pessoas detidas em flagrante.
As Defensorias querem ainda que seja possível a livre circulação dos manifestantes, inclusive para evitar aglomeração favorável à disseminação da covid-19; que não haja restrições ao uso de máscaras e álcool gel; que não sejam feitas imagens das pessoas presentes ao ato; e que não seja coibida a utilização de megafones, carros de som e equipamentos musicais ou outros objetos permitidos por lei.