Em entrevista ao Ilustríssima Conversa, sociólogo comenta o livro ‘O Pobre de Direita’
Por que eleitores pobres que votaram em Lula e Dilma em quatro eleições seguidas preferiram Jair Bolsonaro em 2018 e contribuíram para a larga vitória da direita nas eleições municipais deste ano?
O sociólogo Jessé Souza tenta responder a essa questão em seu mais recente livro, o recém-lançado “O Pobre de Direita: A Vingança dos Bastardos” (Civilização Brasileira).
Jessé divide essa classe empobrecida de eleitores em dois grupos: o pobre branco de São Paulo e do sul do Brasil e o negro evangélico. Em comum, ambos manifestam repúdio pela esquerda, por políticas de inclusão de grupos marginalizados e por programas como o Bolsa Família. Guardam, entretanto, diferenças significativas, que remetam às desigualdades do país, avalia ele.
“A grande distinção aí é que o branco não precisa provar que ele é gente humana. O negro é acossado pela possibilidade de desumanização, 24 horas, por uma dominação que a polícia só faz porque a classe média e a elite apoiam. E aí você tem o quê? Você tem um desrespeito à dignidade dessas pessoas.”
A partir de conversas com esses eleitores, Jessé constatou que racismo, questões morais e a religião moldaram essa virada do país para a direita. “Você tem que explicar. Essas pessoas não sabem. Ninguém jamais explicou para ela por que ela é pobre. Então você precisa explicar, senão vai vir a explicação evangélica de que foi o Diabo que se apossou de você, porque é o comunismo, porque tem Cuba, China. Como essas pessoas não sabem quem as está explorando e humilhando, elas têm uma raiva sem canalização. Como essa raiva fica aí pairando no ar, a extrema direita chega e canaliza.”
Na entrevista ao Ilustríssima Conversa, Jessé também comenta o segundo turno em São Paulo, diz que o PT deveria aprender com Getúlio Vargas e argumenta que a esquerda em geral afasta eleitores ao dar protagonismo a pautas identitárias.
Doutor em sociologia pela Universidade de Heidelberg (Alemanha), Jessé Souza também é autor de livros como “A Ralé Brasileira” e a “A Elite do Atraso”. De 2015 a 2016, foi presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no governo Dilma Rousseff.
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O podcast entrevista, a cada duas semanas, autores de livros de não ficção e intelectuais para discutir suas obras e seus temas de pesquisa.
Já participaram do Ilustríssima Conversa Ronilso Pacheco, teólogo que analisa o uso da gramática religiosa pela extrema direita, Marcelo Viana, diretor-geral do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), Ligia Diniz, autora de obra sobre as representações da masculinidade na ficção, Paolo Demuru, que discutiu o poder de sedução de narrativas conspiratórias, Camilo Rocha, autor de livro que registra a história da música eletrônica de São Paulo, Natalia Viana, que relembrou sua participação no WikiLeaks, Raquel Barreto, pesquisadora do pensamento de Lélia Gonzalez, Carlos Poggio, professor de relações internacionais que analisa como o Brasil moldou a influência dos EUA na América do Sul, Luís Fernando Tófoli, psiquiatra engajado em pesquisas sobre os efeitos da ayahuasca, Pedro Arantes, que defende que a esquerda se levante do conformismo, entre outros convidados.