O presidente boliviano, Luis Arce, e o ex-presidente Evo Morales disputam o posto de presidenciável pelo partido MAS nas eleições de 2025. Ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas afirmam que o racha abre oportunidade inédita para uma vitória da direita ou centro-direita no país.
Na Bolívia, a disputa interna do partido Movimento ao Socialismo (MAS), liderada pelo ex-presidente Evo Morales e o atual presidente, Luis Arce, dividiu a esquerda.
Integrantes da mesma legenda e antigos aliados políticos, Morales e Arce romperam após as eleições presidenciais de 2020. Agora, ambos disputam para ver quem será o candidato pelo MAS nas eleições de 2025.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Clayton Mendonça Cunha Filho, professor de ciência política na Universidade Federal do Ceará (UFC) e autor do livro “Formação do Estado e horizonte plurinacional na Bolívia”, afirma que o quadro atual reflete a disputa pela liderança do que ele afirma ser “o único partido realmente nacional que a Bolívia tem” em meio a partidos de oposição regionalmente fragmentados que, por vezes, têm força apenas em uma cidade ou região dentro de um departamento.
“O MAS é o único que, de fato, possui uma presença no país inteiro, embora tenha alguns lugares onde é mais forte do que outros […], então a gente está vendo hoje uma disputa por quem vai de fato controlar esse partido tão forte e tão importante dentro do sistema político boliviano atual”, explica.
Cunha Filho destaca que o MAS foi o único partido capaz de criar uma frente ampla da esquerda, que une várias vertentes, entre elas sindicalistas, marxistas, indigenistas que, por anos, brigaram entre si. Porém, a rusga entre Arce e Morales tem reacendido essa divisão interna, e “essa frente ampla está se esvaindo”.
Ele afirma que a divisão no MAS ficou exposta nos congressos realizados por Arce e Morales, que servem de primárias para definir quem será o candidato do partido em 2025. Morales realizou um congresso em Cochabamba, região cocaleira que é seu berço eleitoral, reunindo apenas seus apoiadores mais fortes no MAS, que compõem cerca de metade do partido. Arce, por sua vez, reuniu a outra metade em um congresso em El Alto.
No entanto, nenhum dos dois congressos foi reconhecido pelo Poder Eleitoral, que é o quarto poder da Bolívia, separado do Executivo, Legislativo e Judiciário. Com isso, há possibilidade de o MAS perder o registro, já que o partido não fez ainda o congresso de renovação no prazo que todos os partidos tinham para fazer neste ano.
“Como nenhum dos dois foi validado juridicamente, é como se ele [MAS] não tivesse feito [o congresso]. Embora ninguém acredite que o Poder Eleitoral vai ter coragem de cancelar o registro do MAS, […] juridicamente, ele hoje poderia estar ameaçado de perder esse registro.”
Qual a raiz da rusga entre Arce e Morales?
Cunha Filho explica que a disputa entre Arce e Morales começou após a tentativa de golpe de Estado sofrida pelo ex-presidente. Segundo ele, durante o golpe, quando Morales se refugiou na Argentina, Jeanine Añez assumiu como presidente interina e, após ser pressionada pela Justiça, convocou eleições. As bases do MAS indicaram como candidato o presidente David Choquehuanca, que foi ministro das Relações Exteriores durante os dois primeiros mandatos de Morales.
Eles se afastaram em 2016, quando Morales perdeu o referendo que convocou para tentar alterar a legislação, possibilitando sua candidatura a um quarto mandato. Cunha Filho afirma que, após a derrota, Choquehuanca passou a se apresentar como possível sucessor de Morales, que não gostou e o demitiu da chancelaria.
Após voltar do exílio na Argentina, Morales vetou a indicação de Choquehuanca como candidato do MAS e indicou Arce, que foi seu ministro da Fazenda.
“As bases do MAS […] não aceitaram totalmente a intervenção de Morales, mas fizeram uma solução intermediária; […] aceitou que o candidato a presidente fosse Luis Arce, mas o vice seria David Choquehuanca, e Evo Morales teve que aceitar, e essa foi a candidatura que venceu no primeiro turno com 55% de votos.”O especialista afirma que Arce se afastou de Morales após este tentar intervir em seu governo, fazendo demandas sobre demissões de ministros e atacando Choquehuanca.
“Só que à medida que o tempo foi passando e Arce não dava amostras de que iria passar a acatar as ordens de Morales, esses ataques foram escalando e chegando cada vez mais próximos ao próprio presidente, até que chegaram a esse conflito aberto que a gente está vendo hoje.”
Divisão do MAS abre espaço para a oposição
Cunha Filho aponta que o racha interno no MAS abre possibilidade inédita para partidos de direita e centro-direita, cujo problema sempre foi a profunda divisão. Segundo ele, a esquerda, ainda que abalada, ainda é a favorita a levar o pleito, mas se ela se apresentar dividida, o destino das eleições fica incerto.
“Então, ela [frente unida] se rompendo de vez, o partido [MAS] de fato se dividindo em mais de uma candidatura, coloca para as oposições de direita, de centro-direita, uma possibilidade inédita de finalmente ganhar essas eleições.”
A opinião é compartilhada por Sue Iamamoto, professora no Departamento de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia (UFBA), para quem a divisão “enfraquece terrivelmente” a esquerda.
“É terrível [a divisão] para o projeto de Estado plurinacional, descolonizado, plural, popular, que incorpora os setores populares, que era, digamos, a estrutura, o alicerce do projeto do MAS, quando entrou no governo em 2006”, afirma Iamamoto ao Mundioka.
A especialista explica que, na Bolívia, ganha em primeiro turno o candidato que tiver mais de 50% dos votos ou 40% dos votos e 10% a mais do que o segundo colocado. Por isso, considera que se de fato a esquerda vier rachada, com Morales pelo MAS e Arce por alguma outra legenda, seria muito difícil uma vitória no primeiro turno.
“Os candidatos da direita vão ter mais possibilidade de chegarem no segundo turno, vão competir, digamos, de igual para igual, considerando que os candidatos mais de centro-direita, de direita na Bolívia, sempre obtiveram ali em torno de uns 35%, 30%. […] Então isso muda muito o panorama da disputa do próximo ano e fortalece, com certeza, as forças opositoras do MAS.”
Foto: © Sputnik / Ana Delicado Palacios