Darcy Ribeiro, vendo a morte se aproximar, fugiu do hospital para concluir o livro que vinha escrevendo há mais de trinta anos. E o que preocupava aquela mente privilegiada, o gênio brasileiro, aos 74 anos?
No Prefácio de “O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil”, Darcy revela: “meu sentimento era de que nos faltava uma teoria geral, cuja luz nos tornasse explicáveis em seus próprios termos, fundada em nossa experiência histórica. As teorizações oriundas de outros contextos eram todas elas eurocêntricas demais e, por isso mesmo, impotentes para nos fazer inteligíveis” (Companhia das Letras, SP, 1965).
A vitória de Donald Trump, em 5 de novembro de 2024, não representa um fato isolado, nem universal. Vem acompanhada da tomada do Congresso e do Senado estadunidenses pelos Republicanos, que também elegeram o maior número de governadores. E é a resposta dos Estados Unidos da América (EUA) pelos quarenta anos de dominação ideológica inglesa.
Não nos deveria surpreender, por não termos aproveitado a presença de Darcy Ribeiro entre nós para realizar a necessária e nacionalista revolução brasileira.
Ficamos assim ignorantes de nós mesmos, e incapazes de entender a reconstrução que os estadunidenses mostraram desejar para seu país, com sua cultura, com sua percepção, com seus medos e preconceitos, ao dar tão extensa vitória a um bem sucedido empresário.
Certamente a figura de Kamala Harris, mestiça, mulher, sempre sorridente, foi-nos muito mais simpática. Mas quem ela representava? Nenhum estadunidense. O que ela propunha? A manutenção da opressão nascida da aristocracia inglesa e que reside hoje nos quase 100 paraísos fiscais, sem qualquer compromisso com os cidadãos dos EUA, nem de qualquer país.
Não tenho intensão de dar uma aula, como Darcy pediu nos seus últimos dias. Tampouco colocar, como Colombo, um ovo em pé. Gostaria de levar à discussão uma interpretação do que ocorre nos EUA e, talvez, tirar alguma lição para livrar o Brasil da corrupção, do egoísmo, do desprezo pelo seu povo, como se constata desde o movimento, impropriamente denominado, da redemocratização, nos anos 1980.
SOBRE A ENERGIA
Uma jornalista da Globo News, durante a transmissão pela televisão, do processo de apuração eleitoral estadunidense, narrou a experiência que teve, viajando com seu filho por estado dos EUA. Havia muitos cartazes, outdoors, nas estradas com mensagens de Trump apoiando o “fracking” ou fraturamento hidráulico.
Para os que não acompanham ou desconhecem o poder que se esconde na questão energética, segue breve consideração.
O petróleo provocou a maior transformação social, desde meado do século XIX, quando jorrou, pela primeira vez, nos EUA e no Azerbaijão, para empresa estadunidense e da família sueca dos irmãos Nobel (Branobel). Na sequência, empresas inglesas e holandesas, francesas e alemães, passaram a pesquisar e produzir petróleo. Ao iniciar o século XX, ter o controle das reservas de petróleo era ter o controle da economia mundial. Em 1928, o Acordo Achnacarry constituiu as “sete irmãs”, que dominaram o mercado do petróleo até 1973.
O petróleo estava intimamente vinculado ao industrialismo e, após a II Grande Guerra, as finanças lutaram pelo poder no mundo capitalista, e o conquistaram na década de 1980.
Os combustíveis fósseis: óleo, gás e folhelhos betuminosos, passaram a ser vilões da humanidade, responsáveis pela mudança climática e pelos desastres ecológicos e ambientais. As finanças investiram bastante para criar este preconceito, concedendo prêmios “científicos”, amplos espaços nas mídias, e campanhas de cunho popular-educativo.
O “fracking” é a técnica de produzir dos folhelhos betuminosos e, efetivamente, produzem problemas ambientais, como contaminação de aquíferos e poluição de cursos d’água e terrenos agricultáveis.
As campanhas ambientalistas buscam impedir a produção de petróleo dos folhelhos. Mas Trump viu nesta produção o modo de tirar da miséria, dar salário e não de seguir o modismo das Organizações não Governamentais (ONGs), em área rica de folhelhos betuminosos, com apoio ao “fracking”; não só para os proprietários dos terrenos, como para toda série de empregos que se abriam com esta produção de petróleo.
As finanças apátridas pretendem substituir o petróleo pela energia eólica e das placas fotovoltaicas, trocando a energia permanente e armazenável pela intermitente, que se perde se não for utilizada logo depois de produzida.
Sem dúvida uma transformação radical e inesperada pelo contexto político dominante.
A apropriação do fogo, a mais primitiva energia usada pelo homem, que lhe permitiu sair da África e se espalhar pelo mundo há uns 30 a 20.000 anos, quando ainda se sentiam os efeitos da Glaciação Würn, com os oceanos transformados em geleiras, ocupando as calotas polares e áreas circunvizinhas, permitindo chegar caminhando à Austrália, Nova Zelândia, ilhas da Indonésia, também levou-o a atravessar o Estreito de Bering e chegar às Américas.
Com o desgelo da era interglacial, não foi mais possível ir à Austrália nem chegar às Américas, mas as populações que lá se estabeleceram já usavam o fogo.
Por milênios, apenas o fogo, os fluxos d’água e o vento produziam energia ao homem. Isso se demonstra pela lentidão do progresso. Compare-se com a descoberta da energia dos fósseis, carvão mineral e petróleo, nos séculos XVIII e XIX, e a velocidade do processo civilizatório, tecnológico, econômico destes 300 ou 200 e poucos anos.
Hoje a energia vem do átomo, a energia da fissão e da fusão nuclear, que as finanças contêm pois seu projeto de poder é retrógrado, do sol e do vento, e avanços são mal recebidos.
Talvez Trump nem tenha consciência de que representa o progresso incentivando o fraturamento hidráulico. Mas há um contexto maior, onde se inserem as criptomoedas e uma nova economia que ele também apresenta como seu projeto de transformar a América novamente grande: “Make America Great Again” (Torne a América Grande Novamente), abreviado como “MAGA”.
PODER NACIONAL
Observe-se que seu projeto é nacionalista, diferentemente da Kamala Harris, cujo marido é advogado das finanças, internacional, com escritórios até no Brasil, em São Paulo.
“A Teoria de Grotius da Soberania e do Estado era secundária a seu problema de regular a guerra. Como consequência, temos que distinguir duas camadas de teoria que não estão muito bem relacionadas, em sua obra, uma com a outra, mas têm seu significado, cada uma tomada por si mesmo. A primeira teoria de soberania diz respeito à questão dos sujeitos no direito internacional… O verdadeiro fundamento do governo é o poder; o poder estabelecido será ordenado em seu pessoal e em sua função, e a ordem pode ser expressa em termos de direito civil ou num conjunto de categorias legais públicas” (Eric Voegelin, “História das Ideias Políticas”, volume VII, “A Nova Ordem e a Última Orientação”, tradução de Elpídio Mário Dantas Fonseca para É Realizações Editora, SP, 2017).
Faz todo sentido que Trump não queira prosseguir com a Guerra na Ucrânia e travar, com a República Popular da China (China), não a guerra com armas por Taiwan, mas comercial, pelos grandes mercados.
O curioso é que todo este avanço vem com um discurso de direita, conservador, poderíamos até lê-lo como misógino, que proíbe à mulher dispor do próprio corpo, e bastante carente de escrúpulo ético.
E, de algum modo, se aproxima com a multipolaridade dos BRICS, que lhe fazem oposição. Ou esta oposição se dirigia aos governos democratas e aos republicanos do início do século? Não mais prosseguirão na Era Trump?
O fato é que o domínio unipolar das finanças levou a população do ocidente ao desemprego, à miséria, à fome, como se vê, diariamente, nas ruas de Paris, Londres, Berlim e por toda Europa e nos próprios EUA, que ameaçavam uma guerra civil após a eleição de novembro.
O Brasil retrocede com Lula3. O grave é que todo Partido dos Trabalhadores (PT) acompanha e justifica este retrocesso. E colhe a resposta do povo com o medíocre desempenho na recente eleição municipal.
Longe de buscar um projeto nacional, o Ministro Fernando Haddad defende e repete o teto de gasto do golpista Michel Temer. Será que permeiam o medo com a ignorância, a covardia com a desistência de um Brasil mais instruído, sem fome, consciente e cidadão?
O que é esperado, mas não desejado, porém está na própria história, é que os avanços ocorrem onde se desenvolveu massa crítica, seja do bem estar, da cultura ou do estágio civilizatório. O Brasil de Ernesto Geisel vem retrocedendo há 40 anos, mais acentuadamente em alguns períodos, mas nunca com avanços na importantíssima questão nacional, que foi substituída pelas questões identitárias e pela “fake” questão ambiental.
Assim, falta um movimento de massa, que se eduque e ao povo, para reconquistarmos o avanço, ainda que pela direita, como nos EUA.
(*) Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.
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