Durante este período de pandemia, muito tem se escutado falar sobre a Organização Mundial da Saúde (OMS), suas recomendações e posições frente a Covid-19. Vamos entender um pouco melhor as responsabilidades compartilhadas.
Em 2005, foi aprovado o Regulamento Sanitário Internacional (RSI), entre a OMS e seus Estados membros. Este regulamento define responsabilidades frente aos eventos inusitados de saúde pública, cabendo aos estados membros desenvolver, fortalecer e manter as capacidades exigidas no RSI e a mobilizar os recursos necessários para colaborar ativamente entre si e com a OMS, em conformidade com as disposições regulamentadas.
Alguns países, entre eles o Brasil, tem cogitado deixar a OMS neste período, devido a divergências de posições frente a esta crise. Semanas atrás, a organização fez uma recomendação, e depois voltou atrás no seu posicionamento, motivos que fizeram a população, líderes e a comunidade científica questionarem a posição da OMS.
No RSI, a OMS tem responsabilidade de consolidar as informações, implementar medidas, promover a cooperação para a atualização de suas normas e padrões e coordenar as atividades, com o objetivo de garantir a aplicação de medidas para a proteção da saúde pública e o fortalecimento da resposta mundial quanto à propagação de doenças no âmbito internacional.
O RSI estabelece a instituição de um Cadastro de Peritos, por indicação de estados membros e organizações intergovernamentais, que definem, estudam e buscam as melhores medidas a serem adotadas. Para falarmos do papel da OMS neste momento, precisamos também entender qual é o papel da ciência.
É fascinante aquela imagem do cientista de cabelos arrepiados, jaleco branco surrado, vários recipientes com líquido borbulhante e um ar de que tudo é possível. Saibam que isso não é ciência. É fantasia! Sim, cientistas usam jaleco em seus laboratórios e sabem muito, sobre um determinado assunto ou área, mas não são donos da verdade. Cientistas sempre buscam a verdade.
A ciência tem como princípio o querer saber, e para isto, o cientista faz perguntas: Por quê? Como? Quando? Com que frequência? Qual intensidade? Entre outras que irão apresentar diversas respostas que serão postas a prova, mostrando que não é um acontecimento ao acaso. Enfim, na ciência busca-se através das respostas, da observação e da análise do que foi feito, verdades que podem ou não confirmar premissas prévias.
O que você espera da ciência? A cura para a Covid-19?
A ciência te dará a cura, porém, por ser algo muito novo, ela ainda está na fase do “como?” “quando?” “com que frequência?”. Vidas estão sendo perdidas e infelizmente não há como acelerar mais os trabalhos, mesmo que recordes tenham sido batidos nos últimos três meses. Genoma sequenciado, formas de diagnóstico determinadas, mecanismo de infecção descrito, inúmeros grupos de pesquisa trabalhando em novos fármacos, empresas também com o mesmo investimento e por fim, sim, teremos rapidamente uma vacina.
No momento, o principal problema é o imediatismo, o “fakevírus” de redes sociais e o excesso de informações desnecessárias e imprecisas. Neste momento, melhor seria uma ampla campanha informando à população: “parem, protejam-se, estamos trabalhando por vocês, assim que conseguirmos definir o medicamento e produzir a vacina, avisamos o quanto antes, assinado, A Ciência”. Seria manchete nos dois primeiros dias. E depois? As pessoas e a mídia teriam paciência para esperar o trabalho da ciência?
Os últimos acontecimentos sobre a produção científica, OMS e profissionais que seguem e os que não seguem a ciência, deixaram a população com pulgas atrás da orelha. Para alguns, a ciência perdeu a credibilidade. Para outros, a coisa está “enrolada” demais. Isso mostra que as pessoas não aprendem sobre ciência na escola ficando restrita aos que entraram no ensino superior. Por não ser ainda uma realidade para muitos, a grande população não entende como ela funciona. Se existe um problema, este não é da ciência e sim das pessoas.
A dinâmica científica funciona assim: depois de uma pergunta ou hipótese, iniciam-se os testes e experimentos; depois os resultados devem ser analisados; os cientistas chegam a uma conclusão, publicando uma comunicação científica do seu estudo e resultados em uma revista; a revista apresenta ao mundo o que foi pesquisado; o mundo agora vai analisar e tentar reproduzir; neste momento podem surgir outros cientistas contestando o estudo mostrando que houve falhas ou todos mostram que estão de acordo e que de fato algo novo surgiu.
Publicações são contestadas todos os anos, faz parte esse alto nível de exigência no que é produzido e isso mantem o controle da qualidade de produção científica. Muito foi comentado nos últimos dias sobre a publicação da Lancet e o pedido de desculpas dos cientistas. Só para deixar claro, isso é ciência. Nós cientistas, não torcemos pelo grupo A ou pelo grupo B, queremos neste momento que apresentem algo eficaz para nosso problema, se foi mostrado que houve erro, de forma digna usa-se o “desculpe” e a ciência continua seu trabalho.
O grande público, por não conhecer como funciona, de forma equivocada culpa qualquer coisa, inclusive a ciência. Usa seus smartphones para dispersar informações falsas, inúteis e nada científicas. Seu smartphone é fruto da ciência, lembre-se disso! As pessoas querem algo simples, fácil, eficiente e isso não é obtido pela ciência. Será esse o motivo de tanta desconfiança e bagunça ultimamente?
A OMS usa a ciência para atender seus objetivos, que são melhorar a equidade na saúde, reduzir os riscos, promover estilos de vida e ambientes saudáveis e responder aos determinantes subjacentes da saúde. Tem um papel fundamental neste momento, reunindo informações, colaborando com pesquisas, entre outros feitos para que o mundo possa enfrentar essa pandemia. Ressaltamos que estados membros também estão falhando quando há competição por insumos essenciais, quando não realizam vigilância adequada de seus países, e não fornecem informações de forma transparente. Percebemos que será necessária uma revisão do RSI com a Covid-19.
Este é um momento em que tudo pode virar uma bola de neve, os ignorantes usam a ciência como escudo, as pessoas acreditam nos ignorantes, eles cometem erros e depois cobram da ciência. Já temos problemas demais pela nossa precária educação, se continuarmos apedrejando a ciência injustamente, iremos incentivar cada vez menos futuros jovens a entrar e contribuir. Todos perdem, inclusive a ciência!
Benisio Ferreira da Silva Filho é doutor em Biotecnologia, coordenador do Curso de Biomedicina do Uninter.
Vinícius Bednarczuk de Oliveira é doutor em Ciências Farmacêuticas, coordenador do Curso de Farmácia do Uninter.
Ivana Maria Saes Busato é doutora em Odontologia, coordenadora dos Cursos de Tecnologia em Gestão Hospitalar e Gestão de Saúde Pública do Internacional Uninter.