Arena da corrida segue se movimentando; para analistas, pepista vive momento menos favorável
Se é verdade que a configuração de forças da eleição para presidente da Câmara dos Deputados só costuma se definir de forma mais nítida nas vésperas do pleito, é igualmente verdade que a corrida vem ganhando elementos inesperados que alteraram a fotografia do cenário e colocaram em xeque apostas antes dadas como certas. Com a eleição prevista para fevereiro de 2025, a tendência é que as articulações ganhem maior fôlego apenas após o pleito municipal, mas os movimentos dos pré-candidatos já despertam um conjunto de análises e projeções.
Antes dado como candidato predileto do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), o deputado Elmar Nascimento (União-BA) batalha atualmente para desidratar apoios ou possibilidades de votos direcionados a Hugo Motta (Republicanos-PB), agora apontado nos bastidores como nome de Lira na disputa. Na avaliação de alguns analistas ouvidos pelo Brasil de Fato, o pepista enfrenta, no atual capítulo da disputa, um cenário um tanto movediço por conta de um conjunto de fatores.
A lista de pedras no caminho de Lira inclui desde a redução de seu poder sobre as emendas parlamentares por força de decisão tomada mês passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu as emendas impositivas até que o Congresso Nacional consolide regras de transparência e rastreabilidade, até o resultado das articulações feitas pelo próprio Lira para tentar evitar, no futuro, o ostracismo ao qual costumam ser relegados os ex-presidentes da Câmara.
Eleito para o comando da Casa em fevereiro de 2021 e reeleito em 2023 com ampla margem de vitória, o alagoano busca manter sua zona de influência sobre as lideranças e bancadas, mas tem esbarrado em fatores como o projeto de poder de Elmar Nascimento, que desde o início do ano vinha ampliando as costuras nos rumos de sua candidatura ao cargo. Agora dissociado de Lira na disputa por ter sido preterido pelo presidente, Nascimento chegou a posar para uma foto de encontro com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, no último dia 10. Publicado em sua conta no Instagram, o registro do líder do União Brasil mostrava ainda a presença dos ministros das Comunicações, Juscelino Filho, e do Turismo, Celso Sabino, ambos correligionários do deputado.
Nos bastidores, a iniciativa foi entendida como uma provocação com tons de retaliação por conta do apoio a Hugo Motta. Além de Padilha ser tido como um dos principais desafetos de Lira no governo, a iniciativa de Elmar Nascimento mostra que o parlamentar baiano tem procurado seguir uma rota própria na comunicação com o Planalto, sem contar, portanto, com a mediação do presidente da Câmara. O cenário das últimas semanas foi alterado ainda pela inesperada desistência de Marcos Pereira (SP), presidente nacional do Republicanos, que abandonou a ideia de se candidatar à presidência em favor de Hugo Motta, líder da sigla na Casa.
Consenso
A intenção inicial de Lira seria a composição de uma candidatura que agradasse tanto ao presidente Lula (PT), cujo mandato se encerra em 2026, quanto ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que segue como referência ideológica da ala conservadora da Casa. O plano, até agora, não decolou. Para o cientista político Danilo Morais, mestre em Poder Legislativo pelo Cefor, a escola de formação da Câmara dos Deputados, a chance de alcance desse objetivo se mostra cada dia mais distante, dadas as movimentações recentes no tabuleiro do jogo. “Esse arranjo é desafiador num cenário de disputa real. A adesão dúplice, de governo e oposição, seria mais provável num ambiente de uma candidatura claramente favorita, que, neste momento, não está no horizonte imediato”, avalia.
Arthur Lira também tem vivido embaraços por ter prometido que definiria seu candidato até o final de agosto, o que acabaria fixando também um prazo para a consolidação das articulações e atropelaria outras lideranças. Apesar disso, o presidente não só descumpriu o prazo anteriormente mencionado como ainda não fez anúncio oficial sobre quem vai apoiar. Até o momento, a informação de que Motta será o candidato de Lira segue restrita aos bastidores, embora já tenha sido sinalizada pelo próprio presidente a aliados.
“Ao se impor um prazo com tamanha antecipação e, em seguida, descumpri-lo, Lira expôs fragilidade. A mudança de apoio de última hora em adesão à candidatura de Hugo Motta também espelha certo receio de perder por completo o controle da sucessão e, combinada à investida do STF nas emendas parlamentares, cria o pior momento para a influência de Lira. Em todo caso, a sua liderança, embora declinante, não deve ser menosprezada”, analisa Danilo Morais.
Dobradinha
O cientista político Leonardo Barreto compara os atuais movimentos de Lira à jornada tecida pelo senador Davi Alcolumbre (União-AP) em fevereiro de 2021, quando o parlamentar amapaense, ao não poder mais se reeleger, ajudou a articular a eleição de um sucessor que não tivesse chance na disputa sem a sua chancela. A jornada foi uma forma de sedimentar o caminho para se manter influente na Casa, e a dobradinha rendeu frutos: desde então Rodrigo Pacheco (PSD-MG) está no comando do Senado, mas divide o protagonismo das costuras políticas com Alcolumbre, que hoje é visto como favorito para retornar ao posto em fevereiro de 2025.
“E por que isso é importante pro Lira? Porque ele precisa de proteção. Embora ele tenha sido eleito por quase unanimidade, ele tem seus processos penais no Supremo, ele sabe que o Lula não gosta dele – todos veem isso – e busca resguardar uma posição de influência para se proteger, por isso ele emula o modelo que o Alcolumbre conseguiu montar com o Pacheco”, desenha Barreto.
Para o cientista político, isso ajudaria a explicar a escolha de Lira por Hugo Motta. “Acho que eles tentaram construir uma ideia de que o Motta seria um candidato de consenso tanto à esquerda quanto à direita, por isso vieram com a história de que tanto Lula quanto Bolsonaro teriam dado sua bênção, mas essa é a menor das razões. A grande razão é a manutenção do poder do Lira”. Barreto destaca que os outros candidatos que despontaram no cenário ocupam, no jogo da Casa, posições que representariam riscos aos planos do presidente da Câmara.
“O racha que houve, que foi um racha muito inesperado, deixou Elmar Nascimento, apontado antes candidato natural à sucessão do Lira, se sentindo profundamente traído. O outro candidato, Antônio Brito, está na zona de influência do Kassab. Essa circunstância mostra por que, para o Lira, o candidato não poderia ser o Marcos Pereira, o Elmar ou o Antônio Brito. Os três são figuras muito independentes, que, uma vez na presidência, certamente montariam seus próximos sistemas de poder. O Lira poderia até conservar uma parte, mas eles são pesos pesados, lideram partidos, têm grupos políticos próprios.”
Governo Lula
A inesperada fragmentação fez Lira perder o controle do jogo político em torno da eleição e abriu maior espaço de autonomia para o governo Lula, que agora amplia sua zona de influência sobre a corrida. Parlamentares e assessores políticos de diferentes partidos ouvidos em off pela reportagem visualizam um terreno menos árido para que a gestão atue no jogo. Alguns analistas, também. “Isso é algo que favorece o governo porque agora ele tem um poder de barganha que não tinha antes”, observa, por exemplo, Leonardo Barreto.
O PT tem sido cortejado por Elmar Nascimento, que ofereceu a vice-presidência na chapa em troca de apoio. A mesma proposta foi lançada aos petistas por Antônio Brito, mas a sigla ainda não se posicionou oficialmente a respeito. Já Hugo Motta recebeu sinalização favorável do líder do PT na Câmara, Odair Cunha (PT-MG), mas ainda deverá ter o nome submetido a uma avaliação mais criteriosa por parte da legenda e do governo.
Motta é próximo do senador e presidente nacional do PP, Ciro Nogueira (PI), uma das vozes mais influentes do “centrão” no Congresso Nacional e aliado de Bolsonaro. Diante da paleta de opções e dos riscos envolvidos, a tendência é que o PT defina melhor os rumos do partido somente após as eleições, mas o martelo só tende a ser batido nas vésperas da eleição para a mesa diretora, em fevereiro, a pedido de Lula. O PT teme que decisões precoces atrapalhem os interesses do governo nas próximas votações do Congresso.
“Se o centrão realmente se dividir, o PT pode vir a ser o fiel da balança. É claro que o PT não vai responder agora se aceita ser vice de um ou de outro [em uma chapa]. Acho que está todo mundo se medindo, até porque, no momento em que o PT aceitar alguma proposta, praticamente vai ser uma declaração de guerra do governo contra o Lira. E não se pode esquecer que o Lira ainda tem três meses de gestão pela frente, um período com votações importantes pro governo, como é o caso do orçamento da União para 2025”, afirma Leonardo Barreto.
O tabuleiro das costuras contou ainda com a pactuação de um acordo firmado recentemente entre Elmar Nascimento e Antônio Brito (PSD-BA) para que ambos sigam na disputa contra Hugo Motta até que adiante o cenário do jogo de forças esteja mais definido em torno de uma das duas candidaturas. Olhando para o capítulo atual da disputa, Danilo Morais enxerga na divisão do centrão um terreno vacilante para a gestão Lula.
“É ambivalente: embora fortaleça a posição relativa do PT e do governo, torna a arbitragem em favor de uma das candidaturas politicamente custosa e com potencial de render sequelas relevantes para a coalizão governamental e mesmo uma reviravolta adversa na definição da mesa diretora. Com efeito, um [eventual] apoio do PT a Motta pode aproximar a candidatura desafiante da oposição bolsonarista, fortalecendo uma posição anti-intervenção do Planalto nos assuntos internos da Câmara. O governo contratou uma possível crise”, acredita o cientista político.
Lira
Membro legítimo do centrão e liderança de destaque nas costuras políticas do grupo desde antes de assumir a presidência da Câmara, Arthur Lira se tornou, nos últimos tempos, a figura mais vocal e poderosa do segmento. Apesar disso, como o jogo da política institucional é sempre dinâmico e novas lideranças podem surgir conforme a maré, ainda não se sabe se o deputado conseguirá resguardar esse capital junto aos correligionários após deixar o cargo. “Como um cardeal experiente do centrão, acredito que seguirá influente após deixar a presidência, pois a fratura no grupo é meramente conjuntural. O centrão é forte por sua união em torno de interesses paroquialistas, na barganha com o governo. Uma divisão pontual não deve afetar o seu senso apurado de autopreservação a longo prazo”, projeta Danilo Morais.
O cientista político Leandro Gambiati tem leitura semelhante a respeito da atual cisão de membros do centrão. “Esse bloco de partidos de centro e centro-direita sabe que a união faz a força, então, independentemente de eles terem diferenças neste momento da campanha, assim que a disputa se encerrar, eles novamente devem sinalizar pro governo que irão trabalhar unidos. Obrigatoriamente, o governo terá que negociar com esse grupo, que tem uns 280 deputados ou mais. Acho que tudo isso é temporário.”
Apesar disso, Gambiati diz acreditar que o futuro de Lira especificamente tende a depender sobremaneira dos rumos que o controle do orçamento público vier a assumir no país. “Acho difícil antecipar qual posição e força ele vai ter no jogo em 2025 porque teremos que ver se a estratégia que ele está implementando hoje vai dar certo, se o candidato por ele apoiado vencerá e também o que será definido sobre o orçamento. Hoje a Câmara está no controle das verbas, mas, como há muita pressão pra se modificar isso, não sabemos como vai ser”.