Não tem caminho que eu não ande. E não tem rio que eu não atravesse. E nem tem pau que eu não arranque. E nem tem pedra que eu não quebre… Força das Águas – Canção do hinário do Santo Daime. Versão similar encontrada também nos cantos rituais dos pajés Tremembé.
Nós, mulheres, somos maioria em nosso país. Os dados do Censo Demográfico (IBGE – 2022) registram que a população brasileira é composta por 104,5 milhões de mulheres (51,5%) e 98,5 milhões de homens (48,5%).
Ou seja, o Brasil tem seis milhões de mulheres a mais do que homens. Somos duas vezes mais mulheres do que a população de Brasília (2,8 milhões de habitantes), a terceira cidade mais populosa do país.
Somos, também, maioria entre as pessoas que votam. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Brasil tem cerca 81,8 milhões de eleitoras, aproximadamente 53% do universo votante, enquanto os homens são 74,1 milhões, o que corresponde a 47% do eleitorado brasileiro.
Segundo dados do Cfemea, quase 62% dos municípios têm maioria do eleitorado feminino, sendo Maceió cidade com maior proporção de mulheres eleitoras, 55%, e São Paulo o estado que lidera em número de eleitoras, mas o quarto colocado no ranking de maior proporção feminina. Na outra ponta, segundo o Cfemea, aparece o Pará com a menor proporção feminina.
Entretanto, esses dados estatísticos e eleitorais não refletem a realidade no comando das prefeituras brasileiras. De acordo com o Instituto Alziras, os homens são prefeitos de 88% dos municípios, enquanto as mulheres estão na chefia de apenas 12% das prefeituras, e as mulheres negras governam apenas 4% dos municípios.
O Estado brasileiro, por meio da Justiça Eleitoral, vem tentando reduzir essa desigualdade. O TSE determina (Lei 13.487, de 2017), que os partidos tenham, no mínimo, 30% de candidatas mulheres e destinem 30% do fundo eleitoral para os gastos das campanhas femininas.
O TSE tenta, também, coibir o fenômeno das chamadas “candidaturas-laranja”, em que mulheres são registradas como candidatas, mas, de fato, não concorrem, apenas passam os recursos para as candidaturas masculinas ou para outras finalidades de seus partidos.
As candidatas não podem, por exemplo, ter votação zerada ou inexpressiva, apresentar prestação de contas idêntica a outra e deixar de divulgar suas próprias campanhas. Caso um desses fatores seja identificado, o Tribunal pode aplicar penas como cassar o registro dos candidatos da legenda, tornar inelegíveis aqueles ou aquelas que, no entendimento, colaborarem com a prática e, ainda, anular os votos obtidos pelo partido.
ELEIÇÕES MUNICIPAIS NO SÉCULO XXI
O número de candidaturas femininas cresceu nas últimas sete disputas eleitorais municipais, entre 2000 e 2024. Em 2000, foram 1.150 candidatas, o que correspondeu a 8% do total de candidaturas. O percentual de mulheres candidatas em relação ao total aumentou ao longo das eleições: Em 2004, foram 10%; em 2008, 11%; em 2012, 2016 e 2020, 13%; e em 2024, 15%.
Os resultados eleitorais, entretanto, permaneceram no mesmo patamar, entre os 11 e 12% nos últimos pleitos. Entre os 5.568 municípios brasileiros, apenas 641 elegeram mulheres como prefeitas em 2016, 11,57% do total, com uma queda em relação a 2012, pleito em que foram eleitas 659 mulheres.
Em 2020, as primeiras eleições municipais com cota de 30%, exigência de pelo menos 30% dos fundos eleitoral e partidário e de 30% do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV para as candidaturas femininas, foram eleitas 658 prefeitas (11,8%), uma a menos que em 2012 e 17 a mais que em 2016. Estaticamente não regredimos, mas não conseguimos passar a barreira dos 12%.
Em depoimento à Agência Senado, o senador Paulo Paim (PT-RS) apontou, à época, como um dos problemas mais sérios enfrentados pelas mulheres candidatas em 2020 o fato de que os partidos não repassaram os 30% do Fundo Eleitoral para as candidatas, em particular para as candidatas negras que, destaca o senador, sofreram “mais uma forma de violência” e foram as mais prejudicadas.
ELEIÇÕES MUNICIPAIS EM 2024
De acordo com o TSE, o Brasil tem mais de 115 milhões de brasileiros e brasileiras em condições de ir às urnas em 2024. Já o número de eleitores e eleitoras com direito ao voto facultativo está na casa de 22 milhões, dentre os quais 12 milhões são mulheres.
Em nosso país, o voto é obrigatório a partir dos 18 anos. Para pessoas maiores de 70 anos e jovens com idade entre 16 e 18 anos, o voto é facultativo.
Dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), divulgados em matéria do G1, registram 2024 como o ano eleitoral com o maior percentual, 15% das vagas, de candidaturas femininas para as prefeituras desde 2000.
No total, a Justiça Eleitoral registra 15.455 candidaturas a prefeito ou prefeita. Dessas, 2.311 são de mulheres, o que corresponde a 15% do total. As candidaturas femininas estão distribuídas por 1.947 municípios. Outro dado é que, em 2024, 18% das candidatas concorrem à reeleição. O número de mulheres candidatas só supera o de homens em 189 municípios.
Em 101 municípios, a disputa vai envolver somente mulheres. Em 24 municípios, segundo a CNM, há apenas uma candidatura registrada e só tem uma mulher disputando, portanto, em candidatura única. Apenas em 35% dos municípios há pelo menos uma candidata na disputa.
O Nordeste é, segundo a CNM, a região com o maior percentual de candidatas, 37%. Em seguida, vêm as regiões Sudeste (28%), Sul (17%), Norte (10%) e Centro-Oeste (8%). Mais da metade das candidatas (52%) são de cinco partidos: MDB (13%), PT (11%), PSD (10%), PL (9%) e União Brasil (9%).
A CNM também divulgou o perfil das candidatas em 2024. Na maioria elas se declaram empresárias, advogadas, servidoras e professoras, têm idade média de 49 anos, são casadas (56%), têm curso superior completo (79%) e se dizem brancas (62%).
CANDIDATAS NAS CAPITAIS
Dados do Instituto Alziras mostram que, das 26 capitais de estados brasileiros, nos últimos dois pleitos eleitorais, somente duas, ambas no norte do país, elegeram mulheres para comandar suas prefeituras.
Em 2016, a turismóloga Teresa Surita (PMDB) foi reeleita no 1º turno com 79,39% para a prefeitura de Boa Vista (RR). Maria Teresa Sáenz Surita Guimarães foi primeira-dama do estado na gestão do então governador Romero Jucá, elegeu-se prefeita da capital por cinco vezes e deputada federal por Roraima por dois mandatos.
Em 2020, a fonoaudióloga e empresária Cinthia Ribeiro (PSB) obteve 36,24% dos votos para o executivo de Palmas (TO). Eleita vice-prefeita em 2016, desde 2018 Cinthia Alves Caetano Ribeiro já ocupava o cargo de prefeita de Palmas, em substituição ao prefeito eleito, Carlos Amasha, que, depois de um ano e três meses como prefeito, renunciou ao cargo para disputar o governo do estado.
Os resultados nas capitais refletem a disparidade nacional. Mesmo com o incentivo da Justiça Eleitoral, as mulheres são ampla minoria na disputa eleitoral de 2024.
Em 2024, o TSE atualizou as normas para prevenir fraude na cota de gênero, mas, ainda assim, tomando-se por referência apenas as capitais, um levantamento realizado em 8 de agosto pela Revista Xapuri mostra que apenas 38 mulheres estão na disputa para o cargo de prefeita nas 26 capitais dos estados brasileiros.
REGIÃO NORTE
Dentre as mulheres candidatas, nove são da Região Norte: Belém, 2; Boa Vista, 1; Macapá, 2; Palmas, 2; e Porto Velho, 2. Manaus e Rio Branco não registraram candidaturas femininas. Com relação à filiação partidária, são: 2 do partido União Brasil (RO, RR); uma do Republicanos (AP); uma do PSDB (AP); uma do PL (TO); uma do MDB (RO); uma da UP (PA); e uma do PSTU (PA).
REGIÃO NORDESTE
A Região Nordeste tem 11 candidatas, o maior número em todas as capitais: Aracaju, 5; Maceió, 2; Natal, 1; Recife, 3; Salvador, 1; São Luís, 1; Teresina, 1. Aracaju é a capital brasileira com o maior número de mulheres candidatas. As mulheres candidatas nas capitais do Nordeste concorrem pelos seguintes partidos: PT, 2 (SE, RN); PSOL, 2 ( SE, PE); MDB, 1 (SE); PL, 1 (SE); PSTU, 1 (PE); UP, 2 (AL, PE); e PCO, 1 (AL). Fortaleza e João Pessoa não registraram candidaturas femininas.
REGIÃO SUDESTE
No Sudeste, são oito candidatas: Belo Horizonte, 3; Rio de Janeiro, 2; São Paulo, 2; e Espírito Santo, 1. Com relação aos partidos: PDT, 1 (MG); UP, 2 (MG, RJ); PCO, 1 (MG); Novo, 2 (RJ, SP); PSB, 1 (SP); e PSOL, 1 (ES).
REGIÃO SUL
Na região Sul, há seis candidatas: Paraná, 3; Rio Grande do Sul, 3. Cada candidata concorreu por um partido: PSOL, 1 (PR); PMB, 1 (PR); PP, 1 (PR); PSTU, 1 (RS); PDT, 1 (RS); e PT, 1 (RS). O estado de Santa Catarina não registrou candidatura feminina a prefeita por nenhum partido.
REGIÃO CENTRO-OESTE
No Centro-Oeste, foram registradas 4 candidaturas de mulheres: Campo Grande, 2; Goiânia, 2. Em Cuiabá, nenhuma mulher concorre à prefeitura. Entre as candidatas, duas concorrem pelo PT (GO, MS); uma pelo PP (MS); e uma pelo União Brasil (MS).
POR QUE TAMANHA DESIGUALDADE?
Considerando o mapa das candidaturas femininas apenas nas capitais de estado, fica uma pergunta: Por que, apesar das ações afirmativas recentes do TSE, as mulheres continuam sendo minoria no contexto político?
Segundo a socióloga britânica Pippa Norris, que estudou a sub-representação das mulheres na política, a menor participação das mulheres em relação aos homens pode ser explicada por uma combinação de fatores históricos, sociais, culturais e psicológicos.
Há um histórico de apartação social, onde as mulheres foram excluídas do espaço público, incluindo a política. Durante séculos, as mulheres foram limitadas ao ambiente doméstico, enquanto os homens sempre participavam ativamente de decisões políticas.
Inclusive, o direito ao voto e à participação política efetiva das mulheres nas eleições é uma conquista recente em muitos lugares do mundo. Em diversos países, o sufrágio feminino só foi garantido no século XX, o que deixou as mulheres com menos tempo de participação política ativa.
No Brasil, o direito de votar só foi conquistado pelas mulheres, depois de muita luta, em 24 de fevereiro de 1932, por meio do Decreto 21.076, que instituiu o Código Eleitoral, criou a Justiça Eleitoral e também o voto secreto, no governo Getúlio Vargas.
Mas, de fato, as mulheres só puderam votar e ser votadas em 1933, para a Assembleia Nacional Constituinte, que consolidou o direito ao voto feminino na Constituição de 1934.
Além disso, culturalmente, as meninas e os meninos são socializados de maneiras diferentes. Homens são frequentemente incentivados a se engajarem em áreas competitivas e de liderança, como a política, enquanto mulheres são orientadas a papéis mais voltados para o cuidado e as relações interpessoais.
As mulheres muitas vezes não são incentivadas, desde cedo, a se interessarem por política ou a almejarem cargos de liderança, o que pode corroborar para a redução de seu interesse e envolvimento em debates e questões políticas.
Portanto, é importante que haja um fortalecimento de políticas públicas para garantir a participação das mulheres no contexto político, levando em consideração que as consequências da sub-representação das mulheres no Poder Legislativo podem impactar negativamente o avanço das pautas femininas no Brasil.
(*) Zezé Weiss – Jornalista. Editora da Revista Xapuri.
(*) Janaina Faustino – Gestora Ambiental. Gerente Executiva da Revista Xapuri
(*) Maria Letícia Marques – Ambientalista, antirracista e defensora dos direitos humanos. Estudante de Direito. Redatora voluntária.