A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) produziu um estudo especial sobre o comportamento do endividamento dos brasileiros durante a crise provocada pela pandemia do novo coronavírus. Utilizando os resultados mensais da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), a CNC analisou informações sobre o nível de comprometimento da renda do consumidor com dívidas no período, assim como contas em atraso, além da sua percepção em relação à capacidade de pagamento.
Existem hoje no Brasil quase 11 milhões de famílias (10.952.420) que possuem algum tipo de dívida. Há um ano, esse número era 5,8% menor (10.356.426, em julho de 2019). O percentual de endividamento dos brasileiros cresceu durante a pandemia: saiu de 66,2% em março para 67,4% em julho, alcançando o maior nível desde o início da realização da Peic, em janeiro de 2010. Porém, de acordo com a pesquisa, a trajetória crescente do endividamento já era observada antes da crise, com tendência ascendente desde o fim de 2018, acentuando-se no ano passado – coincidindo com o ciclo de redução dos juros. “Com condições de crédito mais favoráveis desde o início de 2019, as famílias vinham aumentando a aquisição de produtos mais dependentes do crédito, sustentando o consumo através do maior endividamento”, afirma o presidente da CNC, José Roberto Tadros.
O surto de covid-19 impactou de maneira bem diferente os dois grupos de renda estudados pela pesquisa da CNC. Enquanto a necessidade de crédito cresceu entre as famílias que recebem até 10 salários mínimos, com o percentual de endividamento saltando de 67,1%, em março, para o recorde de 69%, em julho, as consideradas mais ricas aumentaram a propensão a poupar, com este mesmo indicador caindo de 62,1% (março) para 59,1% (julho). “Em função da renda mais achatada, este primeiro grupo tem contraído mais dívidas durante a pandemia, pois precisa de recursos para financiar despesas correntes e manter algum nível de consumo”, explica Izis Ferreira, economista da CNC responsável pelo trabalho. “Já entre as famílias com rendimento mensal superior a 10 salários mínimos, o temor em relação à crise de saúde injetou cautela quanto aos gastos, e elas estão poupando mais.”
O tempo médio de comprometimento com dívidas entre as famílias endividadas aumentou durante a pandemia, passando de 7 meses em março para 7,4 meses em julho. A proporção de endividados com vencimentos de compromissos em até três meses apresentou redução a partir de abril. Por outro lado, aumentou a proporção de famílias com dívidas a vencer no prazo de 6 meses a 1 ano, assim como aquelas acima de 1 ano. “Esse movimento de alongamento das dívidas, ou seja, a procura por compromissos vincendos em prazos mais longos, melhora a capacidade das famílias de quitarem seus débitos. À medida que os prazos aumentam, as prestações tendem a ser menores, encaixando-se melhor nos orçamentos domésticos, que, naturalmente, foram encurtados com a crise”, destaca a economista da Confederação.
Inadimplência também cresce na pandemia
Com mais consumidores endividados, a inadimplência também aumentou durante a pandemia. Cresceu a proporção de famílias com contas ou dívidas em atraso (de 25,3%, em março, para 26,3%, em julho). “Em termos absolutos, pode-se dizer que, em cada dez famílias endividadas, quatro atrasaram alguma das dívidas em julho. Em março, essa razão indicava resultado um pouco menor, a cada dez famílias com dívidas, 3,7 precisaram atrasar o pagamento de algum compromisso”, ressalta Izis Ferreira. Assim como no indicador referente ao endividamento, o grupo de famílias de menor renda apresentou tendência de crescimento no percentual, nos últimos meses (de 28,4%, em março, para 29,7%, em julho). Já entre a parcela com rendimentos mensais acima de 10 salários, o índice se manteve praticamente estável desde o início do surto de covid-19: variou de 11,4% (março) para 11,2% (julho).
Neste período, acelerou também o percentual das famílias que declararam não ter condições de quitar os débitos no mês seguinte e que, portanto, vão permanecer inadimplentes. A proporção cresceu de 10,2%, em março, para 12%, em julho, atingindo o percentual mais elevado da série. No caso deste item, nota-se tendência positiva a partir de abril, nas duas faixas de renda pesquisadas. “Os consumidores estão se esforçando para evitar a inadimplência, mas, uma vez inadimplentes, encontram dificuldades para quitar seus compromissos financeiros em aberto”, diz a economista da CNC, ressaltando que o tempo de atraso das quitações diminuiu durante a pandemia. “Os atrasos acima de 90 dias, que vinham caindo desde fevereiro, continuam mantendo a trajetória declinante durante a crise.”
Cartão de crédito perde espaço com a crise
O cartão de crédito, que historicamente lidera o ranking de principal tipo de dívida entre os brasileiros, acabou por perder espaço durante os meses de pandemia. A modalidade, que chegou a representar 78,4% do total de dívidas em março, passou a 76,2% em julho. Izis Ferreira chama a atenção para o fato de que, assim como o cartão de crédito, o cheque especial também recuou no período, “ambos por serem modalidades consideradas mais caras atualmente”. Por outro lado, as dívidas cresceram no crédito consignado (6,3% para 8,2%), no crédito pessoal (8,2% para 9,2%), nos carnês de loja (16,2% para 17,6%) e nos tipos de financiamento – carro (10,3% para 11,3%) e casa (9,0% para 10,1%).
Acesse aqui a íntegra da análise da Divisão Econômica da CNC.