Ao Metrópoles, Élida Graziane lembra histórico envolvendo financiamento da educação no estado e diz que tema não tem recebido prioridade
Procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo (MPC-SP) e autora do livro “Financiamento dos Direitos à Saúde e à Educação, uma perspectiva constitucional”, a professora Élida Graziane Pinto diz que o governo de São Paulo não tem dado prioridade à manutenção de uma rede pública de ensino de qualidade.
Ao Metrópoles, Élida falou sobre problemas históricos de financiamento da educação no estado, em meio à aprovação da PEC do Manejo, que reduz de 30% para 25% o percentual mínimo de investimentos obrigatórios do estado com a área. A mudança na constituição estadual permite passar até R$ 11,3 bilhões da educação paulista para a saúde.
“Minha avaliação pessoal a respeito desse histórico desapreço pela política pública de educação no Estado mais rico da federação é que, de fato, não se trata de prioridade governamental oferecer ensino fundamental e médio públicos de qualidade, diferentemente do que se sucede com as três universidades estaduais paulistas”, afirma Élida.
A procuradora participou, no dia 13 de novembro, da Audiência Pública que debateu a PEC na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Na ocasião, defendeu que não havia sobra de recursos na educação, rebatendo argumentos trazidos pelo secretário-executivo Vinícius Neiva e o líder do governo na Alesp, Gilmaci dos Santos, para justificar a PEC.
Agora, ela volta a dizer que a mudança na lei é uma “cortina de fumaça” para esconder os desvios das verbas da educação para pagar aposentados.
“A PEC 9/2023 é apenas uma espécie de cortina de fumaça em meio a uma falseada disputa entre saúde e educação públicas, sem que se resolva o impasse previdenciário da cobertura do déficit financeiro da SPPrev”.
Como mostrou o Metrópoles, diferentes gestões que assumiram o comando do estado mais rico do país têm usado os recursos da educação para suprir o déficit no sistema previdenciário paulista. Só no governo Tarcísio, mais de R$ 24 bilhões destinados ao pagamento de inativos foram computados como se fossem despesas para manutenção e desenvolvimento de ensino.
A legislação federal sobre o tema (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) indica, no entanto, que a verba destinada à manutenção e desenvolvimento de ensino deve ser utilizada para gastos como o salário de professores, a compra de material didático e a manutenção de equipamentos.
O tema é alvo de atenção da procuradora há anos. “Esta tem sido a minha maior luta no âmbito do MPC-SP pelo prisma da política pública de educação… Lutamos juntos [com] vários colegas do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e do Ministério Público Federal (MPF), e alguns Procuradores-Gerais do MPC-SP emitiram parecer prévio desfavorável às contas de governador por causa desse impasse”, afirma.
Desde 2018, as gestões que governaram São Paulo se apoiam em uma lei estadual, aprovada pelo então governador Márcio França (PSB), para justificar a manobra dos recursos. A lei, no entanto, é alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF.
A procuradora foi uma das responsáveis por acionar a Procuradoria Geral da República (PGR), em 2020, na busca pela derrubada da lei paulista usada pelos governadores para manter a manobra. A ADI já teve voto favorável da ministra Cármen Lúcia, relatora do caso, mas ainda espera julgamento pela corte.
Também em 2020, o Supremo já havia declarado inconstitucional outra lei paulista, de 2007, que permitia utilizar a verba da educação para o pagamento do déficit previdenciário, e era igualmente questionada pela procuradora.
Em 2013, uma análise de Élida sobre as contas da Secretaria da Educação já apontava o desvio de recursos de uma área para a outra como um dos fatores que contribuíram para os problemas atuais da rede pública de ensino, ao lado de questões como o alto número de professores temporários e a evasão escolar.
Na ocasião, ela afirmou ser “inadmissível computar como manutenção e desenvolvimento do ensino a cobertura de déficit financeiro de regime próprio de previdência, porque tal despesa não revela qualquer atividade-meio ou atividade finalística de manter e aperfeiçoar o ensino público no Estado”.
Élida cita os casos pregressos para dizer que é neste contexto histórico, de não priorização da educação, que tramitou a PEC do Manejo.
“Na audiência pública da Alesp, defendi que a saúde pode ser melhor financiada, inclusive, com a revisão das renúncias fiscais, mas os deputados, bem atendidos por liberação extraordinária de emendas ao orçamento, votaram, em 1⁰ turno, a PEC 9 naquele mesmo dia à tarde”.
Para ela, o governo paulista tem escolhido negar prioridade ao ensino público.
“O cenário de retrocesso no Ideb do ensino médio da rede pública paulista verificado em 2023, já sob gestão do atual governo, prova claramente que a ignorância, como já alertava o saudoso Darcy Ribeiro, é um projeto, ou dito de forma clara na seara orçamentária, é uma escolha por negar prioridade alocativa à educação pública na maior rede estadual de ensino do Brasil”, finaliza.