Numa das minhas estadias em Salvador me reencontrei com Fernando Magalhães, de Bom Jesus da Lapa, naquela época trabalhando na capital baiana.
Eu o conheci na Lapa atuando como diretor de teatro amador.
Estávamos em 1987, primeiro ano do governo Waldir Pires.
Fernando, nesse tempo, estava batendo ponto no Instituto de Radiodifusão da Bahia-IRDEB.
A certa altura do nosso agradável bate-papo -não é preciso dizer que era em um boteco né?-, ele propôs que eu fosse entrevistado na rádio Educadora FM. braço radiofônico do IRDEB.
Topei a parada sem vacilação.
Hora e dia marcados, manhã cedinho, na Carlos Gomes peguei ônibus e descambei pra Federação, fim de linha.
Em lá chegando o próprio Fernando me recepcionou e me conduziu ao estúdio.
O programa se chamava Ensaio Geral, mas do repórter não consigo recordar o nome, algo assim como Carlos Roberto ou Alberto.
A previsão era entrevista de dez minutos.
Falei, pra começo de conversa, sobre as experiências do jornal O Posseiro e da Biblioteca Campesina, àquela altura com 8 e 7 anos de existência respectivamente.
Não sei por que, o repórter não encerrou no tempo previsto a entrevista, esta já chegando aos 15 minutos.
De repente o telefone toca. Era um ouvinte sugerindo ao radialista que me incitasse a falar sobre a trajetória do advogado Eugênio Lyra no Vale do Rio Corrente.
Nesse tema eu passeio, pensei comigo mesmo.
Não podia deixar de, entre outras coisas, falar do tristemente famoso Coquetel dos Grileiros realizado na sede da AABB em Santa Maria com a presença massiva de autoridades civis e militares. Só não tinha eclesiásticas porque os padres italianos eram da ala progressista, aliados de Eugênio.
Grileiros e pistoleiros era mato…
Foi nesse Coquetel que se decidiu a sorte/morte do corajoso defensor dos posseiros, pobres do campo.
Uma das presenças mais marcantes nesse macabro evento foi a de Joaci Góes, dono da Tribuna da Bahia, o segundo maior jornal do estado, e da Coribe Agropecuária, sediada no município homônimo. Ele veio de avião de Salvador exclusivamente para essa reunião de sanguinários, recebido efusivamente no auditório com pompa e circunstância [bombos y platillos].
Eu não marcaria a bobeira de deixar escapar aquela oportunidade de ouro de denunciar o empresário da comunicação e grileiro naquela emissora de rádio estatal.
Cai o pano.
Anos 90s, primeira metade.
Tou em Brasília me self-servindo no restaurante Mistura Brasileira [de Alice Maravilha, uma morena mignon], Conic, centro comercial popular.
Mal dei a primeira garfada, quem adentra no recinto? Ele mesmo! Fernando Magalhães, o mero mero em pessoa.
Foi aí, quase 10 anos depois, que ele me disse que, quando falei da participação de Joaci Góes na trama para matar Eugênio, os telefones da Educadora em todos os ramais começaram simultaneamente a pipocar, soar.
Eram os eleitores baba-ovos de JG histericamente estrilando:
— Tira esse maluco irresponsável daí! Fecha o microfone pra ele! Joaci é da base aliada de Waldir.
Debalde!
O bate-papo na rádio se encerrou com quase uma hora de duração.
Liberado da missão, fui baixar no Terreiro de Jesus, Cantina da Lua, mestre Calá o legendário dono.
Quebrar umas brejas e louras líquidas que não sou de ferro e sim de pele e osso.
Biblioteca Campesina, 12 março 2025.
(*) Joaquim Lisboa Neto, colunista do Jornal Brasil Popular, coordenador na Biblioteca Campesina, em Santa Maria da Vitória, Bahia; ativista político de esquerda, militante em prol da soberania nacional.
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