O Governo Federal lançou em 2023, por meio do Ministério da Educação (MEC), a Estratégia Nacional de Escolas Conectadas. O objetivo, segundo a apresentação do próprio programa na página institucional eletrônica do MEC, é o de promover um “esforço do governo federal, em colaboração com os sistemas de ensino, que visa direcionar e garantir a conectividade para fins pedagógicos em todas as escolas públicas de educação básica do País e o apoio à aquisição e melhoria dos dispositivos e equipamentos presentes nas escolas”.
Trata-se, obviamente, de uma causa nobre e mais necessária do que nunca. Mas é fundamental sabermos a origem desse projeto no governo brasileiro e de como ele pode estar articulado ao que falamos aqui em nossa última coluna sobre o processo de plataformizaçãoda educação. O uso mediado das tecnologias nos processos pedagógicos, como tem sido proposto e implementado no Brasil e em boa parte do mundo (é um fenômeno global), tem afetado, em um contexto de absoluta falta de regulação e debate público sobre o tema, todas as relações sociais no ambiente escolar e da educação em geral, além de implicar fortemente na desvalorização do trabalho docente e no incremento da mercantilização da educação.
Essa não é uma conversa de agora e tampouco se iniciou a pouco tempo. Começa ainda sob o combalido governo de Dilma Roussef em 2015, à época já colocado contra a parede pelo golpe que se avizinhava. Nessa época, o programa era tocado por grandes fundações privadas que vendiam seus serviços de educação digital para os/as educadores/as. Já na gestão de Abrahan Weintraub no MEC, no final do ano de 2019, ele foi internalizado como política púbica tocada pelo ministério, renomeado e anunciado com pompas de maior revolução na educação nos últimos 20 anos. O programa “Educação Conectada” prometia atender 100% das escolas públicas brasileiras até o final de 2020. Desse “esforço” do governo Bolsonaro, surgiram as denúncias de venda de kits de robótica a escolas que sequer tinham redes de infraestrutura básica para a conexão com a Internet. E também no mesmo bojo, não se pode esquecer, toda a facilitação feita, desde 2017, a empresa de Elon Musk Starlink, que oferece o serviço de Internet via satélite nas áreas rurais brasileiras. E que ainda hoje domina o mercado, se prestando até a alimentar os grileiros em terras indígenas nas áreas mais remotas da Amazônia.
No atual governo, essa política que parece sobreviver a todas as gestões e orientações políticas de momento, foi apresentada como Estratégia Nacional de Escolas Conectadas, no mesmo período em que o Banco Mundial (BM) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), através de suas agências de fomento, anunciamo programa “Escolas Conectadas para Todos”, uma parceria voltada aos países da América Latina e Caribe que, segundo os propósitos anunciados,“aumentará o apoio aos esforços de desmatamento líquido zero na Amazônia, fortalecerá a resiliência do Caribe a desastres naturais e impulsionará o acesso a tecnologias digitais em toda a América Latina e no Caribe”. Nunca é demais lembrar que o atual presidente do BID, eleito em 2022, é o economista israelense-brasileiro Ilan Goldfajn, ex-presidente do Banco Central brasileiro na gestão do governo de Michel Temer.
A educação passa a ser agora, mais do que nunca, um setor central para investimento tanto de recursos quanto de políticas nesse campo. Com o propósito de desenvolver “planos para reduzir as desigualdades no acesso a tecnologias digitais na educação, garantindo que os jovens tenham as competências necessárias para a economia de amanhã”, as agências de fomento ligadas ao BM e ao BID condicionam vultosos empréstimos financeiros aos países se, e somente se, os governos locais adotarem determinadas políticas. E assim se constroem as chantagens que se impõem sobre os governos.
Aqui dentro do Brasil, nós estamos acompanhando de perto a verdadeira obsessão dos governos dos Estados do Paraná e de São Paulo, talvez os mais identificados com a extrema direita política em nosso país, em impor modelos de plataformizaçãonos seus sistemas de ensino. E isso, como já alertado por nós no artigo passado, vem acompanhado de um processo incremental e violento de mercantilização. O objetivo, não nos enganemos, não é dar acesso à Internet a nossos/as estudantes. Trata-se de transferir recursos orçamentários, que antes eram destinados aos sistemas eequipamentos públicos educacionais, para os setores privados e empresas que são “donas” dessas plataformas, agora vendidasmuito caras aos governos.
E se não bastasse isso, esse movimento de impor plataformas educacionais no processo educacional de nossas escolas traz consigo um profundo ataque ao trabalho dos/as professores/as (que passam a ser meros tutores das plataformas), além de se prestar à captura de dados dos/as estudantes. É urgente que tomemos conta e consciência desse processo para não sermos engolidos um pouco mais à frente.Não nos iludemos! Eles não querem a melhoria tecnológica para nosso povo. Eles querem é o recurso da educação. Que possamos, atentos a essa artimanha, construir instrumentos e plataformas digitais públicas e soberanas para o nosso povo e nossa educação.
(*) Heleno Araújo é presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE e professor das redes públicas de educação básica do Estado de Pernambuco e do Município de Paulista – PE.