Trabalhadores conquistaram home office em mesa de negociação com patrões, compromisso de não haver demissões, mas pressão por metas e recuperação econômica impõem atenção e vigilância ao cumprimento de acordos nas agências bancárias
Imagine acordar às 7h da manhã de segunda a sexta-feira para trabalhar. Chamar os filhos, contar com a ajuda do marido para levá-los à escola. E, ali pelas 9h, ir para o ponto do ônibus e se dirigir ao trabalho. Meia hora depois, a trabalhadora assume seu posto de caixa numa agência qualquer do Brasil da Caixa Econômica Federal. Mais meia hora adiante e o caos da pandemia irá se materializar mais uma vez em frente ao seu guichê de trabalho. A rotina descrita aqui é normal para cerca de 600 mil bancários e para outros 100 milhões de trabalhadores brasileiros.
Muita coisa mudou para o pessoal de bancos públicos como a Caixa e o Banco do Brasil, e dos bancos privados, como Itaú, Bradesco e Santander, há cerca de dois meses. É normal ajudar pessoas claramente desorientadas, sem informação, com documentação precária não fosse o caos imposto pela pandemia da Covid-19, a doença do novo coronavírus. E mais: aquilo que muitos patrões chamam de “novo normal” para impor perdas de direitos e mandar nos acostumarmos à dureza de renda menor e mais trabalho, estabeleceu-se nas agências da Caixa por todo o Brasil sob a forma de filas.
Pessoas aglomeradas como se estivessem indo para um abate dobram esquinas uma atrás da outra. E aquele aglomerado que mais parecem peças de dominó serpenteia uma rua até outra mais adiante. Como se fossem gado em busca de um auxílio emergencial, que o governo Bolsonaro demorou tempo demais para liberar aos pobres, justamente aqueles que adoecem e tombam em maior quantidade pelo vírus, eles se encaminham para o sacrifício da longa espera. São de R$ 600 a R$ 1.200 de auxílio, CPFs mal digitados, nomes com grafias erradas e um risco de contaminação para os bancários galopante. Sempre falta o dinheiro na conta e sobra angústia.
Ainda não se tem dados exatos sobre o padecimento dos(as) bancários(as) desde que seu trabalho foi definido em decretos como serviço essencial a depender de Estado ou Município. Há relatos que dão conta de adoecidos, isolados na família, internados em UTIs e seis mortos em todo o país até o dia 20 de maio.É fato que uma categoria que tem uma Convenção Coletiva Nacional (CCT), uma única data-base em todo o país e uma estrutura sindical forte consegue avançar em mesas de negociação.
Desde que o Comitê de Crise do Coronavírus foi instalado com representantes dos trabalhadores pelo Comando Nacional dos Bancários e da Federação Nacional dos Bancos (Fenaban), em março, muito se avançou na proteção dos trabalhadores do setor financeiro. As reuniões são permanentes. Há uma mesa em que as cobranças aos patrões são pesadas e onde se conquistam avanços.
Desde que a maior parte dos decretos de restrições foram sendo editados pelo país, a partir da metade de março, cerca de 230 mil bancários trabalham em home-office. Muitos levaram seus computadores de trabalho para casa e batem o ponto remotamente. “Estamos preocupados com a saúde de todos os colegas. As filas nas agências bancárias são de assustar. Lidamos com a incompetência do governo Bolsonaro, com a insensibilidade de governadores e prefeitos e com medidas que deveriam ser de fechar as agências ou restringir muito a aglomeração”, afirmou o presidente do SindBancários de Porto Alegre, Everton Gimenis.
Se uma frente de batalha da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), das federações pelos estados e dos Sindicatos de todo o país é proteger a saúde dos trabalhadores expostos ao coronavírus nas aglomerações das filas em agências, a outra é lidar com o discurso de crise.
A ideologia da lei do mais forte impõe metas. A recuperação econômica e os efeitos da pressão por liberação geral de comércio e indústria são entendidas como metas abusivas pelos bancários. Nos bancos, vigora a ideologia da lei do mais forte. É preciso vender mais, trabalhar mais e compensar as supostas perdas da crise. Entra em cena, a cobrança de metas, a pressão e o assédio moral. Elas foram tão abusivas que chegaram a gerar demissões.
Na área de abrangência do SindBancários de Porto Alegre, uma bancária do Bradesco, do grupo de risco (acima dos 60 anos e com doenças crônicas) foi demitida no final de março. O Sindicato acionou a área jurídica e conseguiu reintegrar a trabalhadora, alegando o compromisso dos bancos assumido nas negociações com o Comando Nacional dos Bancários de não demitir ninguém em todo o Brasil por 120 dias.Mas os bancos não são fáceis.
A Caixa, por exemplo, resolveu estender o Projeto Remoto, aquele do trabalho em home office até dia 30 de maio depois de muita pressão. Mesmo que os dados dos casos de Covid-19 já estejam perto dos 300 mil e quase atingem 18 mil mortes neste final de maio no Brasil. São a prova de que o dinheiro vem antes das vidas para os banqueiros.
Como diz a secretária da Cultura e representante Contraf-CUT, Fabiana Uehara Proschold, nas negociações com a Caixa, o segredo é manter-se de olho nos bancos. “Qualquer coisa diferente do que negociamos, ainda mais precedida de pressão e afins, deve ser denunciada ao sindicato”, afirmou. A vigilância é eterna.