Mark Rutte assume, nesta terça-feira (1º), o cargo de secretário-geral da OTAN. Diante de um mundo em que o bloco militar europeu perde proeminência e o foco geopolítico se direciona à Ásia, o ex-primeiro-ministro holandês não só continuará a política beligerante da OTAN como seguirá tomando ordens dos EUA.
Jens Stoltenberg, secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), passou o bastão nesta terça-feira (1º) para o ex-primeiro-ministro holandês Mark Rutte, que assume o posto em um momento de inflexão para o bloco militar.
Frente a uma mudança do palco geopolítico da Europa para a Ásia — muito em decorrência do desenvolvimento da China enquanto segunda maior potência mundial, assumindo o antigo posto da União Soviética —, a OTAN repensará sua atuação?
À reportagem, Rubens de Siqueira Duarte, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) afirma que “os principais desafios de Rutte são os mesmos que a OTAN enfrenta nos últimos anos”, como o embate à Rússia e a falta de cooperação interna.
“A crise de legitimidade deixada pela péssima atuação da OTAN nos Balcãs parece ter sido superada diante de um inimigo externo em comum: a Rússia.”
Criada para conter a Rússia
Em entrevista à Sputnik Brasil, Vinicius Modolo Teixeira, professor de geopolítica da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) e especialista em organizações de tratados militares entre países, explica que desde que foi criada, a OTAN tem como intuito conter o que Estado que hoje conhecemos como Rússia.
Desde antes da Segunda Guerra Mundial, a Europa via com preocupação a extensão do território russo, seja na forma de Império Russo, seja como União Soviética, e seu domínio da “heartland”, conceito do teórico Halford John Mackinder usado para definir o centro euro-asiático, região que possui vastos recursos naturais.
“Esse território é tido como o mais importante e efetivamente quem o governasse dominaria o mundo”, explica Modolo.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a ascensão da União Soviética como potência anti-hegemônica, foi implementada pelas potências ocidentais a política de contenção, postulada por George F. Kennan.
A medida se deu de diversas maneiras, mas a de maior destaque foi a criação de blocos militares, do qual a OTAN é o mais célebre, mas que também podem ser mencionadas a Organização do Tratado Central (CENTO) e a Organização do Tratado do Sudeste Asiático (SEATO).
Depois da Guerra Fria, destaca Modolo, que é também coordenador do Laboratório de Desenvolvimento Territorial e Geopolítica (DTG-Lab), houve ainda uma tentativa de separação da Federação da Rússia em pequenos territórios, como prova do medo que a extensão territorial da recente federação causava nas mentes ocidentais.
Hoje, com a proximidade gradual da OTAN das fronteiras russas e o início da operação especial na Ucrânia, as conversas sobre a fragmentação do Estado russo retornaram tanto na mídia quanto na política por forças que veem na pluralidade étnica do país uma desculpa para a balcanização da Rússia.
“A União Soviética deixou de existir, mas a teoria do heartland e o poder que a sua dominação adviria ainda existem. E a existência da OTAN é justificada por essa perseguição, pelo domínio do território do centro da Eurásia.”
OTAN: nova chance sob Rutte?
Eleito para um mandato de cinco anos e podendo ser reeleito por mais cinco, o líder da organização é geralmente dada a um diplomata ou político europeu, enquanto o controle militar é dado a um general estadunidense, o mesmo que chefia o Comando Europeu.
Como foi adiantado por Rubens Duarte, que coordena o Laboratório de Análise Política Mundial (Labmundo), Rutte não terá muita margem de ação para mudar os rumos da OTAN, uma vez que os problemas que a organização enfrenta são os mesmos que ela historicamente enfrentou.
Modolo, por sua vez, concorda em parte com a opinião do professor da ECEME. Segundo o professor da UNEMAT, o secretário-geral atua mais como um porta-voz das vontades dos países integrantes em vez de realmente ditar os rumos da organização militar.
“O secretário-geral da OTAN atua de uma maneira a responder aos anseios de quem está por trás dele que são esses países mais poderosos: Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha.”
O histórico de Rutte, no entanto, é conhecido pelos países-membros da OTAN e portanto deve ter sido levado em consideração para sua escolha como novo líder do grupo.
Nesse sentido, Molodo destaca que o político é conhecido por sua personalidade “negociadora” e por ter “pouca experiência na área de Defesa”. Ou seja, sua eleição pode significar um novo capítulo no conflito ucraniano, se assim for o desejo das potências ocidentais.
No entanto, esse não parece ser o caminho que os países-líderes da OTAN querem seguir. Em seu primeiro discurso como secretário-geral, Rutte destacou que uma Ucrânia forte e integrante do bloco militar é necessária para a segurança europeia e direcionou suas críticas ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, e à China.
As falas, infelizmente, retomam a ideia de contenção euro-asiática contra a Rússia e, agora, a China.