“Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados” (Millôr Fernandes)
Cabe a todos nós, brasileiros, verdadeiramente patriotas, lutar pela reconstrução do Estado Nacional, pela reestatização das ações do Estado entregues por valores ínfimos à sanha privatista do Consenso de Washington, colocar a educação, a saúde e o trabalho como elementos indispensáveis à soberania nacional, devendo ser função do Estado sua execução, manutenção e proteção
Qual o povo mais enganado? Certamente aquele pior informado; que ao invés de conhecer a realidade, se nutre de fantasias, de pregações ideológicas. O brasileiro é um povo bem informado, que conhece a realidade do seu país, que tem conhecimento das origens de seus males, que são muitos? Lamentavelmente, não.
Entre notáveis brasileiros, um foi Alberto Tôrres (1865-1917). Fluminense de Itaboraí, governador (Presidente da Província) do Rio de Janeiro, de 1897 a 1900, fez de sua trajetória política mais um dedicado magistério sobre o Brasil e a política nacional e fluminense do que de cata de votos. Deixou-nos numerosos escritos, como este, no jornal “O Povo”, em 1899, onde enumera os que vivem à farta no Brasil: “a família Imperial, a corporação extravagante dos políticos, dos banqueiros, os validos palacianos e os caudilhos eleitorais” (Barbosa Lima Sobrinho, “Presença de Alberto Tôrres”, Civilização Brasileira, RJ, 1968).
Seria uma característica brasileira? Claro que não.
Na década de 1970, as finanças, para combater o petróleo como fonte primária de energia, criaram as “crises do petróleo”, imputando-as aos produtores árabes, da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). E como a marcar a diferença entre as culturas do Oriente Médio e as europeias, estas finanças divulgaram o príncipe sueco ou norueguês pedalando sua bicicleta pela cidade, numa demonstração que o petróleo não era insubstituível. Mas não teve o mesmo empenho em demonstrar quanto do orçamento do país era destinado a manter a confortável vida, em férias permanentes, da nobreza da Nação.
Quase 70 anos antes, Alberto Tôrres mostrava, e os brasileiros concordariam, que era absolutamente despropositado despender qualquer percentagem do orçamento nacional para manter uma família e seus bajuladores, acólitos, serviçais. E também alertava sobre a classe dos banqueiros e daqueles que tinham na política a profissão, não a missão de defender o povo.
Getúlio Vargas assume, em 03 de novembro de 1930, a Presidência do Governo Provisório da Revolução Vitoriosa em 24 de outubro de 1930. Promulgada a Constituição, em 16 de julho de 1934, Getúlio é eleito, em 17 de julho, Presidente Constitucional do Brasil, vencendo seu opositor, Antônio Augusto Borges de Medeiros, por 175 a 59 votos.
A Constituição Brasileira de 1937, outorgada pelo presidente Getúlio Vargas, em 10 de novembro de 1937, mesmo dia em que implanta o período do Estado Novo, buscou defender o Brasil de ameaças ideológicas estrangeiras que varriam o mundo e, em especial, a Europa naquele momento. Lembrar que, em 1º de setembro de 1939, com a invasão da Polônia pelo exército alemão, tem início a II Grande Guerra, que cerceou a liberdade ampla em todos os países.
Vargas havia criado, para transmissão pelas rádios, o “Programa Nacional”, que foi ao ar, pela primeira vez, no dia 22 de julho de 1935, na voz do locutor carioca Luís Jatobá. Em 1938, passou a ter transmissão obrigatória, com horário fixo das 19 às 20h, mudando sua denominação para “A Hora do Brasil”. Em 1962, entrando em vigor o Código Brasileiro de Telecomunicações, o programa passa a ser denominado “A Voz do Brasil”.
OBJETIVOS ATUAIS DAS FINANÇAS APÁTRIDAS
Desde a Revolução de 1930, com melhores e outros não tão bons momentos, o Brasil cresceu, criou sua indústria nacional, desenvolveu tecnologias adequadas às condições brasileiras, gerou emprego e renda para grande parte dos cidadãos, e escolas para maior compreensão da nossa realidade e capacitação para o trabalho. Durou meio século este desenvolvimento.
Na década de 1980, as finanças apátridas obtêm duas grandes vitórias que reverteram a situação de progresso político, social e econômico que o mundo, em geral, conhecia: as desregulações financeiras, iniciadas nas duas maiores praças: Londres e Nova Iorque, e a edição do decálogo orientador dos governos de todos países, denominado “Consenso de Washington” (1989).
Os malefícios do poder das finanças no mundo estão exigindo a pena de um Alberto Tôrres para os enumerar. Sem esta pretensão, nos restringirmos a três males: as falácias das comunicações de massa, a invasão da corrupção em todos os níveis da sociedade humana e o desmonte dos Estados Nacionais.
AS MÍDIAS
Jornais, televisão, telefone, computador, celular e internet são os principais meios de comunicação da contemporaneidade. Até 1980, as propriedades das mídias eram diversificadas. Ainda que de ampla maioria conservadora, existia certo tipo de disputa, de concorrência que obrigava à diversidade de tratamento e mesmo do foco sobre determinados setores da vida nacional e daqueles sobre os estrangeiros.
Jornais, revistas e canais de rádio mais voltados para a política e para o funcionamento dos órgãos públicos, outros para os esportes e notícias de atividades criminosas, outros, ainda, para divulgação e análise de acontecimentos culturais. A televisão ainda tinha um conteúdo maior de entretenimento, que invadia até os noticiários.
Pode-se afirmar que, no geral, as mídias se apresentavam como intermediárias entre a geração dos fatos, nem sempre acessíveis aos seus interessados, e este público que recebia as informações. Esta ação vicária era e continua sendo usada para a doutrinação, atualmente para formação do “pensamento único”, da “globalização”, do “mercado” no lugar do Estado.
Foram as finanças que melhor entenderam a importância da teoria matemática da informação, da cibernética e a levaram para a comunicação de massa e seu domínio.
O caso Dreyfus, em dezembro de 1894, marcaria a imprensa escrita europeia (o jornalista Bernard Lazare, em novembro de 1896, publicou, na Bélgica, o inflamado “Um erro judiciário: a verdade sobre o Caso Dreyfus”). Em janeiro de 1898, o jornal parisiense “L’Aurore”, dirigido por Georges Clemenceau — futuro primeiro-ministro na época da I Grande Guerra — estampou na primeira página a carta-aberta ao presidente Félix Faure intitulada “J’ccuse”, do renomado escritor Émile Zola. Divisão na reação popular e condenação ao processo judicial no “Affaire Dreyfus”.
O rádio se torna o mais importante veículo com o uso que dele faz o presidente estadunidense Franklin Delano Roosevelt, entre 1933 e 1944, ao iniciar suas famosas “conversas ao pé da lareira”, explicando o mundo conturbado da II Grande Guerra, imprimindo, pela voz, intimidade, segurança, e até proximidade, no tom de conversa. Permitia, também, que a complexidade das “razões de Estado”, sofressem simplificação e superficialidade com que os temas políticos passariam a ser tratados nos Estados Unidos da América (EUA), exemplo para o mundo.
O cinema será a mídia do III Reich. Para o que Adolf Hitler contou com Helene Bertha Amalie “Leni” Riefenstahl (1902-2003), representante dos ideais da estética nazista, nascida e falecida na Alemanha. A própria passividade da população alemã diante das atrocidades da guerra, para não falar na colaboração, somada ao elevado índice de assistência dos filmes, por quase uma década (1935 a 1945), indicam que o cinema teve papel fundamental na visão popular sobre a política de então.
A televisão traz a ideia do espetáculo, ainda que confirme a constatação do canadense Marshall McLuhan (1911-1980) de que o novo meio incorpora funções do meio anterior: a diversão no cinema e na televisão seriam os exemplos.
Tudo, no entanto, se transforma quando as mídias passam para o controle das empresas gestores de ativos e, coerentemente ao modelo financeiro, em processo de permanente absorção das mais fracas pelas mais poderosas. Hoje, não mais do que algumas dezenas de “gestoras” controlam praticamente todas as mídias.
Buscando os controles acionários das televisões, das produtoras cinematográficas, das rádios, jornais, revistas e, principalmente, das mídias digitais, eletrônicas, o caro leitor encontrará sempre: BlackRock, Vanguard Group, Fidelity Investments, State Street Global, J.P. Morgan Chase, Allianz Group, Capital Group, Goldman Sachs, BNY Mellon, Amundi, UBS, Legal & General Group, Prudential Financial, T. Rowe Price Group, Invesco, Northern Trust, Franklin Templeton e/ou BNP Paribas.
Dominando as comunicações, as finanças influenciam quase a totalidade das informações que a população tem acesso, suas razões e seus entendimentos, o povo passa da categoria de cidadão para de crente, ele segue o pensamento e a conduta definidos como corretos pela mídia. Constituirá, certamente, um povo enganado.
A CORRUPÇÃO
Robert Skidelsky comparando o que economistas designam “Era de Ouro do capitalismo” europeu e estadunidense (1950 a 1970), com o período por ele denominado “Consenso de Washington” (1980 a 2009), aponta o crescimento médio global da economia de 4,8% para o primeiro período e 3,2% para o segundo.
E com as seguintes taxas de desemprego, nos mesmos períodos: para os EUA, 4,8% e 6,1%; para o Reino Unido, 1,6% e 7,4%; para França, 1,2% e 9,5%; e para Alemanha, 3,1% e 7,5% (R. Skidelsky, “Keynes: The Return of the Master”, Allen Lane, UK, 2009).
Neste livro, Skidelsky afirma ser o centro do pensamento e da práxis atuais a liberdade negativa — a ideia de que a sociedade e aqueles que a governam não devem fazer qualquer julgamento sobre o que é desejável para as pessoas, mas apenas deixar os indivíduos tão livres quanto possível para perseguir seus objetivos, sejam eles quais forem.
Com relação à economia, a visão “mainstream” vê o capitalismo como um fim em si mesmo, a expressão da vontade da população retransmitida “via mercado”. Isso contrasta com a visão de Keynes de que o capitalismo é um meio e não um fim, e deve permitir que as populações tenham lazer, busquem a “boa vida”, principalmente vivendo de forma ética e apreciando os prazeres que se encontram nas relações humanas.
Robert Jacob Alexander (1939), não é comunista ou socialista, mas um oxfordiano e, desde 1992, membro do Partido Conservador inglês. Historiador econômico, autor de numerosos trabalhos, principalmente analisando o legado de Lord Keynes, tem conhecimento e responsabilidade para colocar o “Consenso de Washington” como corruptor da sociedade.
E começa por fazer do voto comprado, da ignorância dos fatos pelas mídias que são propriedades financeiras, e o eleitor nem sabe em quem nem para o que está votando, a “democracia”.
A Lei nº 14.185, de 14 de julho de 2021, é um exemplo da corrupção. Ela tem origem no Projeto de Lei (PL 3877, de 10/11/2020), do senador Rogério Carvalho – PT/SE. Tramita em regime de urgência. Na Câmara dos Deputados recebe parecer favorável da deputada Joice Hasselmann (PSL-SP). Votada em turno único.
Qual assunto é tão importante e de tamanha urgência que vai do projeto de lei à sanção presidencial em oito meses, passando pelas duas casas do Congresso?
Esta lei autoriza os bancos a transferirem, no fim de cada expediente, os saldos existentes em todas as contas, de todas agências, de todos os clientes, para aplicação no Banco Central. E receber os valores transferidos, com os juros da aplicação, na manhã do próximo dia de funcionamento dos bancos.
Traduzindo, esta lei transfere recursos públicos para o enriquecimento dos bancos, ou seja, do sistema financeiro, e ainda, como bônus especial, aumenta o valor da Dívida do Governo, que justificará a manutenção de taxas de juros em altos patamares.
“Art. 1º Fica o Banco Central do Brasil autorizado a acolher depósitos voluntários à vista ou a prazo das instituições financeiras.
Parágrafo único. A remuneração dos depósitos referidos no caput deste artigo será estabelecida pelo Banco Central do Brasil”.
Porém a corrupção, pelas mídias, parece ser aplicável somente a pessoas físicas, nunca em instituições, e cujas atividades políticas, empresariais ou midiáticas causam empecilho aos assaltos ao Tesouro Nacional, como o da lei mencionada.
O Brasil perde, promovendo legalidade à maior transferência indevida de recursos públicos, diante da qual, o maior desfalque de um político ou funcionário público, é verdadeiramente insignificante, confrontado com um “depósito voluntário”.
O FIM DO ESTADO NACIONAL
Tudo que até aqui escrevemos é, sem dúvida, muito sério e merece toda atenção dos brasileiros. Mas o que reservamos para o final é vital. Trata da nossa própria existência como cidadãos brasileiros. Na breve síntese do livro de Robert Skidelsky, nosso caro leitor pode observar a citação do “mercado”, como a referência para a vida das pessoas.
Mas quem é o “mercado”, senão o ápice da concentração de renda, o maior exemplo de tirania, que lhe obriga a comprar o que não lhe interessa e a desdenhar o que verdadeiramente lhe importa? E, mais grave, é quem promove a destruição do Estado, iniciando pela sua ação fiscalizadora, pelos órgãos que deveriam obrigar a sujeição de todos à lei, democraticamente.
O decálogo “Consenso de Washington” objetiva, explicitamente, diminuir a regulação e o controle da economia, adotar o livre mercado, reduzir o tamanho do Estado e aumentar a abertura econômico-financeira para o exterior. Resumindo, entregar a vida das pessoas, em todo mundo, aos capitais sediados nos paraísos fiscais, que decuplicaram entre 1980 e 2000.
Três exigências do Consenso de Washington:
a) Política de Privatizações: reduzir ao máximo a participação do Estado na economia, no sentido de transferir, a todo custo, as empresas estatais para a iniciativa privada.
b) Redução fiscal do Estado: reduzir os gastos do Estado através do corte em massa de funcionários, terceirizando o maior número possível de serviços, e diminuição das leis trabalhistas e do valor real dos salários, a fim de cortar gastos por parte do governo e garantir arrecadação suficiente para o pagamento da dívida pública.
c) Reforma fiscal: promover profundas alterações no sistema tributário, no sentido de diminuir os tributos para as grandes empresas, fazendo com que elas aumentem seus lucros e grau de competitividade.
Em outras palavras, reverter inteiramente o projeto da Era Vargas, que é da valorização do trabalho, dar igualdade de tratamento ao salário e ao lucro, promovendo a justiça social e o amplo desenvolvimento da sociedade. E a função do Estado, neste particular, será a de garantir democraticamente a igualdade nas negociações. E, igualmente, de dar soberania ao povo e ao Estado, mediante a educação e o controle nacional das tecnologias e da economia.
Sem Estado, substituído pelo “mercado”, a população se encontra na situação de um exército que vai para guerra sem armas e sem munições.
CONCLUSÃO
Cabe a todos nós, brasileiros, verdadeiramente patriotas, lutar pela reconstrução do Estado Nacional, pela reestatização das ações do Estado entregues por valores ínfimos à sanha privatista do Consenso de Washington, colocar a educação, a saúde e o trabalho como elementos indispensáveis à soberania nacional, devendo ser função do Estado sua execução, manutenção e proteção.
Restringir às finanças a subsidiária das ações produtivas e comerciais, devendo ser avaliadas como custo, e assim controladas pelos órgãos fiscalizadores do Estado.
É óbvio, mas deve ser sempre repetido, que o nacional deve ter precedência sobre todo importado. Não existe concorrência sadia entre eles, pois os países estrangeiros, principalmente os mais ricos, chegaram a esta situação pelo esbulho das demais Nações.
(*) Por Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, atual presidente da AEPET — Associação dos Engenheiros da Petrobrás.
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