A construção da cidadania no nacional trabalhismo: comunicação cidadã, soberania, desafios constitucionais e a influência neoliberal.
Este artigo prossegue com as considerações sobre a construção da Cidadania, um dos pilares – o outro é a Soberania – da formulação do Estado Nacional Trabalhista.
O poder, que assim se defina como a autoridade inconteste em uma sociedade, é único. O que não significa que seja voluntarioso, isto é, este poder deverá estar em conformidade com a lei. Afirmou Charles-Louis de Secondat, Barão de La Brède e de Montesquieu (1689-1755), na célebre obra “Do Espírito das Leis” (1748): “A salvação do povo é a lei suprema”. E Montesquieu vê, ainda, que os poderes políticos são o Poder Executivo e o Poder Legislativo.
Hoje, a falta de representatividade destes “poderes políticos”, permitiu que o Poder Judiciário avançasse onde deveria ser “invisível e nulo” (apud Montesquieu).
Por conseguinte, ao se estruturar o Estado, deve-se atentar para a participação popular em todos os momentos de decisão. A República Popular da China (China) nos oferece um exemplo que devemos analisar antes de discorrer sobre o que denominamos garantia dos direitos, ou seja, da responsabilidade pelo cumprimento das decisões do poder.
Primeiro, a Constituição deve espelhar a luta pela autonomia da nação, e, deste modo, estar comprometida não com ideologias estrangeiras, mas com a realidade do percurso político brasileiro, e, como enunciou Xi Jin Ping (“A Governança da China”, Contraponto, Foreign Language Press, RJ, 2019): “estreitamente comprometida com o futuro do país e o destino do povo” (Discurso na comemoração do 30º aniversário da promulgação e implementação da Constituição, 04/12/2012).
Nossa Constituição de 1988 já sofreu, até hoje, 132 emendas que a descaracterizaram totalmente. Em consequência, não só se deve lutar por nova Constituinte, como se precaver para eventuais futuras alterações com a participação popular, por plebiscito nacional, antes da incorporação das emendas ao texto da Carta Magna. Esta condição trará como benefício, entre outros, possibilitar, pelos debates, o maior conhecimento pelo povo do nosso principal referencial legislativo.
Outro aspecto diz respeito às avassaladoras intromissões religiosas a nosso arcabouço legal, ocorridas ao longo da história. Hoje as igrejas neopentecostais, além da presença quase sempre corruptora das entidades judaicas, buscam eliminar o próprio Estado, substituído pelo invisível “mercado”.
Ainda Xi Jin Ping: “desde que respeitemos e apliquemos a Constituição de forma eficaz, garantiremos que o povo permaneça sendo o dono do país”.
Bruno Bauer (1809-1882), teólogo alemão, defendeu a tese que Jesus Cristo foi um mito, criado no século II, a partir da junção das teologias judaica, grega e romana (“A Questão Judaica”, Munique, 1843). Bauer argumentava que, para conquistar a identidade política, os judeus deveriam renunciar à sua consciência religiosa.
Karl Marx (1818-1883), em 1844, assim escreve “Sobre a Questão Judaica”, “o judeu reconhece que sua natureza (religiosa) é fútil e trabalha no sentido de aboli-la. Ele se dissocia do desenvolvimento anterior e trabalha pela emancipação humana”. E acresce: “o judeu se emancipa de maneira judaica, não somente porque, através dela, ele adquire poder financeiro, mas porque o dinheiro se tornou o poder do mundo, e o espírito prático judeu se tornou o espírito prático das nações cristãs”.
A invasão neoliberal, que se impôs para sucessão do Presidente Ernesto Geisel, colocou o Brasil sob a dominação das finanças apátridas e com o enfraquecimento do Estado Nacional, pelas privatizações e encerramento das atividades de empresas públicas, autarquias e outros entes estatais.
Deste modo, onde houve o interesse nacional passou a vigorar o ideal do lucro, maior e mais rápido, da concentração de renda e da sujeição do trabalho ao capital, retirando a igualdade política pretendida na institucionalização promovida por Getúlio Vargas, logo após a Revolução Vitoriosa de 1930.
Para dar efetividade à garantia dos direitos será necessária outra Constituição que os defina, pois nesta era virtual, novos instrumentos passaram a existir pelo desejo do capital financeiro, mormente este apátrida, de voltar ao regime sem direitos, ou seja, ao da escravidão.
Garantia dos direitos
Inicialmente, cabe discernir que muitos destes direitos já estão definidos em leis, até mesmo nesta Constituição intensamente alterada. Sua efetividade, no entanto, é nula ou dificilmente aplicável pela fragmentação de agentes operacionais e pelo poder que os controla.
Estes direitos que estão disciplinados em códigos e leis isoladas tratam de todos os temas de nossa existência, do registro civil do nascimento à certidão de óbito de nosso falecimento. E quantas pessoas nem mesmo têm seu registro de nascimento?
Tratam da garantia de nossa vida, independente e útil, das questões do trabalho, dos cuidados da assistência social, médica, da vida saudável, do lazer, dos transportes e mobilidade urbana e da prevenção aos crimes e ofensas a nossa vida e saúde, além do direito inalienável e garantido da participação política, sem a pressão do crime que se espraia pelas instituições públicas e privadas.
E este crime está nos próprios poderes, como se denunciou, na imprensa e redes sociais, após as eleições municipais de 2024, ao se constatar que membros do tráfico de drogas e das milícias, ou seja, do crime estariam ocupando cargos eletivos nas câmaras de vereadores e até em prefeituras.
O filósofo francês Daniel Bensaïd (1946-2010), analisando, em 2007, o artigo de Karl Marx, publicado em 1842 no periódico Gazeta Renana (Rheinische Zeitung), sobre a lei referente ao furto da madeira, assim discorre: “neste momento de globalização mercantil e privatização generalizada do mundo”… a compra da força de trabalho de outrem estabelece uma relação de apropriação/expropriação não apenas dessa força de trabalho, mas dos serviços públicos, da poupança popular, do consumo, dos corpos exibidos em espetáculo, do espaço entregue à especulação fundiária e imobiliária. A privatização atinge não só as empresas públicas, como a educação, a informação, o direito – pela generalização do contrato privado, em detrimento da lei comum –, a moeda, os saberes, a violência, em resumo, o espaço público em seu conjunto” (in Karl Marx, “Os despossuídos”, Boitempo Editorial, SP, 2017, também na Ed. La Fabrique, Paris, 2007).
O fato desta garantia dos direitos estar operacionalmente distribuída pelos poderes da República e, muitas vezes, subordinada aos próprios violadores, nos obriga a propor um organismo do poder executivo especificamente destinado a adotar as providências emergenciais e as acompanhar nos órgãos da estrutura estatal deles encarregados.
Este órgão estaria diretamente subordinado ao titular do Poder Executivo, do Município, do Estado e da Nação, e teria, no seu corpo de funcionários, profissionais de informação, das forças armadas, policiais, de saúde, advogados, engenheiros, de modo a compor a equipe interdisciplinar com competência técnica e autoridade atribuída em lei para intervir, preventiva e corretivamente, a fim de garantir os direitos de todos os cidadãos, sem qualquer exceção.
É uma inovação necessária, trazida pelo nacional trabalhismo do século 21, pelo rumo que o neoliberalismo conduziu a sociedade brasileira neste quase meio século de poder.
Sobre a comunicação a partir dos cidadãos
A Comunicação já foi objeto de artigo desta série, ora no sentido de sua aplicação na Soberania ora no sentido da Cidadania, ou seja, aquela do poder para o cidadão. Neste artigo trataremos do sentido que tem início no cidadão e se destine ao Poder, seja este do Estado, seja do fornecedor privado de produtos e serviços.
Frieder Naschold (1940-1999), intelectual de língua alemã, nascido em Sarajevo (Bósnia-Herzegovina), escreveu considerações teóricas sobre Ciência Política em “Democracia e Complexidade” (1968). Neste trabalho ele contesta o “conceito reduzido de democracia, que se esgota na escolha de líderes entre grupos concorrentes”. Propõe um modelo de “objetivo sistêmico”, onde se inserem atividades aparentemente sem objetivos (“non-goal activities”).
Esta preocupação com a comunicação dos cidadãos para o poder, se adequa neste conjunto que faz da democracia um sistema de permanente participação dos cidadãos, uma democracia efetivamente participativa, não episodicamente como critica Naschold.
O cidadão pode e deve ter incentivos para se dirigir ao poder público, em todos seus níveis e seus modos de atuação, não apenas para expor problemas e reclamações, mas para contribuir com críticas e sugestões. Já existe, em muitos órgãos e atividades, um sistema de coletas de comunicações do cidadão para o órgão estatal, administração pública direta, ou paraestatal, administração pública indireta.
O mesmo se dá em relação aos órgãos privados, fabricante de produtos ou que neles atue para possibilitar a venda ao público, ou prestador de serviços, como vem ocorrendo, com as privatizações, até mesmo para funções típicas do poder público como do saneamento básico.
O contato direto com os cidadãos, a possibilidade de interagir com eles, deveria ocupar um lugar de destaque nas organizações, especialmente as públicas, que, por princípio e pela lei, são os verdadeiros senhores da sociedade, do País.
Por que então isso não ocorre? Mais uma vez a invasão neoliberal pode ser a resposta, mas no Brasil há outro ingrediente ainda mais perverso: os 400 anos de escravidão. Se os escravos sofriam, literalmente na própria pele, e até com a vida, aquela ignóbil sujeição, seus senhores também corrompiam suas mentes, sua incapacidade de serem socialmente úteis.
Isso não foi raro e criou a sociedade excludente e hostil em que o neoliberalismo floresceu e colocou o pior de sua ideologia na prática brasileira. Observando as atuações da esquerda pós 1985, só podemos nos envergonhar por aceitar as privatizações, que significam a alienação irrecuperável do esforço da sociedade no passado, mais recente ou mais distante.
Pode-se inferir que há tamanha distância entre o que o povo deseja e o que fazem os dirigentes, em todos poderes, que o diálogo se torna impossível e poderia se transformar na disputa de todo indesejável pelos que usam e abusam dos seus minúsculos poder político.
É o poder que foge do povo; e ainda se intitula democrático.
O que o nacional trabalhismo coloca em discussão é o Portal da Cidadania, obrigatório em todo órgão da administração pública, direta ou indireta, funcionando nas redes sociais e nos sites oficiais destes órgãos, na modalidade mais simples, que todos possam acessar e dialogar com aqueles funcionários.
Nenhum entrave deve impedir esta comunicação. Ao contrário, ela deve ser simples, direta, autoexplicativa, e sempre, sem exceção, dar resposta ao interlocutor.
Certamente o início será difícil. Nem o cidadão está acostumado ao diálogo, nem se conscientizou que o Estado existe para o servir. A continuidade é fundamental.
Órgãos de maior atendimento como os de saúde, de segurança pública e da justiça devem reservar verbas para dispor de espaços nos veículos de comunicação de massa para divulgar seus Portais da Cidadania. E nenhuma crítica deve ser feita, respeitando o desconhecimento dos cidadãos que nunca tiveram educação política. E, por falha do sistema educacional, nem sempre saberão se expressar adequadamente.
Em relação aos fabricantes e prestadores de serviços privados já existe, em muitos casos, a abertura para as reclamações. É parte deste diálogo. Porém é importante que o cidadão também contribua com sua ótica de consumidor tanto na qualidade de produto ou serviço, quanto na forma como este se apresenta.
Há o objetivo de desenvolver a crítica num país onde ela nunca foi bem recebida pelo Poder. E o cidadão sem crítica dificilmente poderá ser o cidadão que contribui para sua Pátria, que não faça da democracia o slogan vazio, que se constatam nos discursos dos seus três poderes do Estado, nestes tempos neoliberais financeiros.
(*) Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.
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