Presença chinesa no Cone Sul, dilemas políticos regionais, desafios civilizatórios e o papel das potências ocidentais
Continuamos neste artigo a análise dos países latino-americanos e suas relações com a China.
BOLÍVIA, governada por Luis Arce, após três mandatos do criador do Movimento ao Socialismo (MAS), Evo Morales, de quem se afastou após ter sido ministro para área econômica. Arce frequentou a britânica Universidade de Warwick e o Instituto de Educação Bancária, que o pedagogo brasileiro Paulo Freire apresentou a denúncia de ministrar uma “educação opressora”. A mais antiga questão nacional, motivo de guerras e revoltas internas, é a propriedade da terra pelos indígenas. Na revolucionária Constituição de 7/2/2009 está limitado o tamanho das propriedades rurais. Além disso, com esta nova Constituição, os povos indígenas terão autonomia sobre suas terras tradicionais.
Consta do artigo 5º da Constituição:
I – As línguas oficiais do Estado são o espanhol e todas as línguas das nações e povos indígenas, originalmente camponeses, que são os aymara, araona, baure, bésiro, canichana, cavineño, cayubaba, chácobo, chimán, esa ejja, guaraní, guarasu’we, guarayu, itonama, leco, machajuyai-kallawaya, machineri, maropa, mojeño-trinitario, mojeño-ignaciano, moré, mosetén, movima, pacawara, puquina, quechua, sirionó, tacana, tapiete, toromona, uru-Chipaya, weenhayek, yaminawa, yuki, yuracaré e zamuco.
“II. O governo plurinacional e os governos departamentais devem utilizar pelo menos duas línguas oficiais. Uma deverá ser espanhol e outra será decidido levando em consideração o uso, comodidade, circunstâncias, necessidades e preferências da população como um todo ou do território em questão”. A Bolívia faz parte da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR, na sigla em inglês BRI).
PARAGUAI, governado por Santiago Peña. Peña, como muitos políticos surgidos com a vitória do neoliberalismo financeiro na América Latina, é economista, fez curso em universidade estadunidense, neste caso a nova-iorquina Universidade Columbia, e trabalhou em organismo financeiro internacional, este dirigente no Fundo Monetário Internacional (FMI). Assim não nos surpreende sua postura colonial nem o afastamento da ICR.
CHILE, governado por Gabriel Boric, nascido em Punta Arenas, em 1986, de ascendência croata, tendo estudado em The British School de sua cidade natal, e deixado incompleto o estudo de Direito na Universidade do Chile, para dedicar-se à política. Estudante, filiou-se à Izquierda Autónoma e opôs-se a Juventudes Comunistas do Chile, saindo vencedor pela Creando Izquierda para a Federação de Estudantes da Universidade do Chile, em 2011. Esta característica política, crítica da esquerda marxista e da direita neoliberal, poderia estar indicando a construção de uma terceira via, que a história mais recente nos mostra ser uma opção colonial disfarçada. O Chile está entre os países participantes da ICR.
ARGENTINA, governada por Javier Milei, de dupla cidadania argentina e italiana, vem se apresentando como assumido colonial, priorizando as alianças com os EUA e Israel, cauteloso nas relações com a China, e apoiador da Ucrânia contra a Rússia na guerra em curso. A Argentina faz parte da ICR.
URUGUAI, era governado por Luis Lacalle Pou, assumido advogado de direita, formado pela Universidade Católica do Uruguai; sua eleição encerrou um período de 15 anos de governos de centro-esquerda. Foi substituído em 1º de março de 2025 por Yamandú Orsi, da Frente Ampla, de esquerda. O Uruguai não participa da ICR.
BRASIL, governado por Luís Lula da Silva. A História recente do Brasil, a partir do governo Figueiredo, tem sido de aprofundamento permanente do poder financeiro. Já mencionamos que o verdadeiro governante do Brasil, atualmente, é o Comitê de Política Monetária (Copom), o órgão do Banco Central, formado pelo seu presidente e diretores, que define, a cada 45 dias, a taxa básica de juros da economia – a Taxa Selic. Esta definição faz restringir investimentos e despesas correntes, exceto a do pagamento dos juros, e orienta as despesas públicas, quer para favorecer grupos e partidos políticos, quer para remunerar empresários financiadores de campanhas para o Congresso Nacional. Ou seja, instaura-se um sistema de corrupção que atende a todos, inclusive aos membros do Poder Judiciário.
Como facilmente se conclui, o Brasil não está preparado para a Iniciativa do Cinturão e Rota, que não cabe nos orçamentos secretos nem nas emendas parlamentares inauditadas.
Percalços do novo estágio civilizatório
Pode-se pensar que um país exitoso, diferenciado e referência, dentro da civilização competitiva e belicosa, que é o modelo capitalista imposto pelas potências colonizadoras para todo mundo, deva sofrer algum tipo de percalço na sua trajetória. Tanto maior quanto mais se diferencie dos demais.
A China não está disputando Produto Interno Bruto (PIB), quantidade de estabelecimentos militares estabelecidos em países estrangeiros, imposição ideológica ou invasão midiática, ou controle da produção agropecuária, industrial ou de produtos tecnicamente mais avançados. Ela simplesmente busca criar para os chineses um mundo mais seguro e feliz. Observe que não se assume como a nova previdência ou extraterrena providência. Ela cuida da China e dos chineses, como está em sua história milenar: construir muralhas para se defender, não exércitos para atacar.
Recente vídeo divulgado pelo Instagran, Facebook, Youtube mostra o uso de drones para logística das colheitas e para controle das condições da produção agrícola em regiões remotas ou de difícil acesso na China.
Como se pode observar, em outros artigos desta série “Geopolíticas para o Século 21”, a China foi buscar há mais de 3 mil anos sua base cultural. Em Confúcio (Kong Fu Zi, 552 a.C.-489 a.C.), enriquecida com ensinamentos de Siddharta Gautama, o Buda (563 a.C.-483 a.C.), de Karl Marx (1818-1883), na percepção de Mao Tse-Tung (1893-1976), com a importação capitalista por Deng Xiao Ping (1904-1997), e as revisões de Jiang Zi Min (1926-2022) e Hu Jin Tao (1942), que possibilitaram a recriação da Rota da Seda por Xi Jinping (1953), designada como Iniciativa do Cinturão e Rota (2013).
A Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR) é o mais importante instrumento de contato da China com o mundo, não no sentido dominador, mas no da troca mutuamente benéfica de produtos, saberes e recursos.
Como se encontram as principais potências hegemônicas neste ano 2025?
Iniciemos pela que foi a mais relevante e sobrevivente até o século 21, no modelo capitalista, antes industrial, agora, desde 1980, financeiro: os Estados Unidos da América (EUA).
Após as duas Grandes Guerras da primeira metade do século 20, os EUA se impuseram como principal opositor da vitoriosa, na II Grande Guerra e na conquista espacial, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
A Coreia havia sido colônia japonesa que se tornou independente e soberana em 1945. Com objetivo de expandir seus tentáculos pelo mundo, os EUA resolvem se apropriar da Coreia, invadindo-a em 1950. A capacidade e identidade de propósitos com o povo coreano fizeram do herói da independência Kim Il Sung (1912-1994) vitorioso na guerra contra os EUA, que não se dando por vencido deixou a guerra em suspenso após conseguir governar por seus títeres a porção que foi designada Coreia do Sul. Parte desta epopeia é narrada pelo próprio Kim Il Sung em Memórias, No Transcurso do Século (1992), traduzido por Rosanita Campos para o Instituto da Amizade Brasil-Coreia, com prefácio de Nelson Chaves (SP, 2012).
Outra derrota militar dos EUA se deu na luta contra o Vietnã, entre 1959 e 1975, cuja agressividade contra a população civil vietnamita gerou protestos nos próprios EUA.
Recorde-se, nesta segunda metade do século 20, das derrotas estadunidenses contra Cuba (Invasão da Baía dos Porcos, 1961), na Guerra Civil do Camboja (1967-1975), e na Guerra cambojana-vietnamita (1977-1991). E as vitórias contra a Organização de Libertação da Palestina, no Líbano, em 1982-1984; na invasão da ilha de Granada (1983); na invasão do Panamá, depondo o presidente Manuel Noriega (1989-1990); as Guerras contra o Iraque que têm início em 1991 e prosseguem pelo século 21; a Guerra contra a Somália (1992-1995); e a Guerra do Kosovo (1998-1999), na antiga Iugoslávia.
No século 21, os EUA expandem suas guerras pelo mundo, designando-as de “Luta contra o Terror”, mas terroristas são as instituições estadunidenses (Central Intelligence Agency – CIA; National Security Agency – NSA; Defense Intelligence Agency – DIA) que têm por objetivo depor governos estrangeiros e provocar golpes e revoltas nos países que os EUA consideram inimigos. A Ucrânia foi vítima desta agressão depondo o presidente eleito e colocando um ator circense no lugar.
Os países europeus, tendo absorvido antigos países socialistas da URSS, e com incentivo político, econômico e midiático dos EUA, constituíram, em 1º de novembro de 1993, a União Europeia (UE). Na realidade, desde janeiro de 1958, fora constituída a Comissão Europeia (CE), hoje com 27 Estados, para dar materialidade à Europa Ocidental, preparando quadros para uma estrutura supranacional de gestão, com órgãos legislativo, judiciário, financeiro e de administração plurinacional.
Recentemente, o presidente francês, Emmanuel Macron, se fez intérprete desta UE ao discursar ao vivo, por 15 minutos, em 5/3/2025, na televisão francesa sobre o cenário geopolítico internacional e reafirmou o posicionamento da França e da Europa em prol da Ucrânia. O presidente lembrou o início da invasão russa, há mais de três anos, e do apoio dado à Kiev.
“Decidimos ajudar a Ucrânia e fizemos bem. É a nossa segurança que está em jogo. (…) Se o que vale é a lei do mais forte, a paz não pode ser garantida”. “A Rússia tenta manipular nossas opiniões com mentiras divulgadas nas redes sociais. No fundo, [a Rússia] testa nossos limites”, investiu Macron. Essa agressividade não parece conhecer fronteiras. (…) “A Rússia se arma cada vez mais. E, com isso, quem pode acreditar que eles vão parar na Ucrânia?”, disse o empregado francês dos banqueiros Rothschild. “Diante desse mundo em perigo, seria uma loucura sermos apenas espectadores”, alertou Macron.
“A Rússia se tornou uma ameaça para a França e para a Europa”. “Não podemos mais acreditar na Rússia”. O chefe de Estado francês criticou também o cessar-fogo proposto pelos EUA e o papel europeu nas negociações de paz.
Assim como os EUA, a Europa também está em crise, a começar pelo suprimento de energia capaz de suportar seu novo desenvolvimento industrial, impulsionando o tecnológico e trazendo recursos para esta transição.
Fica evidente, assim, que os EUA e a Europa serão pródigos na montagem de armadilhas e percalços no desenvolvimento chinês, especialmente num mais avançado estágio civilizatório, capaz de cativar o sul, subdesenvolvido ou em desenvolvimento.
Já analisamos a África e a América Latina, fizemos um resumo dos EUA e da Europa, resta a Rússia. É complexo e cheio de arestas o posicionamento da Rússia, reerguida por Putin, que goza de grande popularidade evidenciada nas eleições, e para os saudosos do regime comunista tem o incentivo à solidariedade das populações, homogêneas quanto à religião cristã ortodoxa como liame.
Mas, se de um lado a Rússia tem a aliança de Trump para a paz na Ucrânia, de outro tem a russofobia, construída desde 1917 contra si, pelo lado europeu.
(*) Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado
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