O neoliberalismo não é só uma linha político-ideológica. O dano que causou ao mundo repercute dia-a-dia na vida de cada um de nossos estados e povos.
Neoliberalismo é – entre outras coisas – privatizações. Uma lógica que, nos anos 90, impôs a ideia de que o Estado não podia comandar empresas e que, portanto, tinha que passar às mãos do capital multinacional e aos grandes bancos e fundos de investimento. Esses mesmos que privilegiaram a financeirização em detrimento da produção.
Na Argentina foi Carlos Menem que liderou essas políticas implementadas por Ronald Reagan e Margaret Tatcher, continuada por Bill Clinton e a família Bush, e na Inglaterra com a denominada Terceira Via de Tony Blair, que não passava de um aprofundamento da política de destruição dos Estados Nacionais a favor de um governo global das empresas multinacionais. As políticas de transnacionalização das economias ocorreram também pelo incentivo aos Tratados de Livre Comércio. Uma política que começou a perder terreno na América Latina quando, em 2005, na cidade de Mar del Plata (Argentina), os presidentes Lula, Chávez e Kirchner disseram não à Alca (Aliança de Livre Comércio das Américas).
Com uma lei chamada Reforma do Estado, Menem privatizou primeiro os meios de comunicação, depois as empresas de telecomunicações, os portos, a Marinha Mercante, o petróleo, o gás, a saúde, e energia elétrica, a educação. Milhões de trabalhadores engrossaram as filas de desempregados, primeiro passo rumo à pobreza e à indigência.
O audacioso projeto de nacionalização de Vicentín, uma empresa agroalimentar, sexta no ranking de produtos de grãos na Argentina, é uma decisão política do presidente Alberto Fernández que reverte aquela tendência que nasceu na última década do século passado. Vicentín possui mais de 7 mil trabalhadores entre suas múltiplas empresas associadas e controla o porto de Rosário, lugar que comercializa a maior quantidade de toneladas de soja em grãos do mundo.
Muito mais do que fundamentos político-ideológicos, a decisão de Fernández se sustenta na necessidade de impedir que uma empresa argentina dedicada à produção de alimentos se desmonte e passe a mãos estrangeiras. São as grandes empresas de cereais, como Cargil, Dreyfus, Glencore, que estão levando a cabo o processo de quebra, de forma fraudulenta, uma vez que Vicentín, ao mesmo tempo em que acumula dívidas com produtores e trabalhadores, tem dólares depositados em bancos offshore, no Panamá e em Delawere, famosos paraísos fiscais.
As poderosas forças económicas que estão por trás de Vicenín, através dos meios de comunicação hegemônicos, têm alcançado uma grande ofensiva contra o governo argentino, incentivando panelaços em distintos lugares do país em busca de que Fernández reveja sua posição.
Na decisão final sobre essa questão, está colocado em jogo o destino do povo argentino e a possibilidade de que, como aconteceu há pouco tempo, o país se converta novamente em um farol, onde se iluminem as melhores ideias da liberação econômica latino-americana.
Nestor Picone é corresponde do Jornal Brasil Popular na Argentina
Tradução de Eduardo Wendhausen Ramos