Na eleição de 2018, a sociedade brasileira foi assombrada por um fenômeno surpreendente: a guerra cibernética – ou ciberguerra –; o dispositivo sujo e devastador planejado e empregado no campo de batalha eleitoral pela extrema-direita.
A votação que assegurou a vitória do Bolsonaro no 2º turno da eleição de 2018 com 57 milhões de votos é resultado, dentre outros fatores, também desta estratégia cibernética bem-sucedida.
Até onde se sabe, a Cambridge Analytica [CA], empresa de tecnologia de informações criada por Steve Bannon para interferir e manipular processos eleitorais, foi pioneira neste experimento.
Na campanha de Trump, por meio do roubo de informações sigilosas de mais de 50 milhões de perfis pessoais do facebook [num roubo, talvez, consentido pelo próprio facebook], a CA concebeu um plano semiótico de dirigir mensagens específicas da campanha de Trump a cada grupo social específico, classificado segundo desejos, hábitos, interesses, identidades étnicas e inclinações políticas comuns das pessoas.
Há o fato notório das comunidades negras estadunidenses, eleitoras tradicionais do Partido Democrata, que foram bombardeadas com mensagens de celular [SMS] a partir dos dados roubados que captavam a sensibilidade dos eleitores negros a certos temas. O objetivo disso não era ganhar apoio a Trump, mas induzir os eleitores negros a se absterem de votar na eleição presidencial. O resultado foi a maior abstenção de negros na eleição de 2016; fator que teve um peso relativo importante na derrota da candidata Hilary Clinton.
Sabe-se, também, que antes disso o governo brasileiro, assim como vários governos mundo afora, já haviam sido alvo da guerra cibernética. As denúncias do wikileaks, documentalmente provadas por Julian Assange e Edward Snowden, revelaram o grampeamento telefônico da presidente Dilma e da Petrobrás por agências de espionagem e inteligência dos EUA.
A operação Lava Jato, cujas conexões com o FBI, CIA e Departamentos de Estado e de Justiça dos EUA estão, hoje, totalmente escancaradas, é um desdobramento desta espionagem.
No mundo civil, a ciberguerra ainda é uma abstração, embora as sociedades estejam sendo cada vez mais bombardeadas e alvejadas por esta guerra invisível. No mundo militar, entretanto, vinculado desde a origem à fantástica e complexa rede mundial de computadores conhecida como internet, a guerra cibernética já é uma realidade há várias décadas.
A definição constante na wikipédia diz que ciberguerra/guerra cibernética “é uma modalidade de guerra em que a conflitualidade não ocorre com armas físicas, mas via meios eletrônicos e informáticos no chamado ciberespaço. No seu uso mais comum e livre, o termo é usado para designar ataques, represálias ou intrusão ilícita em um computador ou rede”.
No ato de transmissão do cargo de chefe do Centro de Comunicação Social do Exército para assumir o posto de porta-voz do Bolsonaro [14/2/2019], o general Rêgos Barros discursou que “mergulhar de cabeça no ‘submundo’ das mídias sociais – Facebook, Instagram, Twitter, WhatsApp, Portal Responsivo, Eblog etc – e se tornar o órgão público com maior influência no mundo digital no Brasil exigiu sangue frio na interlocução sem rosto, típica da internet, suor à frente do teclado e lágrimas de emoções pela conquista do cimo”.
A declaração de que o Exército Brasileiro é “o órgão público com maior influência no mundo digital no Brasil” deve ser lida junto com o fato de que Rêgos Barros “foi o chefe que mais tempo ficou à frente do CCOMSEX, 4 anos e 9 meses”. Esta é uma demonstração de que “mergulhar de cabeça no ‘submundo’ das mídias sociais – Facebook, Instagram, Twitter, WhatsApp […]” foi tratado como um investimento contínuo e permanente do Exército, o mais imune possível a descontinuidades.
Apesar das denúncias feitas ainda na eleição presidencial de outubro de 2018, sobre a guerra cibernética contra Haddad e Manuela, a esquerda de modo geral, e o PT em particular, continuaram se iludindo de que o problema principal era o WhatsApp, não o despreparo estratégico da própria esquerda e do PT diante da guerra cibernética.
O site Intercept publicou a oportuna matéria “Na batalha das redes, a extrema-direita ganha por W.O.”, na qual a autora Rosana Pinheiro-Machado mostra o trabalho de pesquisa do especialista em tecnologia Pedro*, mantido no anonimato, que diz que “é como se fosse uma guerra aberta, na qual a direita vem com drone e bombardeio, e a esquerda joga um fogo de artifício para o alto para tentar demonstrar reação, sem exatamente entender que está numa guerra”.
Desde então, e apesar das gritantes evidências sobre a transcendência deste tema para a lisura dos processos eleitorais, não houve avanços. A situação, ao contrário, é ainda pior.
Hoje há quem se iluda que, com o inquérito sobre fake news, o STF tirou o tubo de oxigênio da extrema-direita. Há, ainda, outra ilusão adicional, a de que candidatos/as populares nas redes sociais e mídias digitais são competitivos/as e capazes de derrotar a maquinaria e o ecossistema do subterrâneo da guerra cibernética, dominado pela extrema-direita.
Enquanto esta ilusão embala o sono dos ingênuos, o clã miliciano e seus milhões de seguidores já estão em estágio avançado de migração para outro habitat cibernético, livres e desimpedidos de qualquer filtro civilizacional, a rede social Parler.
É equivocada a alegação de que foram 57 milhões de robôs que votaram no Bolsonaro, porque os 57 milhões que depositaram seu voto na urna em 2018 a favor Bolsonaro não foram robôs, mas foram seres humanos. É muito forte, como se percebe, o delírio sobre o poder dos robôs.