Investida na região já matou centenas de palestinos e revela as verdadeiras intenções expansionistas de Netanyahu.
m 2022, durante uma viagem à Cisjordânia para realizar pesquisas e visitar sua família em Nablus, Yara Asi se recorda de quando os militares israelenses sitiaram a cidade, um dos principais centros econômicos da região, para tentar erradicar os militantes que moravam ali.
“Certamente o mundo vai intervir, e não vão deixar essa cidade importante ser fechada”, Asi lembra de ter pensado.
O cerco militar durou mais de três semanas, e matou mais de 23 palestinos em todo o território. Naquele ano, os ataques aéreos e invasões israelenses mataram mais de 150 palestinos, fazendo dele o ano mais mortal para a Cisjordânia desde 2006. Os ataques e as mortes continuaram ao longo de 2023, e só se intensificaram desde então.
Enquanto a maior parte dos olhares permanece em Gaza, os ataques militares israelenses na Cisjordânia mataram mais de 594 pessoas desde 7 de outubro, incluindo 115 crianças que foram mortas por munição real, e 1.114 crianças feridas, segundo a ONU. Aproximadamente uma dezena dessas mortes pode ser atribuída à violência de colonos israelenses extremistas.
“Ninguém interferiu, nada aconteceu, e desde então temos presenciado cada vez mais incursões militares, e não percebo nenhum movimento ou crítica real”, diz Asi, professora da Universidade Central da Flórida e integrante do instituto de pesquisas Al-Shabaka.
Esta semana, Israel expandiu sua campanha militar na Cisjordânia, com invasões e ataques aéreos nas cidades de Tulkarem, Jenin e Tubas, configurando o maior ataque em território ocupado desde 2002, durante a Segunda Intifada. No período de três dias, os militares israelenses mataram pelo menos 20 palestinos em ataques preventivos. As filmagens mostram escavadeiras destruindo estradas e outros itens de infraestrutura civil na região. Um ataque contra o campo de refugiados de Nur Shams deixou cinco mortos, dentre eles dois adolescentes, de 13 e 15 anos.
Israel Katz, ministro das Relações Exteriores de Israel, determinou aos militares que “cuidem da ameaça exatamente da mesma forma que cuidam da infraestrutura terrorista de Gaza, incluindo a evacuação temporária de civis palestinos e todas as outras medidas necessárias”.
“Esta é uma guerra por tudo, e precisamos vencê-la”, escreveu em um comunicado, segundo as traduções do hebraico para o inglês em várias reportagens. A declaração despertou preocupação entre os palestinos, que temem que o nível de destruição visto em Gaza possa ser iminente na Cisjordânia.
Enquanto o escritório de direitos humanos da ONU declarou que os ataques ferem o direito internacional, os EUA reiteraram o direito de Israel de atender a “necessidades de segurança muito reais, que incluem o combate à atividade terrorista na Cisjordânia”, segundo um comunicado do Departamento de Estado para o site de notícias Middle East Eye.
O medo, em meio a esse ambiente, segundo Asi, é que esses ataques poderiam expulsar definitivamente os palestinos do território.
“Pela primeira vez, estou realmente me perguntando: haverá algum lugar chamado Palestina para onde meus filhos e netos possam ir?”, diz Asi, que nasceu em Nablus e migrou para os EUA com seu pai em 1989, quando tinha 4 anos. À medida que foi crescendo, ela continuou a visitar a família todos os verões.
“Sempre achei que a ocupação iria durar, e ela nunca será boa”, diz. “Agora fico pensando, será que vai ser alguma coisa? E isso é realmente assustador.”
Para Trita Parsi, cofundador e vice-presidente executivo do Instituto Quincy para Diplomacia Responsável, essas preocupações sobre a limpeza étnica em curso na região não são infundadas. A natureza dos ataques de Israel na Cisjordânia revela o que ele considera a verdadeira motivação de Israel: o controle total da região.
“Isso deve ser visto no contexto de um esforço contínuo de décadas para anexar progressivamente o máximo de território palestino possível”, explica Parsi. “Nunca houve um ataque proveniente da Cisjordânia, e o Hamas não é a força dominante ali, o que mostra que não se trata tanto do Hamas, mas do plano de longo prazo de Israel para eliminar, varrer a Palestina do mapa.”
Parsi diz que o governo israelense está capitalizando o momento em que vem enfrentando pouca responsabilização pela comunidade internacional, principalmente pelos Estados Unidos.
“A estratégia sempre foi aproveitar os momentos da comunidade internacional em que Israel consegue se safar o máximo possível”, diz.
As provas das violações aos direitos humanos nas operações de Israel em Gaza continuam a se acumular, e incluem o bombardeio de civis e de infraestrutura civil, como os hospitais; o bloqueio de ajuda humanitária; e a tortura e o abuso de prisioneiros palestinos, tanto de Gaza, quando da Cisjordânia, nas prisões. Os governantes de Israel enfrentam possíveis acusações de crimes de guerra no Tribunal Penal Internacional, em conjunto com o processo por genocídio em curso na Corte Internacional de Justiça da ONU. Nos EUA, cada vez mais integrantes do Partido Democrata vêm pressionando o presidente Joe Biden a cumprir a legislação estadunidense, que impede a transferência de auxílio militar caso existam provas de violações aos direitos humanos.
Mesmo assim, Israel continua recebendo apoio dos EUA, e o governo Biden segue enviando armas.
Segundo Muhannad Ayyash, professor de sociologia na Universidade Mount Royal e analista de políticas no instituto de pesquisas Al-Shabaka, a lógica de Israel é simples: “se podemos nos safar com o que estamos fazendo em Gaza, podemos nos safar com a mesma coisa na Cisjordânia”.
“O contexto do ataque contra a Cisjordânia é que Israel vê basicamente uma oportunidade para continuar a aprofundar seu projeto da Grande Israel“, continua Ayyash, em referência à visão histórica do sionismo na região.
Yousef Munayyer, um analista político que dirige o Programa Palestina/Israel no instituto de pesquisa Centro Árabe, com sede em Washington, chamou a política dos EUA para Israel de “completamente desarticulada”, sem nenhuma visão para além de “permitir que Israel domine”.
“Não deveria nos surpreender que os militares de Israel sintam que têm essa liberdade de ação, quando essa é a mensagem que chega do seu principal apoiador e fornecedor”, diz.
Esse nível de apoio, segundo Parsi, do Instituto Quincy, também prejudica a posição dos EUA na comunidade internacional, como no Conselho de Segurança da ONU, onde o país vem ficando quase sempre isolado dos demais integrantes. Ele considera que décadas de envolvimento dos EUA em outros conflitos no Oriente Médio também prejudicaram sua posição internacional.
“Todas essas coisas diferentes enfraqueceram os EUA”, diz. “E, além disso, estamos vendo uma geração de americanos que terão um padrão de vida mais baixo que o de seus pais, em média, o que é em grande parte resultado do volume imenso de dinheiro, recursos e sangue que foi desperdiçado nessas guerras desnecessárias.”
Apesar do discurso de Biden e da vice-presidente Kamala Harris em favor de uma solução de dois estados, que a comunidade internacional apoia amplamente, os EUA vêm mostrando pouco esforço para efetivamente fazer Israel encerrar a ocupação ilegal.
Khaled Elgindy, que foi consultor das lideranças palestinas em diversos esforços conjuntos, com Israel e os EUA, para elaborar um plano em direção a um estado palestino ao longo dos anos 2000, diz que nunca se sentiu mais longe de uma solução de dois estados.
Ele considera que os ataques recentes na Cisjordânia, assim como a troca de ataques com o Hezbollah, no Líbano, fazem parte da tentativa do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de provocar uma guerra regional para atender ainda mais à sua coalizão de extrema-direita e se manter no poder.
“Será que a jogada final de Netanyahu é ‘vou só continuar a lutar em tantas frentes quanto for possível criar para manter todos em desequilíbrio e prolongar minha permanência no poder’?”, diz Elgindy, “ao mesmo tempo em que satisfaz sua ala extremista que adoraria ver a Cisjordânia ser evacuada”.
Elgindy, que atualmente é um pesquisador sênior e diretor no Instituto do Oriente Médio, compara a escala dos ataques com aqueles realizados pelos militares israelenses durante a Segunda Intifada, em 2002. Esses ataques, no entanto, vieram na sequência de uma série de atentados suicidas a bomba por militantes palestinos, que mataram dezenas de civis israelenses. Atualmente, em um ambiente em que o governo israelense já acusou a agência da ONU para palestinos, UNRWA, principal fonte de ajuda humanitária para Gaza, de ser uma fachada para terroristas, Elgindy teme que essas definições imprecisas possam levar à perda de ainda mais vidas na Cisjordânia, no que Israel considera iniciativas de contraterrorismo. (O governo israelense alega que 12 funcionários da UNRWA estariam envolvidos nos ataques de 7 de outubro, embora uma avaliação independente tenha revelado que Israel não apresentou nenhuma prova dessa acusação.)
Todos os anos, quando retornava a Nablus, Asi percebia que as condições de vida estavam piorando, à medida que as forças israelenses foram apertando o domínio. Embora seus familiares estejam seguindo com a vida na Cisjordânia, ela tem ouvido falar de mais jovens que manifestaram interesse de imigrar para a Europa ou o Kwait. As incursões militares, que costumavam ser realizadas durante a noite, vêm aumentando de frequência em todas as horas, limitando a liberdade de locomoção. A violência dos colonos, muitas vezes facilitada pelas forças israelenses, também está piorando.
“Até os idosos da família, que já viram de tudo — estavam lá em 67, viram as Intifadas, Oslo — estão dizendo ‘isso é o pior que já aconteceu’”, conta Asi.
“As pessoas que se orgulham de serem resilientes e não terem medo, como parte de sua identidade palestina, estão realmente com medo”, continua. “Sair de casa, especialmente se você tem um filho, é ter um medo material real da morte. (…) Se algo acontecer, não haverá uma investigação, não vai haver um tribunal: será apenas mais uma estatística.”