O sociólogo Jessé Souza, autor de livros como “A elite do atraso”, “A ralé brasileira” e “A classe média no espelho”, escreveu em sua obra “O pobre de direita – a vingança dos bastardos” uma de principais críticas à esquerda: o protagonismo dado pelos partidos às pautas identitárias. Para o intelectual, este foi um “erro completo” e um dos motivos que o candidato Guilherme Boulos (PSOL) teve muito menos votos no domingo do que a soma do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e do ex-coach Pablo Marçal (PRTB) cidade na periferia de São Paulo.
Em entrevista ao Globo, o sociólogo falou mais sobre a sua visão de como a esquerda está caminhando no país. Confira trechos:
Nunes e Marçal chegaram na frente em áreas periféricas nas zonas Sul, Norte e Leste em São Paulo. Foi o voto do “pobre de direita”?
R: Sem dúvida. Passamos por um processo de idiotização das pessoas e de inação dos que deveriam fazer um trabalho de base de qualidade. Quando comecei a entrevistar, para o livro, há alguns anos, pessoas das periferias de São Paulo, me desesperei. O quadro já era o de “tá dominado” pela Teologia da Prosperidade, neoliberal e reacionária. (…)
A esquerda foi incapaz de conversar com o “pobre de direita” nas eleições municipais?
R: Foi. A esquerda errou, e muito. Não procurou, com louváveis exceções, conquistar os corações e as mentes dos mais pobres. Se você não apresenta nada minimamente organizado e sequer tenta ir às periferias urbanas e rurais, o trabalho das igrejas evangélicas, marcado pelo anti-esquerdismo, ganha sentido político ainda mais explícito. No vazio que foi criado pela falta de mobilização e disputa de narrativas, a esquerda perdeu campo. Não estou otimista, creio que isso se aprofundará mais. (…)
O senhor critica o protagonismo das pautas ditas identitárias pela esquerda. Isso a teria distanciado ainda mais dos eleitores mais pobres?
R: Sim. Foi um erro completo. E Boulos está pagando o preço desse equívoco agora em São Paulo. Não basta essa esquerda “legal”, que discute gênero e raça. Ainda importa contar ao eleitor por que um cidadão ganha R$ 100 mil enquanto outro R$ 100, por que há pessoas tão diferentemente aparelhadas para a competição social, para além das diferenças de gênero e raça. Se não perceber isso logo, a esquerda deixar este pobre na direita.
O identitarismo ecoa na classe média e na elite, não no pobre, jogado na lata de lixo pelo preconceito racial e agora vítima de racismo cultural. Não se ganha eleição no Brasil sem o voto da maioria pobre e a esquerda precisa pelo menos tentar voltar a disputar este voto. Sei que vou levar cacetada, mas está na hora de o PT aprender com Getúlio Vargas. (…)