As palavras servem para esconder o pensamento, segundo Freud.
A entrevista do presidente do PSD, Gilberto Kassab, vitorioso na eleição municipal, à TV 247, representa exercício freudiano, na tentativa de buscar, no inconsciente do político paulista, as artimanhas secretas que parece esconder, para exercitar seu jogo do poder com vistas a 2026.
Primeiro, ele admite que o candidato dele para a próxima eleição presidencial é o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas, do Republicano, de quem é secretário de governo e de relações internacionais.
Porém, como considerou forte a candidatura Lula para 2026, ponderou que Tarcísio poderia esperar 2030 por ser muito novo, com futuro pela frente etc.
Mas, logo em seguida, muda o rumo e diz que o partido terá candidato ao Planalto e que quem está disponível, pelo PSD, para disputa, é o governador Ratinho Jr, do Paraná.
Ratinho seria ou não cristianizado pelo PSD para dar lugar à continuidade Lula atraído pela nova correlação de forças, encabeçada pelo vitorioso partido de centro-direita?
Contudo, indagado sobre as chances do derrotado PT, na eleição municipal, de continuar no poder, destaca que o presidente Lula terá que promover uma rearticulação partidária.
Essa necessária mudança se daria, portanto, no contexto da Frente Ampla, da qual o PSD participa, montada por Lula para governar entre 2023-2026, tendo em vista à sucessão, no cenário em que o vitorioso, em 2024, foi o centro-direita e não mais o centro-esquerda lulista.
Sendo o amplamente vitorioso PSD – com quase 900 prefeituras conquistadas – participante destacado da frente ampla que Lula montou para alcançar o terceiro mandato, estará ou não nas cogitações de Kassab fazer valer o predomínio da nova correlação de forças criada pela vitória do centro-direita como o norte político do presidente, se quiser alcançar a reeleição em 2026?
SEGREDO DE POLICHINELO
O jogo político secreto que Kassab parece esconder na manga é segredo de Polichinelo; sua carta decisiva é o lançamento da candidatura de Ratinho Jr, cujo objetivo seria cristianizá-la, abrindo espaço à reeleição de Lula.
Ao considerar necessário que Lula, diante dos resultados adversos nas eleições municipais, reorganize sua estratégia política, para alcançar sucesso em 2026, com sua possível reeleição, Kassab se põe não como obstáculo, mas como meio necessário pelo qual o chefe do governo terá que trilhar para triunfar.
As declarações de Kassab são típicas de uma raposa política experimentada que joga verde para colher maduro.
Estaria descartada a possibilidade, na avaliação dele, de algum candidato ter chances amplas frente a Lula, muito difícil, disse, de ser batido.
Então, por que, sendo o PSD aliado da frente ampla lulista, com dois ministérios importantes, no governo – Minas e Energia e Agricultura –, dispondo do poderoso peso político do agronegócio e da mineração a seu favor, desistiria de continuar no poder, dominado por candidato difícil de ser vencido, como ele considera Lula, seu aliado na composição governamental?
Kassab, atento à nova correlação de forças, da qual é beneficiário, busca fazer do limão uma limonada.
Sua recomendação, nada sutil, de que o PT precisa se rearticular, depois dos resultados magros, no pleito municipal, quer ou não dizer, indiretamente, que o partido vencedor, o PSD, comandado por ele, Kassab, é a via pela qual tal rearticulação lulista tem que se pautar?
Com suas declarações dissimuladas, de esconder freudianamente o pensamento, Kassab demonstrou que joga com vara de dois bicos: de um lado, está com o governo paulista de centro-direita, ocupando posto estratégico da Casa Civil; de outro, participa, com seus aliados do PSD, do governo Lula, no espaço mais destacado, puxado pelo agronegócio, avalista do PSD e demais partidos de centro-direita, vencedores das eleições municipais.
Por que jogaria fora essa posição privilegiada, como ponta de lança da administração lulista, por intermédio dos seus aliados do PSD, se este foi o partido vencedor das eleições, candidato, portanto, à solidificação mais intensa do centro-direita no poder lulista?
Interessaria ou não ao PSD manter essa posição privilegiada como o norte de Kassab para tomada de decisão quanto aos rumos a seguir no cenário da sucessão, se a candidatura Lula for a mais destacada nas pesquisas eleitorais?
ESTRATÉGIA DA DISSIMULAÇÃO
Portanto, a referência de Kassab de que o PSD tem o candidato Ratinho Junior como nome do partido para 2026, quando ele mesmo diz que é difícil vencer Lula em uma disputa eleitoral, não seria uma carta política a ser negociada, ou melhor, cristianizada, no tabuleiro sucessório, que já está sendo montado?
Ratinho Junior, conforme o inconsciente político freudiano-kassabiano, seria o candidato para perder, abrindo espaço para Lula.
No mínimo, Kassab deixou claro, para os cientistas políticos etc, que o vencedor das eleições de 2024, que, certamente, fará maioria parlamentar em 2026, é o centro-direita, ou seja, ele, mesmo, e seu PSD, junto com outros coadjuvantes do mesmo campo ideológico: MDB, PPS, Republicanos, etc, configurando o poderoso centrão.
Não estaria descartado, como integrante do centro-direita, na avaliação de Kassab, nem o PL, do ex-presidente fascista Jair Bolsonaro, pois na sua avaliação, na agremiação bolsonarista, não mais do que 20% dos seus integrantes são radicais extremistas, enquanto mais de 70% restantes representariam expressões de direita democrática, isto é, passiveis de compor um amplíssimo centro-direita conservador.
O fato é que o desafio do presidente Lula, conforme visão de Kassab, será rearticular a frente ampla, que criou para alcançar terceiro mandato presidencial, com espaço privilegiado não mais para o centro-esquerda, mas para o centro-direita, o novo poder que emergiu das urnas em 2024.
Se esse novo poder já está dentro do governo Lula, pensa Kassab, por que sair dele em vez de continuar nele, com a vantagem de representar a nova correlação de forças?
O lulismo, nesse novo cenário pós-eleitoral, tenderia ou não se descolar, relativamente, do petismo, em nome da realpolitik, sabendo ser Lula político, essencialmente, pragmático?
Ou o petismo e o lulismo são um só personagem em metamorfose ambulante, como diria o genial Raul Seixas?
Tem ou não razão o ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu, do PT, quando admite que Lula pode trilhar o caminho do centro-direita, o novo poder de fato, para conquistar quarto mandato?
(*) Por César Fonseca, jornalista, atua no programa Tecendo o Amanhã, da TV Comunitária do Rio, é conselheiro da TVCOMDF e edita o site Independência Sul Americana.