O livro “Lua, um griô de Porto Alegre”, de Letícia Núñez
Almeida vem em boa hora. “Lua”, “Nego Lua”, poucos sabem que
era José Alves Bittencourt.
Lançado na 70ª. Feira do livro deve ter chamado a atenção de
pessoas como eu que conhecemos o (Nego) Lua. Mas espero que
pelo subtítulo: “um griô de Porto Alegre” deve ter tocado a outros.
Para mim que convivi com ele por anos, mesmo não tendo
tantas relações, a não ser as intermináveis reuniões do Partido dos
Trabalhadores, sempre foi uma pessoa enigmática. Apesar de bem
falante, parecia-me uma figura muitas vezes fechada em copas.
Pois, então, que Letícia, a autora, conseguiu capturar o que
eu chamo da alma do Nego Lua.
A autora por ter trabalhado algum tempo com ele, por ter
pesquisado, falado com pessoas da família e amigos consegue
travar um Lua real para a atualidade.
Lua morreu em 2009 poucos anos de efetiva concretização do
Museu do Percurso do Negro, um dos seus focos de luta, com o
CRAB, Centro de Referência Afrobrasileiro. A autora corretamente
mostra os grupos ou ações de Lua, tentando aglutinar pessoas seja
na busca de uma marca com visibilidade como o Museu a céu
aberto, como o CRAB que aglutina ações, Angola Janga etc.
Lua introduz no PT o tema do Negro, passa horas na sede do
partido, pescando um aqui e outro acolá, usando aquele único
telefone fixo que se tinha.
No livro aparece este Lua real, sem papas na língua,
respeitoso com os outros, sem levar ninguém de “compadre”,
certeiro em suas teses, em sua ortodoxia marxista.
A autora não levanta, mas eu ouso dizer, que se não fosse o Lua não teríamos no PT a força que os negros têm na atualidade, nem a bancada que temos, nem os candidatos e candidatas que tivemos em 2024. O livro talvez possa ser um puxão de orelhas em
muitos nos dias atuais que agem como se fossem eles os
desbravadores do tema. Esquecem-se da Revista Tição, da luta do
Grupo Palmares, da revista Tição (agora em retomada).
Notei que a autora pouco se refere pouco da relação do Lua
com o grupo de Oliveira Silveira, Jeanice Dias Ramos, Emílio
Chagas entre outros e a Revista Tição. É que estamos numa
capital, mesmo tendo objetivos comuns poderiam não estar
aglutinados, mas ela lembra bem das relações de Lua com o Mestre
Borel, com Nilo Feijó. Parece ter sido forte esta ligação. Mas
também não fala de alguma relação com Bedeu e Giba Giba, por
exemplo. São apenas perguntas.
Letícia leva o Lua pelos locais por onde circulava como o
Mercado Público e o Bará do Mercado e suas relações pretéritas de
trabalho ali, tendo uma boa ideia das relações de trabalho da
época. Explora bem a relação com a boemia do Naval e do Luanda.
Letícia, volto a dizer, captou a alma do Nego Lua, suas
andanças por esta Porto Alegre mais negra do que se pensa e se
fala.
Depois deste livro, talvez surjam estudos que tragam à luz
nomes como Mestre Borel, Giba Giba, entre outros.
(*) Adeli Sell é professor, escritor e bacharel em Direito.
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