No mesmo dia em que o Fed, o Federal Reserve, baixou a taxa básica de juros nos Estados Unidos pela primeira vez em quatro anos, o Banco Central brasileiro aumentou os nossos juros pela primeira vez neste terceiro governo Lula. A decisão foi tomada pela unanimidade dos membros de seu Comitê de Política Monetária (Copom) – entre estes os diretores nomeados já no governo Lula e especialmente Gabriel Galípolo, indicado por Lula para assumir a presidência do banco quando terminar o mandato do presidente atual, Roberto Campos Neto, no fim deste ano.
Em reuniões anteriores do Copom, quando a maioria composta por Campos e os outros diretores herdados do governo Bolsonaro votou pela manutenção da taxa básica, então de 10,50%, a minoria composta por Galípolo e mais dois diretores indicados por Lula foi derrotada na tentativa de reduzi-la. Agora essa minoria não só deixou de votar pela redução da taxa básica de juros, como nem ao menos lutou pela sua manutenção e veio a endossar o voto de Campos e o aumento defendido por ele.
Lula, que nas outras vezes criticou Campos asperamente, não se pronunciou de imediato, mas a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, escreveu no Bluesky:
– No dia em que os Estados Unidos cortam 0,5 ponto nos juros, tendência mundial, o BC do Brasil sobe a taxa para 10,75%. Além de prejudicar a economia, vai custar mais R$ 15 bi na dívida pública. Dinheiro que sai de educação, saúde, meio ambiente, para os cofres da Faria Lima. Não temos inflação que justifique isso!
Lula com certeza pensa como Gleisi e deve ter tido conhecimento prévio do voto dos diretores que nomeou. Seu silêncio corresponde às dificuldades que o governo enfrenta em seu relacionamento com um Congresso dominado pelo Centrão e com uma economia na qual o mercado financeiro continua hegemônico e alinhado com um arrastão internacional plutocrático que tem Elon Musk como seu protagonista mais exibido.
A decisão do Banco Central teve de ser engolida por Lula e, segundo se noticia, não vai ficar nisso, pois “o mercado espera que taxa continue subindo até atingir 11,50% ao ano em janeiro” e só a partir de julho do ano que vem começará a recuar, “terminando 2025 em 10,50% ao ano”. Ou seja, a taxa de 10,50% que vigorava desde antes do atual governo Lula, só voltará a ser adotada daqui a mais de um ano, como se um mandato fantasma da maioria dos diretores do Banco Central se prolongasse até o último ano do mandato do próprio Lula.
Lula e os diretores do Banco Central nomeados por ele renderam-se a Campos e à Faria Lima? Não se pode nem pensar nisso. A melhor explicação para o que está acontecendo foi dada por Paulo Nogueira Batista Júnior, que foi diretor brasileiro do Fundo Monetário Internacional e vice-presidente do Banco do BRICS nos governos anteriores de Lula e no governo Dilma.
Para ele, o que está acontecendo é resultado da fixação de uma meta de inflação “ambiciosa demais”, herança antecipada da gestão de Roberto Campos Neto. Com o fim do mandato deste, no fim do ano, Nogueira Batista considera que a nova direção do Banco Central poderá partir para mudanças significativas que abram novas perspectivas para a política econômica do governo Lula.
– Sem Roberto Campos Neto – disse Nogueira Batista – [chega] a hora da mudança. A partir de janeiro, o governo Lula terá a presidência do Banco Central, com Gabriel Galípolo, e a maioria dos diretores.
Caberá então ao governo iniciar uma mudança estrutural na política econômica. O ponto de partida dessa mudança será o crescimento da economia brasileira já alcançado este ano pelo governo Lula, de 3% no fim de 2024, apesar dos entraves opostos pela taxa básica de juros imposta pelo Banco Central. Esses 3% não devem ser motivo de comemoração exagerada, segundo Nogueira Batista, porque o Brasil pode crescer ainda mais:
– Os dados da economia brasileira demonstraram mais uma vez a incapacidade dos economistas liberais de prever o desempenho do PIB. Os economistas estão errando há três anos. Mesmo diante de adversidades, como as enchentes no Rio Grande do Sul e a seca que afetou diversas regiões do país, o Brasil ainda consegue atingir o crescimento de 3%.
– Esse número deve ser visto como o mínimo aceitável para o país, deve ser o nosso piso, e não o nosso teto. O Brasil pode e deve crescer mais.
É com essa expectativa que Lula deve estar engolindo os últimos golpes da herança bolsonarista no Banco Central, bem calçado no que já conseguiu, mas sobretudo no que ainda pode fazer.
(*) Por José Augusto Ribeiro – jornalista e escritor, é colunista do Jornal Brasil Popular com a coluna semanal “De olho no mundo”. Publicou a trilogia A Era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993); A História da Petrobrás (2023). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.