O presidente Lula deu um drible político no mercado e no Congresso.
Antecipou o que ele iria fazer em 2025 para anunciá-lo em 2024: isenção do imposto de renda até 5 salários-mínimos.
O mercado tinha o seu cronograma de conquistar o arrocho fiscal, mas não contou com a capacidade política de Lula de misturar as cartas e lançar a que ele quer no jogo: a participação do Congresso como parceiro/cúmplice do pacote fiscal.
Se os congressistas piorarem a proposta do governo, Lula denuncia a manobra contra os trabalhadores; se melhorarem, ele também sai ganhando, porque o papel do Congresso é aprovar ou rejeitar propostas do Executivo.
Os especuladores, que logo cedo, nessa quinta-feira, foram para a Globo comentar ao vivo a entrevista do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, saíram trombeteando catastrofismo: vai piorar as expectativas e, por isso, os juros vão subir.
Na verdade, o mercado se sentiu driblado/ludibriado por Lula, porque na avaliação dos comentaristas da Globo, porta-vozes da Faria Lima, colocou em pauta o que lhe foi conveniente politicamente à revelia do mercado: a antecipação da isenção do imposto de renda até R$ 5 mil foi a cartada política lulista para atenuar as medidas controversas que dividem o próprio governo.
Os adversários no mercado se sentiram traídos.
Isso não estava combinado, disseram.
Quiseram negar o direito de Lula de fazer política na preparação do ajuste fiscal, cumprindo a sua autoridade institucional.
Lula não é homem do mercado, mecanicista, é, dialético, homem do conflito dos contrários para criar soluções, homem da negociação, dos bastidores do poder, do Congresso, da Câmara, das associações profissionais etc.
Lula impôs sua estratégia, que enfrentará turbulências, e colocou o Congresso para ser o seu parceiro na elaboração e execução do ajuste.
Desse modo, se for chantageado pelo Congresso, Lula denuncia os traidores da classe média e dos trabalhadores.
E se triunfar com negociação que sinalizaria articulação de centro-direita para garantir a governabilidade, divide o bônus na formação do futuro governo centro-direitista.
ARMAÇÃO POLÍTICA LULISTA
O pacote fiscal é eminente e iminentemente político, de forma simultânea.
Lula entregou o ajuste fiscal ao mercado, indo ao sacrifício de contrariar sua base política, porém, exigiu em troca a conquista da classe média com a bandeira da isenção de imposto de renda.
Na prática, a conquista já está na ordem do dia.
70% da população economicamente ativa ganha até 2 salários-mínimos.
Os 30% que ganham cinco salários-mínimos para cima é a classe média que será capturada politicamente pelo governo Lula, para engrossá-la com a massa dos mais pobres que representam 70% da força nacional de trabalho.
O cálculo político de Lula exercido na negociação do pacote deixa o Congresso dominado pela direita e centro direita na situação de ter que ter bandeira eleitoral se quiser ocupar o espaço político que hoje ocupa com o domínio do Centrão.
O Centrão, em tempo de eleição, é contra cortes de gastos.
Haja vista que não admitiu ajuste neoliberal em cima dele, da classe política, indo à luta para conquistar emendas parlamentares, em negociação com o mercado financeiro, de modo a manter sua base política eleitoral.
Os mais pobres e os que percebem salário-mínimo, bem como os aposentados pelo mínimo, ou seja, a massa que garante votos à continuidade do poder democrático burguês, estão no alvo centrão.
É com ele que se preserva o poder numa eventual aliança de centro-direita com Lula, como já previu o ex-ministro José Dirceu.
O líder do PSB, Gilberto Kassab, vencedor da eleição municipal, inicialmente, predisposto a lançar candidato de direita, como governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), já está mudando de discurso ao admitir impossibilidade de vencer Lula, se ele disputar reeleição.
Kassab não faz o discurso radical de direita do governador Ronaldo Caiado, que descarta qualquer aproximação com Lula; ao contrário, lança mão da ambiguidade total, admitindo possibilidades variadas etc.
PACOTE FISCAL APROXIMA LULA DE KASSAB
Lula fez política para formatar o pacote fiscal, mas não quis aparecer em público com a obra econômica controversa; colocou Haddad como propagandista da peça política.
O Congresso vai dar a palavra final, como Lula negocia com o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), aliado de Kassab, e com o deputado Arthur Lira(PP-AL).
Todo o ano que vem, 2025, será dedicado às negociações de centro-direita com vistas às eleições, e Lula pode ser candidato centro direitista, atraindo para si sua base fiel de esquerda.
Haveria opção alternativa para ela?
Interessa aos congressistas, que disputarão voto em 2026, lançar pacote impopular, associando-o a Lula, ou vão propor alterações que atendam seus interesses para garantir nova vitória eleitoral em 2026, repetindo o sucesso de 2024?
Lula se ergue com o pacote divulgado por Haddad como o conciliador de centro-direita, com inflexão da esquerda ao centro, tendo como trunfo eleitoral a classe média.
Com o apoio dela, força o Congresso a apoiar as demandas do governo enquanto tenta manter inalterável sua base social ancorada nos mais pobres.
A negociação, portanto, se realizou: o governo flexiona com o mercado, que continuará fazendo chantagem com a taxa de juro, mas leva como triunfo relativo o apoio da classe média via isenção de imposto de renda até R$ 5 mil.
Parece que é o que deu para conquistar, uma conquista frágil mas com a qual o Congresso também estará comprometido.
“Alea jacta est”, como diria o conquistador romano, Aníbal, “a sorte está lançada.”
(*) Por César Fonseca, jornalista, atua no programa Tecendo o Amanhã, da TV Comunitária do Rio, é conselheiro da TVCOMDF e edita o site Independência Sul Americana.
As opiniões dos autores de artigos não refletem, necessariamente, o pensamento do Jornal Brasil Popular, sendo de total responsabilidade do próprio autor as informações, os juízos de valor e os conceitos descritos no texto.