Acioli e Júlio estarão hoje no Palácio do Planalto. Luiz Carlos foi vítima de operação policial, no “modelo” da Lava Jato, que nada comprovou. “Quem mentiu deve ser punido, mas instituições são da democracia”
A última agenda do presidente Luiz Inácio Lula do Silva nesta terça-feira (7), às 17h, será para receber no Palácio do Planalto os irmãos Acioli Cancellier de Olivo e Júlio Cancellier. O mano do meio, Luiz Carlos, o Cau, era reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) quando se viu, em 2017, envolvido em uma trama de acusações que nunca se comprovaram, mas levaram-no a tirar a própria vida, aos 59 anos. Um caso extremo de operação jurídico-policial exacerbada, com ampla cobertura da mídia e repleta de pré-julgamentos.
“Como é que um homem que dedicou a vida a ensinar vai conviver com uma mácula?”, questiona Acioli, em Brasília desde ontem, quando foi recebido, com Júlio, pelo novo presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o físico Ricardo Galvão. Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) de 2016 a 2019, Galvão foi destituído pelo governo anterior por defender a divulgação de dados corretos sobre o desmatamento.
Ouvidos moucos
Luiz Carlos Cancellier foi preso em 14 de setembro de 2017, logo cedo, na chamada Operação Ouvidos Moucos. Acioli lembra que, pouco depois, as manchetes já davam conta que o reitor “liderava” uma fraude de R$ 80 milhões – valor que não sabe de onde saiu. Ele foi liberado no dia seguinte, após tratamento humilhante na prisão. Depois deixaria um bilhete: “A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade!”. No total, a operação atingiu sete pessoas.
“Mais de cinco anos depois, nada mudou. Ele não foi inocentado, e isso é fundamental para nós, da família. Nada foi comprovado. Cinco anos e meio se passaram e nada foi demonstrado que justificasse uma operação contra ele”, diz Acioli, o mais velho dos três irmãos (72 anos). Já os outros seis respondem até hoje, pelo que ele chama de pequenas irregularidades comuns na burocracia do serviço público, referente a prestação de contas. Nada que remeta, nem de longe, aos “milhões” que teriam sido desviados.
Livro e documentário
O caso do reitor da UFSC é tema de livro (Recurso Final, do jornalista Paulo Markun). E também de documentário lançado no final de 2021: Levaram o reitor – Quando o modelo Lava Jato adentrou uma universidade. O nome remete a outra operação espetaculosa, que levou à prisão do atual presidente da República. E que foi um “modelo” para a Ouvidos Moucos.
Nesse sentido, Acioli demonstra gratidão por Lula, primeira personalidade pública a prestar solidariedade ao reitor da UFSC. “Ele foi o primeiro a se manifestar, enquanto todos os órgãos de imprensa se faziam de porta-vozes de uma mentira. Eu me sinto grato ao presidente Lula por ele não ter deixado esquecer.” Acioli também lembra do apoio declarado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes.
Condenação sem julgamento
Agora, já como presidente, Lula voltou a falar do caso, que chamou de “aberração”, em reunião com reitores no dia 19 de janeiro. “Esse homem se matou pela pressão de uma polícia ignorante, de um promotor ignorante, de pessoas insensatas que condenaram as pessoas antes de investigar e julgar” (…) Você morreu, mas suas ideias continuam vivas.”
Acioli mandou mensagem à Presidência da República para agradecer, e no dia seguinte foi surpreendido com um contato da agenda do Planalto, marcando a audiência, da qual também participará o técnico administrativo da UFSC Marco Antônio Martins, que trabalhava com Luiz Carlos Cancellier. Antes, às 14h, Acioli e Júlio irão ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para encontro que prevê cessão dos direitos do livro e do Metaverso da Urna Eletrônica, trabalho lançado por Júlio no ano passado, que trata da lisura do sistema eleitoral brasileiro.
Respeito às instituições
Acioli afirma que a morte de Luiz Carlos Cancellier foi consequência de acusações falsas da PF, mas defende as instituições. “Sou um democrata fervoroso. Meu irmão foi vítima da Polícia Federal e do Ministério Público, e eu tenho respeito por essas instituições. Esses erros têm de ser sanados. Eles têm de expurgar a banda podre. Tiveram membros que extrapolaram, cometeram abusos. (Mas) São instituições do Estado a serviço da democracia.”
Da mesma forma, Acioli acredita em transformações após longo período de ataque à ciência, às universidades e aos institutos de pesquisa. “Mais importantes que ações, são sinalizações. (O governo) Está dando alguns sinais de mudança.” Ele cita a presença de Galvão no CNPq, de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente, Mercedes Bustamante na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). E de Luciana Santos na pasta da Ciência e Tecnologia: “Uma engenheira comprometida com a ciência, no lugar do astronauta, que passou quatro anos fazendo autopromoção”.
Assim, democracia, ambiente, pesquisa são valores que Acioli espera ver predominarem no país, após anos de obscurantismo. “Meu pai e minha mãe nunca frequentaram escola. Eram lavradores. No entanto, meu pai tinha um valor absoluto, que era o respeito pelo conhecimento.” Assim, ele lembra com orgulho que os três irmãos seguiram esse caminho, com um chegando a reitor universitário. “Nós três aprendemos com nossos pais o valor da educação e do conhecimento.”
Assista ao trailler do documentário:
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